A OBRA-PRIMA DE MICHELANGELO

REF.: OBRA-PRIMA DE MICHELANGELO: UMA MENSAGEM AOS HOMENS

Prezada senhora,

Em dezembro de 2017, visitei, pela segunda vez, a Galeria da Academia de Florença e fui acometido da mesma impressão que experimentei da vez primeira: a interpretação que a Academia faz da Galeria dos Prisioneiros, ressaltando tratarem-se de obras inacabadas de Michelangelo, não faz justiça à genialidade do autor e não valoriza, devidamente, o próprio acervo da Academia.

Certamente, auscultar as intenções de um autor, quinhentos anos depois, com base apenas em sua obra, constitui empreendimento de risco que apenas eventual registro pessoal de uma confissão íntima poderia elucidar completamente. Sem tempo para pesquisas arqueológicas e profundamente impressionado com a possibilidade de estarmos diante de um monumental equívoco interpretativo, quero registrar, nesta carta, as evidências que se oferecem ao meu espírito e amparam a hipótese formulada, para que ela não se perca. Sendo meu assunto filosofia, pesquisadores abalizados das artes poderão, no devido tempo, avaliar a questão.

A reunião daquelas peças na Galeria dos Prisioneiros, tendo ao fundo a figura imponente do Davi, configura arranjo de alta sensibilidade e oportunidade, que o próprio autor certamente aprovaria. O Davi e os Prisioneiros compõem um conjunto evidente em razão da tonelagem das peças, o que, por si só, justificaria aquela reunião. Mas, se levarmos em conta as circunstâncias históricas que envolveram as obras, no mínimo, temos de admitir que a natureza conspirou para que esse conjunto esteja hoje reunido em um mesmo local e, ainda mais, naquela disposição. Contextualizemos.

O Davi começou a ser esculpido em 1501, quando Michelangelo tinha 26 anos. O trabalho demorou dezoito meses e foi exposto ao público, em 1503. Tratava-se de encomenda do Duomo de Santa Maria de Fiore, para ser colocado sobre um contraforte da igreja. Esculpido em segredo, o resultado revelou-se tão surpreendente que acabou capturado por interesses políticos e posicionado na Piazza della Signoria, em frente ao Palazzo Vecchio. Inicialmente entendido como símbolo de libertação de humildes camponeses da opressão do sistema imobiliário local, o Davi acabou simbolizando a vitória da democracia sobre a tirania dos Médici. A escultura foi transferida para a Academia, em 1872, por questões de segurança, visando a preservar a obra, que tinha sofrido ataques de vândalos e ações de intempéries1.

Os Prisioneiros ou Escravos foram encomendados para ornamentar o túmulo do Papa Júlio II e compunham um conjunto de seis peças esculpidas, provavelmente, entre 1519 e 1534. Duas delas – dois escravos quase plenamente acabados, atualmente expostos no Louvre – foram oferecidos por Michelangelo, em 1546, ao florentino Roberto Strozzi, como gratidão, em razão de ter sido acolhido em casa deste, em Roma, por ocasião de doença2. Os restantes permaneceram na oficina de Michelangelo, em Florença, onde foram encontrados depois de sua morte, pelo seu sobrinho Leonardo Buonarroti, e doados ao Grão-Duque Cosimo I. Em 1586, Bernardo Buontalenti posicionou os Prisioneiros nos quatro cantos da Gruta Grande, nos Jardins de Boboli do Palácio de Pitti, que bem se adequava para as grandes estátuas em mármore bruto. Permaneceram ali até a sua transferência para a Galeria, em 1909, em razão de nova política adotada pelo então diretor da Academia, Corrado Ricci. Nessa ocasião, também o São Mateus é transferido para a Galeria, depois de ter permanecido, até 1834, na Opera del Duomo, e ter sido transferido para a Academia de Belas-Artes, onde, segundo jornais da época, “dormia abandonado debaixo do átrio”3, 11 e 12.

Como dado complementar definidor do contexto, vale destacar que, em 31 de outubro de 1737, Ana Maria Luisa Médici, a última remanescente do clã, assinou o Pacto da Família, doando todo o acervo ao governo da Toscana, com a condição de que tudo permanecesse em Florença – medida fundamental para garantir a preservação local do patrimônio4 e 5.

Com tantos eventos independentes e desconexos, fica afastada a minha primeira hipótese de que o Davi e os Prisioneiros pudessem constituir um conjunto premeditado pelo autor. As evidências indicam que se trataram de obras motivadas e realizadas por razões desconectadas. Apesar disso, tanto o Davi bíblico como a obra de Michelangelo simbolizam e identificam-se, historicamente, com a ideia de liberdade e de libertador. Consequentemente, constituindo liberdade e escravidão, conceitos indissociáveis em razão da simetria estrutural, resulta natural entender que esse fato linguístico também inscreve-se como determinante dessa reunião.

Dado esse contexto, genérica e concisamente descrito, e passando a considerar a obra em si, cumpre, antes de tudo, destacar que Michelangelo se encantou, desde o começo, com a Antiguidade Clássica e com a religiosidade da Igreja Católica, de sorte que toda a sua obra exprime o sincretismo resultante: do espírito grego clássico – a paixão pelo corpo humano e pela medida certa –; da religiosidade – a precedência do espírito sobre a matéria –; e de ambos – o ideal civilizatório de superação da barbárie, de superação da ignorância e de superação da força bruta.

Se a história bíblica ressalta a luta do fraco contra o forte, do pequeno jovem contra o gigante Golias, o Davi de Michelangelo inverte a perspectiva e destaca a supremacia do homem civilizado sobre a barbárie humana. O momento esculpido não retrata o confronto de um homem com outro, mas, virtualmente, o confronto do homem consigo mesmo, destacando os dois extremos do seu processo evolutivo. Quer parecer-nos que o sentido geral que Michelangelo visa, invoca e registra é o da evolução ou o do aperfeiçoamento humano.

O Papa Júlio II notabilizou-se como guerreiro e não como sacerdote e, por isso, foi capaz de contratar o trabalho do artista, mas não capaz de conquistar o seu espírito. Os seis Prisioneiros ou Escravos começaram a ser feitos para o mausoléu do pontífice, e os dois primeiros, o Escravo Moribundo e o Escravo Rebelde, quase concluídos, parecem indicar que o artista, antes de findá-los, começava a mudar de ideia sobre o seu mecenas. As outras quatro obras parecem indicar que se consolidava, no espírito de Michelangelo, certa percepção de quem seria realmente o Papa Júlio II, para além das aparências. Se as duas primeiras obras representam, nitidamente, escravos destinados ao mausoléu, expressando duas maneiras básicas de o indivíduo ajustar-se à escravidão – conformismo e revolta –, as quatro restantes são frutos nítidos de outra concepção. Não se trata mais de escravos, mas de prisioneiros. Se, nas duas primeiras obras, o que se retrata são estados de espírito frente ao infortúnio, nas quatro restantes, o que está expresso é a contingência da prisão e a ausência do espírito. Não há, nas quatro peças, ao contrário dos dois escravos, qualquer indício dos espíritos que animam aqueles corpos. Há apenas o fato bruto – virtualmente inconsciente – da prisão. Por isso, entendemos que não se trata mais de representações de escravos destinados a mausoléu, mas de representações de prisioneiros, virtualmente, do próprio pontífice, preso à rudeza da sua constituição instintiva, expressa na escultura, como prisão à materialidade.

Referindo-se ou não ao religioso, as esculturas retratam prisioneiros da pedra, indicando diferentes graus de emersão do humano, a partir – mas ainda presos – do mais elementar e bruto estágio evolutivo da natureza, constituído pelo mundo mineral. Possivelmente, Júlio II, aos olhos de Michelangelo, em sua essência e em seu estágio evolutivo, não poderia ser retratado de forma diferente: corpo poderoso, indicando força bruta, mas ainda preso a instintos elementares.

Os Prisioneiros de Michelangelo

Observando-se o elemento da direita, Atlas, resta claro que, desde o começo da obra, já estava definido que aquele corpo não poderia ser extraído completamente daquela pedra. A um artista cuja sensibilidade permitiu antever e considerar a perspectiva do espectador, olhando de baixo, ao dimensionar a mão e a cabeça do Davi bem como ao dimensionar o seu pênis, não se pode atribuir um engano tão elementar entre tamanho do corpo e tamanho da pedra. Uma indicação robusta, quer parecer-nos, de que o propósito do artista já tinha sido alcançado. Depõe a favor da hipótese de que o retratado tenha sido o próprio pontífice o fato de que isso não poderia ser declarado ao público e, menos ainda, ao contratante. Daí, Michelangelo ter-se referido a eles como a tragédia da minha vida, um convincente, sugestivo e apropriado disfarce. Há também uma menção a Condivi, discípulo de Michelangelo, que teria afirmado, em 1553, que as obras referiam-se a outra faceta da personalidade do Papa e dos mecenas2. Não seriam, assim, obras inacabadas.

Os fundamentos mais fortes dessa interpretação serão encontrados, porém, na formação e no espírito de Michelangelo. Tudo começa com a convicção de Cósimo de Médici (1389-1464), intitulado o Velho – patriarca da dinastia – sobre a necessidade de resgatar o platonismo na Itália. Aos 40 anos, em 1429, Cósimo assume o governo de Florença à cuja frente permanece até a morte, aos 75 anos. No quarto ano de governo, nasce Marsilio Ficino (1433-1499), cuja formação, centrada no platonismo, vai patrocinar. Filho do médico da família, Cósimo teria dito ao pai de Marsilio que o filho, em vez de curar corpos, teria vindo para curar almas. Em 1462, dois anos antes de morrer, dado o sucesso da formação de Marsilio Ficino, Cósimo lhe entrega a Villa le Fontanelle e assiste ao início dos trabalhos da Academia Neoplatônica de Florença. Nessa ocasião, o filho de Cósimo, Lorenzo de Médici (1449-1492), futuro grande mecenas das artes, que ficou conhecido como o Magnífico, tinha apenas 13 anos. A influência da Academia e de Ficino foi tanta que a corte artístico-cultural florentina patrocinada por Lorenzo de Médici ficou conhecida como Movimento Neoplatônico, e a idade de ouro cultural de Florença coincide com a época da sua morte, em 1492. Quando Michelangelo nasce, em 1475, a Academia já funcionava regularmente havia 13 anos, e suas atividades apenas cessaram quando ele já tinha 48 anos, em 1523, de sorte que toda a formação do escultor deu-se sob a influência do Movimento Neoplatônico de Florença6; 7 e 8.

Aqui, impõe-se entender o espírito desse movimento. A concepção platônica que animava o movimento indica que Marsilio Ficino, efetivamente, logrou resgatar o platonismo em seu sentido original e em suas raízes mais profundas. Marsilio percebeu que a concepção filosófica de Platão era única em poder esclarecedor e inscrevia-se em uma tradição de sabedoria praticada nos templos do Egito imperial. Ficino percebeu e defendeu a existência de tradição filosófica originada no Egito que, sem solução de continuidade, estendeu-se de Pitágoras ao Orfismo, passando por Sócrates, Platão e Aristóteles, até chegar ao neoplatonismo7. Descobriu que certos aspectos dessa tradição, tal como a geometria sagrada, já tinham aportado em Florença, por meio de maçons operativos que construíram o Duomo de Fiore – por serem herdeiros dos primitivos colégios de arquitetos e de artífices romanos – os collegiam fabrorum9. Também estavam presentes na Toscana, nas concepções e nas práticas alquimistas, que disfarçavam, na busca do ouro alquímico, seus verdadeiros objetivos de sabedoria e de retorno à harmonia da natureza, tentando, assim, não despertar a ira da Igreja. Estavam igualmente presentes em alguma medida, junto à Ordem dos Templários (1128-1312) – que criaram templos e hospitais em Florença – e também acompanharam, de algum modo, aqueles mestres que o território italiano acolheu, quando da diáspora de Constantinopla.

Utilizando palavras e conceitos modernos, podemos definir a concepção filosófica cultivada por essa tradição como constituindo a Metafísica dos Princípios, uma concepção que tem a propriedade de posicionar o intelecto no ponto original do universo criado, possibilitando que o ser vislumbre, à sua frente, desdobrar-se harmônico, sem surpresas e sem mistérios, um cosmos cintilante – um universo organizado segundo a geometria, a lógica e a matemática – de infinitas possibilidades, ao qual sabe pertencer. Posição essa que, ao mesmo tempo, permite-lhe pressentir, atrás de si, a presença indelével, reconfortante e protetora da fonte absoluta de todas as coisas. Tudo isso, tendo consciência de si mesmo, na condição de intelecto operador de inteligência e de fruto natural e contingente, de engenharia cósmica destinada a produzir consciência e compreensão, isto é, como testemunho e prova viva do sucesso do empreendimento.

Essa compreensão, racional e logicamente sustentada, gera energia e luminosidade únicas e inigualáveis que, até hoje, percebemos terem sido cultivadas e terem estado presentes tanto na Academia de Atenas como na Academia de Florença. Não há como contemplar os frutos dessas oportunidades sem reconhecer que algo grandioso e transformador ocorreu com as pessoas que experimentaram ou foram expostas a essa luminosidade. Nesse caso, não apenas Michelangelo, mas também Masaccio, Botticelli, Leonardo da Vinci, Lorenzo de Médici, Alberti, Poliziano, Landino, Pico de la Mirándola e todos os grandes artistas que imortalizaram a arte italiana e impulsionaram a Renascença. Encontramos essa mesma luminosidade impressa indelével nas obras hoje expostas na Galeria – que apenas conseguimos perceber, porque, afortunadamente, estamos familiarizados com essa luz, que também se faz presente nos encontros que há 13 anos ocorrem semanalmente, em Brasília, no grupo de estudos Segundas Filosóficas, que, por ter constatado a mesma tradição descoberta por Ficino, resgatou e cultiva esse modo platônico original de pensar10.

No entanto, se essa luz apenas insinua-se, ao separar escravos de prisioneiros, na figura do apóstolo, ela surge com notável fulgor. O São Mateus, quinta peça da Galeria dos Prisioneiros, foi o único dos doze apóstolos encomendados pelo Duomo de Florença que Michelangelo começou a esculpir. 

Nessa figura, também “inacabada”, o espírito aprisionado está presente e mostra-se consciente da prisão. Os músculos da face e do pescoço revelam esforço para o alto e para o lado, tentando libertar-se. A mão direita força a pedra para trás, tentando, igualmente, extrair-se dela. Já não se trata, como no caso dos prisioneiros, de corpos passivos entregues à sorte, mas de espírito desperto e inconformado com a prisão, lutando para libertar-se. Na mão esquerda, o método de libertação: um livro – um livro indicando que apenas o saber e o conhecimento podem realmente libertar. Com a presença do livro, todo o significado da Galeria transforma-se. O livro revela a verdadeira natureza da prisão: a ignorância. A pedra bruta converte-se em pura brutalidade limitante, da qual o apóstolo esforça-se por libertar.

É somente após compreender-se essa mensagem do apóstolo que a figura do Davi revela-se em todo o seu esplendor. O Davi simboliza o homem completo e pleno, que realizou, em si, toda a humanidade que a engenharia cósmica faculta à espécie. Sua compleição física já não invoca força, limita-se à musculatura necessária para expressar a medida certa. Ele já não se assenta sobre a pedra bruta do reino mineral. Aos seus pés, o tronco cortado de uma árvore indica que Davi já está plenamente assentado sobre uma instância da natureza dotada de vida.

A presença desse tronco configura a prova mais evidente de que Michelangelo focava a evolução e a realização humana e não uma mera disputa entre adversários eventuais. Esse tronco testemunha a presença, na mente de Michelangelo, da estrutura – mundo mineral, mundo vegetal, mundo animal e mundo humano – que, segundo acredita a ciência, edifica a realidade.

A funda e a pedra ainda invocam a figura bíblica, mas o seu olhar fala de outra coisa. O momento precede uma luta, mas o olhar do Davi é sereno, não expressa preocupação ou medo com o resultado. Davi se sabe exponencialmente superior. O gigante é ele, e os 5,17 metros de altura da estátua o evidencia. Mas não há tampouco desprezo ou arrogância nesse olhar. O que há é compaixão. A platonistas como nós, esse olhar remete ao personagem do mito que conseguiu escapar da caverna, depois que se habituou à luz do sol, no momento em que se lembrou dos amigos ainda presos lá dentro. Ao instante em que se deu conta de que não havia modo de eximir-se da responsabilidade e da obrigação de retornar e tentar libertá-los.

Quem contempla essa luz não pode deixar de sentir-se responsável, razão pela qual se percebe, nesse olhar do Davi, simultaneamente, compaixão e responsabilidade. O corolário evidente é que esse olhar já não se dirige a um adversário particular, mas trata-se de um olhar lançado à humanidade toda, virtualmente a cada homem em particular. Nesse modo de ver, o Davi configura antevisão maravilhosa do homem perfeito – vitruviano – previsto e potencializado no espaço de possibilidades que a natureza faculta à espécie[i]. Indica um futuro glorioso possível, caso o homem consiga fazer com que a luz que iluminou Atenas e Florença espalhe-se por todo o planeta.

E é na encruzilhada dessa dúvida que nos encontramos, senhora diretora, e eu lhe dirijo estas palavras. Ambos sabemos que se trata apenas de uma interpretação e, também, sabemos que todos os discursos humanos não passam disso, mas sabemos, igualmente, que o homem se conduz na vida segundo as suas interpretações, de sorte que elas precisam ser devidamente consideradas. Em um mundo fascinado pela imagem, em razão da sua fácil apreensão, e simultaneamente minguante de entendimento, em razão do desconforto relativo do ler e do pensar, penso que, presentemente, os visitantes da Galeria voltam para casa com muito menos do que poderiam voltar. Para voltar com mais, precisariam ser ajudados.

Parece-me incrível que essa interpretação ainda não tenha sido aventada e, mais surpreendente ainda, que não esteja sendo explorada, de vez que todos ganhariam com isso, a começar pela Galeria e pelo próprio turismo da Itália. Estivéssemos em séculos anteriores, poder-se-ia pensar que tal interpretação estaria sendo sustada pela Igreja, porque, no século XVIII, a Maçonaria adotou, explicitamente, a perspectiva e a ideia implícita de que compete a cada homem esculpir-se e retirar ele mesmo a sua humanidade da pedra bruta, razão pela qual, a Igreja poderia não estar disposta a favorecer a interpretação maçônica, entendendo que isso, virtualmente, dar-se-ia em detrimento do papel de Jesus no processo.

 

Escultura de aprendiz, lapidando-se com maço e cinzel – Loja Maçônica Estrela de Brasília – Grande Oriente do Brasil – Brasília/DF.

Em pleno século XXI, porém, quando sopram, no Vaticano, ventos estáveis de ecumenismo, parece ser tempo de ambas as instituições reconhecerem que, apesar dos métodos distintos, ambas pugnam pelos mesmos ideais humanistas, sendo mais complementares que concorrentes.

Assim, senhora diretora, creio que devo me desculpar por perturbar o seu trabalho e trazer-lhe preocupações. Invoco, em minha defesa, a contingência que a visão da Metafísica dos Princípios impõe-nos ao não facultar a opção do silêncio e, ao contrário, impor-nos a obrigação de levar essas coisas ao conhecimento das pessoas.

Aproveito a oportunidade para agradecer e cumprimentar a direção e todos os colaboradores da Galeria, pela gentileza e pelo profissionalismo com que fomos recebidos em ambas as visitas.

Cordialmente,

Rubi Rodrigues

Brasília, DF, março/2018

[i] Ao que tudo indica, primeiro Michelangelo retratou a perfeição, esculpindo o Davi. Depois, ao trabalhar os dois escravos, percebeu que havia situação ainda mais trágica que a dos escravos: a prisão da ignorância, na qual os homens aprisionados sequer se dão conta da prisão. Retratou-a com os quatro prisioneiros. Por que quatro? Porque, segundo a doutrina da tradição e segundo lição que Pitágoras nos legou com a sua Década Sagrada (1 + 2 + 3 + 4 = 10), quatro são os estágios ou as partes distintas que se somam para produzir o todo e atingir consciência plena. Os quatro prisioneiros indicam esses quatro estágios primários, São Mateus representa a passagem da escravidão para a liberdade (=), e Davi é o 10 de Pitágoras: a consciência plenamente formada e desperta. Tomado como um todo, esse é o percurso da libertação e da realização do humano latente na espécie. Um percurso que desafia os homens, na condição de obrigação pessoal indelegável. Para os membros das Segundas Filosóficas, essa é a prova definitiva de que o Movimento Neoplatônico de Florença, efetivamente, compreendeu Platão e toda a tradição metafísica mencionada por Ficino.

REFERÊNCIAS

1 CAMPANARO, Babi. O que você ainda não sabe sobre o David de Michelangelo. Site Viva Toscana, 2013. Disponível em: <www.vivatoscana.com.br/2013/08/o-que-voce-ainda-nao-sabe-sobre-o-david.html>. Acesso em: 19 jan. 2018.

2 FÁTIMA, Maria. Miguel Ângelo: escravo moribundo e escravo rebelde, 2011. Disponível em: <http://www.phototravel360.com/10-obras-que-voce-deve-conhecer-no-museu-do-louvre/>. Acesso em: 15 jan. 2018.

3 ITALY TICKETS. Os prisioneiros de Michelangelo na Galleria dell’Accademia. Disponível em: <https://www.florence-tickets.com/br/Blog/floren%C3%A7a/os-prisioneiros-de-michelangelo-na-galleria-dell%27accademia>. Acesso em: 19 jan. 2018.

4 OLIVEIRA, Cristiane. Os senhores de Florença: a Familia Medici. Notícias da Bota, 2013. Disponível em: <http://www.noticiasdabota.com/2013/01/os-senhores-de-florenca-familia-medici.html>. Acesso em: 19 jan. 2018.

5 WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Ana Maria Luísa de Médici. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ana_Maria_Lu%C3%ADsa_de_M%C3%A9dici#Mecenas_das_artes>. Acesso em: 19 jan. 2018.

6 WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Academia neoplatônica. Disponível em: <https://translate.google.com.br/translate?hl=pt-BR&sl=it&u=https://it.wikipedia.org/wiki/Accademia_neoplatonica&prev=search>. Acesso em: 19 jan. 2018.

7 PALOMARES, Julián. Protagonistas da história – Marsílio Ficino, 2011. Disponível em: <http://www.nova-acropole.org.br/parasabermais/protagonistas-da-historia-marsilio-ficino>. Acesso em: 19 jan. 2018.

8 LOPES, Reinaldo José. Os Medici: a grande família, 2009. Aventuras na História: para viajar no tempo, Disponível em: <http://origin.guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/medici-grande-familia-485434.shtml>. Acesso em: 19 jan. 2018.

9 ADRIÃO, Vitor Manuel. Florença oculta (de Dante aos Templários, Alquimistas e Maçons), 2010. Disponível em: <https://lusophia.wordpress.com/2010/11/16/florenca-oculta-de-dante-aos-templarios-alquimistas-e-macons-por-vitor-manuel-adriao/>. Acesso em: 19 jan. 2018.

10 RODRIGUES, Rubi. A concepção pitagórico-platônica da natureza ou A constituição ontológica da natureza. Brasília, 2013. Disponível em: <http://segundasfilosoficas.org/a-concepcao-pitagorico-platonica-da-natureza-ou-a-constituicao-ontologica-da-natureza/>. Acesso em: 19 jan. 2018.

11 LUCHINAT, Cristina Acidini. Michelangelo scultore. Milano: 24 Ore Culture, 2010. 319 p.

12 FALLETTI, Franca et al. Galleria dell’Accademia. Guida Ufficiale. Tutte le opere. Firenze: Giunti, 2009. 143 p.