TEORIA METAFÍSICA DO CONHECIMENTO

  TEORIA METAFÍSICA DO CONHECIMENTO
METAPHYSICS THEORY OF KNOWLEDGE


Rubi Rodrigues1
UniCEUB – Brasília – Brasil

RESUMO
Objetivamos, aqui, uma tese sobre o conhecimento, com pretensão de tornar-se teoria do conhecimento. Entendemos por conhecimento uma inteligência interpretativa que, em alguma medida, corresponde à inteligência organizativa determinante do modo de ser próprio de um objeto. Entendemos por teoria uma concepção que, orientando os trabalhos, permita abordar e, virtualmente, resolver, de modo satisfatório, uma dada questão ou um âmbito de questões científicas. No caso em questão, uma teoria do conhecimento deve instrumentalizar o homem para o uso metódico e competente da faculdade de pensar e indicar os procedimentos que devem ser observados para a produção de conhecimentos confiáveis, isto é, correspondentes à realidade, de sorte que fique habilitado para um agir adequado no mundo.

Palavras-chave: Teoria do conhecimento. Metafísica. Ontologia. Algoritmo da criação.

ABSTRACT
We aim here, a thesis about knowledge, with the pretension of becoming a theory of knowledge. We understand by knowledge, an interpretive intelligence that in some measure corresponds to the organizational intelligence that determines the way of being proper to an object. By theory, we mean a concept that, by guiding the work, allows us to approach and virtually solve, in a satisfactory way, a given question or a field of scientific questions. In the case in question, a theory of knowledge must equip man for a methodical and competent use of the faculty of thinking, and indicate the procedures that must be observed for the production of reliable knowledge, that is, corresponding to reality, so that enabled to act appropriately in the world.

Keywords: Theory of knowledge. Metaphysics. Ontology. Algorithm of creation.

Setembro/2017.

1 Rubi Rodrigues é economista, pesquisador em Metafísica, escritor e membro da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal.

                                                                        SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO…………………………………………………………………………………………………………………3
INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………………………………………………….8
DEMARCAÇÃO DO TERRITÓRIO CONCEITUAL – A CONCEPÇÃO FILOSÓFICA ADOTADA…….10
DEMARCAÇÃO DA FILOSOFIA…………………………………………………………………………………………..18
A ONTOLOGIA: O ALGORITMO DA CRIAÇÃO…………………………………………………………………….20
OS PADRÕES DE PENSAMENTO EM UMA TESE METAFÍSICA DO CONHECIMENTO…………….29
ENFRENTAMENTO DOS PROBLEMAS TRADICIONAIS DE TEORIA DO CONHECIMENTO……..35
CONFRONTO DE VISÕES DE MUNDO……………………………………………………………………………….39
ESTRATÉGIA METODOLÓGICA………………………………………………………………………………………….44
PALAVRAS DE ENCERRAMENTO……………………………………………………………………………………….49
REFERÊNCIAS…………………………………………………………………………………………………………………..53

Agradecimento
Cumpre registrar agradecimento a todos os membros das Segundas Filosóficas, cujo esforço na busca de entendimento e de compreensão permitiu que este trabalho fosse levado a bom termo. Em particular, agradeço a César Dias Ribeiro, Jônatas Godoi Rodrigues, Myrtes Matos, Rogerunielo França, Wolf Dieter Rietz, Cláudia Falcão e Edrisi Fernandes, pelas preciosas e inestimáveis contribuições.

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TEORIA METAFÍSICA DO CONHECIMENTO

 

Somos capazes de sonhar com um mundo melhor. Seremos também capazes de projetá-lo e de efetivamente construí-lo?  Aqui, tentamos encontrar respostas. Segundasfilosoficas.org

APRESENTAÇÃO

Segundas Filosóficas é título que indica um encontro semanal de pensadores que, desde 2005, ocorre regularmente, em Brasília. A frase referida resume a orientação geral que caracteriza o grupo e lhe define o espírito. Ela encabeça a página inicial do site onde são publicados – sem reservas de qualquer espécie – os resultados das meditações filosóficas realizadas, com o propósito de compartilhar as percepções que o grupo logra conquistar. Desde o começo, tínhamos consciência de que civilização constitui obra coletiva e que grau de civilidade possui correlação direta com o nível intelectual e a capacidade de discernimento média da população. Apenas uma população instruída pode realizar uma civilização superior. Assim, quando as pesquisas nos levaram ao estudo da filosofia grega clássica e conseguimos entender, não apenas a obra platônica, mas a própria maneira de pensar que se escondia, mas também se insinuava, detrás dos diálogos, simultaneamente, descobrimos duas coisas. De um lado, constatamos que havia uma maneira de organizar e tornar metódico o ato humano de pensar, de sorte a possibilitar que outras pessoas pudessem apreender esse modo de pensar e alcançar o discernimento que a obra de Platão transpirava de forma tão efusiva – obra que incluiu aquele admirável grego na lista dos sábios da humanidade. Havíamos descoberto e compreendido o paradigma que presidira o modo platônico de pensar de modo tão claro e formalizado que tornava possível a sua transmissão para terceiros e, assim, facultar uma capacidade interpretativa de padrão similar à de Platão. Imaginamos, logo, uma civilização repleta de mentes platônicas, cujo objeto dos desejos fosse a sabedoria. Por outro lado, e em contrapartida, também constatamos que a fundamentação metafísica e ontológica que suportava esse paradigma, requeria níveis de abstração e de entendimento pouco comuns nos humanos, não só de agora, mas, de todos os tempos – assim como sempre foram poucos e continuam sendo poucos os que se dedicam à Filosofia –, de sorte que a possibilidade de massificar esse conhecimento revelava-se praticamente nula.
Essa constatação deixou-nos angustiados durante meses. Ao que tudo indicava, apenas um processo paulatino e longo de educação poderia elevar lentamente o nível médio de discernimento da população, em escala capaz de impactar o padrão civilizatório. Sofríamos esse impasse, quando, de repente, percebemos que estávamos cometendo um erro conceitual básico e que a solução estava bem à nossa frente. O telefone celular, surgido há poucos anos, tinha-se disseminado, no Brasil, por todas as camadas sociais e propiciava aumento vertiginoso da capacidade de comunicação e de acesso à informação pelas pessoas, ampliando a própria capacidade laboral de todos, sem exigir dos usuários domínio da complexa tecnologia usada na confecção dos aparelhos. Bastava saber usar. E resultava ser exponencialmente mais fácil apreender a usar do que fabricá-lo. Esse exemplo do celular mostrou-nos ser dispensável ensinar filosofia para todos. Bastava elaborar uma teoria do conhecimento capaz de instrumentalizar o homem para o uso

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metódico e competente dos recursos de pensar de que ele dispõe e, depois, traduzi-la em receita prática de pensar, isto é, em método prático e formal que bastasse às pessoas aprender a usar. Esse novo método precisaria assumir a forma de uma receita que indicasse o processo que a mente deveria cumprir para realizar pensamentos corretos. Uma vez memorizada essa receita, ela poderia ser aplicada aos casos concretos, e os usuários poderiam capitalizar não apenas interpretação mais competente da realidade e do mundo, mas também festejar o alcance de competência interpretativa superior. Naturalmente, o seu uso intensivo ficaria na dependência das pessoas perceberem, de forma convincente e clara, os benefícios decorrentes, tal como ocorre, hoje, com o celular, que é intensamente utilizado em razão dos reais benefícios que proporciona. Isso significa que esse método prático, ao ser absorvido e incorporado à mente humana, na condição de conhecimento orientador de operações mentais, somente poderá ser bem-sucedido na medida em que, efetivamente, resultar em incremento da capacidade cognitiva do sujeito. Isso segundo a percepção e a avaliação do próprio sujeito e não segundo uma avaliação externa. Naturalmente, tendo também em conta que esta, como qualquer outra ferramenta, requer treinamento e destreza para uso eficiente.
Uma vez entendido que o avanço no rumo dos propósitos do grupo de provocar aperfeiçoamento civilizatório requeria a elaboração complementar de dois produtos – uma teoria do conhecimento de compleição acadêmica, destinada à comunidade científica, e um método de pensar simplificado, de orientação prática, destinado à população em geral – focamos nossas pesquisas na questão da teoria do conhecimento, naturalmente prioritária. Na escolha dos textos de referência, optamos por recorrer, primeiramente, à Teoria do Conhecimento, de Johannes Hessen (1889-1971), filósofo alemão e professor, em Colônia, obra tida como um clássico do assunto e cuja primeira edição, sob o título Erkenntnistheorie, foi prefaciada em 1925. Recorremos, também, à obra de Karl Popper (1902-1994) – Os dois problemas fundamentais da teoria do conhecimento –, que se ocupou da precisa demarcação da ciência moderna. Na busca por atualização, recorremos ao professor Miguel Reale (1910-2006) e à sua Introdução à Filosofia, dedicada, essencialmente, à teoria do conhecimento e cuja primeira edição é de 1988. Em complemento, recorremos, também, ao professor Urbano Zilles e à sua obra de 2005, que leva por título Teoria do Conhecimento e Teoria da Ciência. O estudo detalhado dessas quatro obras mostrou, em primeiro lugar, que teoria do conhecimento constitui, ainda, uma questão em aberto, que sempre esteve no centro das preocupações filosóficas, recebendo contribuições relevantes de praticamente todos os filósofos que a história destaca, mas que, ainda, não encontrou formulação convincente que lograsse aceitação ampla e duradoura. Em segundo lugar, mostrou-nos que, em verdade, ainda não existe uma teoria do conhecimento, no sentido lato de uma teoria positiva e metodológica, tal como entende-se teoria, em ciência. A própria obra de Hessen resultou da compilação de anotações de aula e mereceria, por título, virtualmente mais adequado, algo do tipo “levantamento, sistematização e crítica dos esforços pregressos, visando a uma teoria do conhecimento” e não, simplesmente, teoria do conhecimento. O professor Hessen realiza, no entanto, primoroso e extenso levantamento do estado da arte em seu tempo e caracteriza os principais problemas afetos à questão, de modo que a organização das obras posteriores não escapa de sua influência, embora Zilles não o inclua em sua bibliografia. Popper limita-se a contemplar os problemas da indução e da demarcação do que pode ser considerado conhecimento científico e, nesse sentido, produz uma teoria da ciência (epistemologia) e não uma teoria do conhecimento. Zilles contempla os mesmos problemas arrolados por Hessen, e

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Popper, dando ênfase aos modos segundo os quais os diferentes paradigmas filosóficos contemplaram e contemplam tais questões. Popper, Reale e Zilles atualizam a discussão trazendo os aportes do século vinte – linguística, hermenêutica, teoria da ciência, lógica, entre outros –, mas não logram encaminhar solução mais promissora em razão de os três aceitarem a demarcação científica vigente. Apesar disso, os últimos mencionam e destacam o resgate da Metafísica em curso, nos nossos dias. Em resumo, as obras oferecem ampla discussão dos problemas até aqui catalogados como inerentes ao desejo humano de produzir um conhecimento confiável que possa orientar, adequadamente, o homem, na condução da vida. Contemplando as diferentes perspectivas e os diferentes paradigmas segundo os quais a questão foi abordada no curso da história, a problemática geral resulta devidamente mapeada e discutida, embora não resolvida, tanto pela rejeição de algumas teses como pela razão complementar de não ter sido essa tampouco a intenção de nenhum dos autores ao publicar suas obras. Hessen, Reale e Zilles eram apenas professores preocupados em aproximar seus alunos da questão e mostrar sua relevância, sem indicar mais do que os prós e os contras de cada solução, apondo as suas próprias críticas. Popper era focado na demarcação científica.
Com isso, manter essa sistematização focada nos problemas envolvidos não serve para o presente trabalho, que objetiva propor uma teoria positiva do conhecimento, visando a instrumentalizar mentes para um uso metódico da razão. Para atingir esse intento, impõe-se construir uma fundamentação que atenda às exigências de rigor lógico e conceitual próprias das lides científicas, ainda que a atual demarcação científica mereça reparos. Em decorrência, parece-nos conveniente iniciar o trabalho demarcando a concepção de Filosofia que adotamos justamente por viabilizar alicerces lógicos e ontológicos para uma teoria do conhecimento, sem recorrer a dogmas ou a pressupostos não fundamentados. Com a demarcação do campo da Filosofia e a indicação das disciplinas envolvidas, tornar-se-á possível superar a confusão que, modernamente, envolve conceitos centrais, tais como os de metafísica, ontologia e teologia, sem o que resulta impossível uma comunicação desprovida de ambiguidades. Uma vez demarcada essa concepção de Filosofia e posicionada a correspondente Teoria do Conhecimento, poderemos avançar pela sua especificação, tendo em vista a estrutura geral de argumentação adotada, recorrendo aos problemas catalogados pela tradição, sem preocupações historiográficas, mas, apenas na medida conveniente a destacar os acordos e as divergências importantes.
A solução que se considera viável para uma teoria positiva do conhecimento possui orientação metafísica e ontológica, na linha que se atribui a Platão, Aristóteles e Hegel e que Zilles sintetiza de modo adequado, no capítulo terceiro de sua obra. O que se pretende mostrar é que a conceituação devida da Metafísica, conforme proposição de Aristóteles, propicia o índice comum capaz de harmonizar, liminarmente, sujeito e objeto, sem recorrer a dogmas ou a soluções divinas, e, ao contrário, valendo-se exclusivamente de deduções e de conclusões amparadas em leis do pensamento. Dessa forma, tentar-se-á justificar e formalizar uma teoria do conhecimento admissível pela comunidade científica e, caso tenha-se fôlego, na sequência, tentar-se-á construir um método prático que seja assimilável pela população em geral.
Com respeito à oportunidade de oferecer, nesta quadra dos tempos, solução metafísica de teoria do conhecimento, basta lembrar o impasse vivido pela Física Quântica, há aproximadamente um século, com o comportamento anômalo de partículas que desobedecem às leis do espaço e do tempo. Tais fenômenos, conhecidos como entrelaçamento quântico de partículas, ao desrespeitar os limites

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da velocidade da luz, desafiam o conceito einsteniano de localidade espaço-temporal adotado pela ciência moderna. Duas são as soluções possíveis. Com o conceito de não localidade quântica, tenta-se solução de pouco fôlego, tendo em vista que, segundo o reconhecido pela própria hermenêutica, uma negação não pode alicerçar uma tese positiva. O alicerce precisa ser algo e, não, um nada. Consequentemente, essa não localidade remete a um universo paralelo de sustentação tão ou mais precária quanto os pressupostos metafísicos recusados quando se fixou a localidade no âmbito tridimensional do espaço cartesiano, que, na ocasião, recepcionava e acomodava bem a física de Newton. A ampliação da localidade espacial de Descartes para a localidade espaço-temporal de Einstein já foi precária, tanto assim que não ficou definido se o tempo deveria ser considerado uma dimensão interna do espaço ou uma dimensão adicional externa a ele. A outra solução óbvia requer a ampliação do âmbito do universo local, mediante a incorporação de dimensões não materiais, segundo o preconizado pela Metafísica e no mesmo sentido do passo dado por Einstein, uma vez que o tempo, tampouco, possui compleição material. O próprio surgimento do conceito de não localidade quântica indica as dificuldades que a comunidade científica enfrenta para superar os confortáveis limites da materialidade e aventurar-se além. Nesse sentido, uma metafísica que possibilite transpor esse limite, sem comprometer a lógica e a racionalidade, afigura-se, obviamente, oportuna e bem-vinda, por mais devastadoras que sejam as suas implicações.
Com respeito à oportunidade de oferecer uma teoria do conhecimento de uso prático e geral, a par da possibilidade de acelerar e universalizar novos níveis de discernimento, descortina-se uma aplicação mais restrita e imediata, com possibilidade de potencializar trabalho civilizatório em escala inusitada. Observe-se que trabalho civilizatório requer o esforço sinérgico de uma multidão. Existem duas maneiras de se gerar a sinergia requerida por um trabalho de expressão civilizatória. O modo tradicional compreende uma estrutura hierárquica, na qual o comando seja exercido por quem detém a borduna maior, digamos assim, e a grande maioria submete-se pelas mais diferentes razões. Nesse caso, em razão da presença de submissão, a sinergia não atinge o máximo possível, e o trabalho resulta correspondente. A maneira alternativa envolveria uma organização em rede, na qual cada elemento integrante configuraria um nó da rede e as adesões resultariam de decisões pessoais conscientes, dando ao conjunto elevado potencial sinérgico e, consequentemente, capacidade de realizar grande trabalho civilizatório. A infraestrutura técnica necessária para viabilizar a segunda solução já está disponível na internet, mas quando se acompanha a dinâmica dos grupos de interesse comum, no WhatsApp, constata-se que estamos, ainda, em fase de ensaio de uso do novo recurso, ainda muito distante de produzir sinergia. Isso deve-se ao fato de as pessoas pensarem de modo natural, ou seja, julgarem as coisas e situações a partir da sua experiência pessoal de vida, que permitiu acumular determinado acervo de conhecimentos e de experiências, a partir do qual o indivíduo julga as coisas e as situações, configurando bagagem pessoal, intransferível. Com isso, ao se acompanhar as discussões nos grupos, evidencia-se o despreparo dos membros para um trabalho conjunto, distribuído e compartilhado. Ainda que o grupo tenha um foco comum, não é difícil perceber disputas de poder, doses de vaidade e, naturalmente, disputas de pontos de vista, já que é legítimo que cada um considere melhor o seu próprio. Em particular, as disputas de poder, ainda que bem-intencionadas e visando a conferir ordem à ação do grupo, em certa medida, significam tentativas de estabelecer, no âmbito da rede, a hierarquia do modelo tradicional, virtualmente em razão do hábito e da experiência que todos possuem com trabalhos hierarquicamente

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organizados. Isso significa tentar trazer para o ambiente de rede a ordem do ambiente hierárquico, sem perceber que, com isso, também estar-se-á trazendo a submissão, comprometendo, assim, as características mais promissoras da rede, que são a adesão voluntária e o grande poder sinérgico resultante da soma de vontades conscientes.
Nesse sentido, pensamos que um método formal de pensar, ao ser compartilhado por todos os membros do grupo, poderia prover uma sintonia básica e um método comum de abordar, avaliar e solucionar os problemas, evitando a dispersão de esforços hoje recorrente. Tendo em vista esse método prático ser resultante de uma teoria do conhecimento cuja aderência à realidade tenha sido convincentemente demonstrada, ele deverá contar com elevada credibilidade e demonstrar a sua excelência na qualidade dos trabalhos e projetos produzidos com a sua aplicação. Deverá, portanto, ser convincente como ferramenta de trabalho. Apesar disso, não deverá, ao menos nas primeiras gerações, eclipsar a experiência pessoal de vida de cada um, que continuará sendo o referencial básico das pessoas no seu cotidiano. O método comum de pensar, virtual e primeiramente, será usado em trabalhos coletivos, e, apenas com o passar do tempo e na medida em que cada um se convencer da superioridade analítica e de projeto resultante do seu uso, é que esse método poderá desempenhar papel de crescente importância na vida privada de cada um, certamente com promissoras possibilidades de crescimento pessoal.
As potencialidades de uma teoria do conhecimento que atenda às exigências de rigor da ciência e estabeleça um alicerce seguro para a produção do conhecimento estendem-se a todos os âmbitos da cultura humana. Chega a ser surpreendente que uma espécie, capaz, tecnicamente, de levar membros até o espaço sideral próximo e resgatá-los em segurança, mediante estudo e domínio da natureza, não disponha, ainda, de uma teoria realmente esclarecedora da relação que existe entre os produtos da mente e a organização constitutiva da natureza e dos objetos. Intitulamo-nos homo sapiens, porque, além de saber, damo-nos conta disso. Realizamos esse saber na forma de um conhecimento que se pretende correspondente à realidade e até comprovamos essa correspondência em intervenções bem-sucedidas na natureza e, no entanto, ainda não dispomos de uma tese convincente explicativa do elemento essencial que ampara e possibilita essa correspondência. Ainda não sabemos como essa correspondência efetivamente se dá ou no que se baseia.
Sabemos que o conhecimento constitui interpretação do mundo e dos fenômenos existentes, no âmbito de uma cultura, sob auspícios de uma linguagem. Sabemos que essa interpretação se dá sob orientação geral de uma visão de mundo, em boa parte, pressuposta. Sabemos que dispomos de uma mente limitada por condições estruturais, da mesma forma que o restante da natureza se revela limitada. Percebemos que o pensamento se manifesta em uma consciência de natureza distinta da materialidade circundante. Sabemos que o pensamento obedece a leis que designamos de lógicas, mas o que vem a ser lógica? Devemos falar em lógica, no singular, ou em lógicas, no plural? Agimos no mundo, valendo-nos do conhecimento e da nossa interpretação do contexto, sem o domínio formal desse processo e sem garantia, melhor do que a intuição, sobre a qualidade de nossas interpretações. Distribuímo-nos em tribos dispersas pelo planeta e, periodicamente, elegemos certas pessoas para exercer o comando, sem qualquer critério técnico de aferição do grau de sabedoria e de maturidade dos candidatos e sem qualquer conhecimento das idiossincrasias que acumularam nas suas experiências pessoais de vida. Em última instância, apostamos na sorte. Apesar disso, esperamos que os eleitos consigam

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fazer a civilização avançar e gerar dias melhores. Parece pouco, principalmente para uma espécie que se considera inteligente. O resultado não poderia ser outro além da impressão de que a história da humanidade esteja entregue ao acaso fortuito das conjunções, à ousadia de arrojados aventureiros ou, então, ao variável humor de virtuais deuses.
Parece estar na hora de não apenas saber que sabemos, mas também de saber por que e em que medida sabemos. Por isso, estamos aqui.

INTRODUÇÃO

Entendemos por conhecimento um saber útil que possibilita um agir adequado, na medida em que corresponde à realidade. Não deve ser confundido com informação, a qual é um saber transmitido intencionalmente, por um meio de comunicação, com o propósito de orientar ou de influenciar comportamentos humanos. Na prática, o conhecimento manifesta-se, na mente humana, como um saber agir de modo adequado nas diferentes circunstâncias e, nas atitudes humanas, como uma ação adequada. A utilidade do conhecimento implica a compreensão correta do mundo, de sorte a possibilitar ao homem um agir adequado, com o intuito geral de aperfeiçoar a sua experiência de vida e o seu desfrute do percurso existencial.
Em face dessa compreensão, entendemos que o propósito de uma teoria do conhecimento deve ser esclarecer e especificar o processo mental de produção/geração de conhecimento, visando a instrumentalizar o ser humano com recursos cognitivos que o habilitem ao uso metódico e competente da razão e do discernimento. Quem domina conscientemente os seus recursos mentais de percepção e é capaz de pensar organizada e metodicamente consegue também ler e entender corretamente o mundo e as circunstâncias, sendo, por isso, reconhecido como inteligente ou sábio. Portanto, quando um professor orienta seus alunos para o estudo de teoria do conhecimento, pretende que eles se tornem mentalmente competentes e independentes, isto é, que evoluam no sentido da sabedoria, o que não se confunde com tornarem-se eruditos, que são pessoas que leram muito e, por esse motivo, sabem muitas coisas. Não se trata de erudição, mas de sabedoria. Não de saber extensivo, mas de saber intensivo.
Diante dessas pretensões e do seu compromisso estrutural com a verdade dos fatos que compõe a natureza que nos envolve e da qual fazemos parte, impõe-se estabelecer um ponto arquimédico seguro e consistente, capaz de resistir ao espírito crítico da ciência e, ao mesmo tempo, suportar o edifício conceitual que se pretende edificar. Na busca por esse ponto seguro, constatamos que não precisamos inventar nada de novo e podemos partir de uma das intuições cartesianas que alicerçam a perspectiva científica moderna: o cogito ergo sum. Com isso, estaremos partindo de um dos artífices do padrão civilizatório moderno, que contribuiu não só com a filosofia moderna, mas também com a demarcação do campo da ciência e do seu processo, mediante a definição tridimensional do espaço e a incorporação metódica da dúvida.
As leituras modernas do cogito privilegiaram o sentido subjetivo e resultaram no estabelecimento da precedência da consciência, gerando, em consequência, os idealismos que predominaram na modernidade e, no extremo, ensejando perspectivas que desconsideram olimpicamente o mundo extraconsciência. Entretanto, o “penso logo existo” admite outras interpretações e contempla outras preciosidades que foram historicamente, em boa parte, negligenciadas. Em primeiro lugar, precisamos considerar que a sentença possui três palavras que possuem valor e significados próprios que se complementam na geração

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do significado geral intencionado. O termo “penso”, como meditação, possui a propriedade de produzir conhecimento imediato irrecusável: a presença de uma consciência ativa e de um ser-intelecto em ação meditativa. A consciência ilumina-se com o conhecimento simultâneo da operação e do operador, em razão de um movimento recursivo de autoconsciência: ser e consciência percebem-se a si mesmos.
No outro extremo, o termo “existo” remete à condição existencial geral que faz deste universo um caso particular de universo realizado em ato. Não um universo potencial ou teórico meramente imaginado, mas um universo determinado, no qual todos os fenômenos que o integram ou que nele se manifestam possuem a mesma propriedade de existir em ato. Ser e consciência, ao perceberem-se a si mesmos, no ato reflexivo “penso”, reconhecem-se como existentes e integrantes desse universo particular, manifestamente existente em ato. Por isso, a conclusão “logo existo” diz respeito a uma determinada existência em ato, na qual ser e consciência percebem-se partícipes. Sabemos desse universo o suficiente para entender que se trata de um universo de compleição limitada, uma vez que são limitados todos os fenômenos nele manifestos. Sabemos, igualmente, que, quando falamos de existência, estamo-nos referindo a um atributo universal, relativo a um universo determinado – este – que, em certa ocasião, veio à existência. Sabemos, igualmente, que consciência e ser pertencem a uma noosfera que surgiu também em certa ocasião, em um planeta particular, que, antes disso, teve de desenvolver uma atmosfera, depois uma biosfera e, somente então, a noosfera, a qual tornou possível a citada reflexão. É verdade que a percepção da existência do universo apenas tornou-se possível com o advento da noosfera e o despertar da consciência, que, nesse sentido, representa o ponto de partida a partir do qual se pode falar em conhecimento e em sujeito que conhece. Mas é também inescapável que existir remete ao ponto inaugural do próprio universo, constituindo, assim, o ponto de partida a partir do qual se pode falar nesse universo particular, que, enfim, é o objeto que se quer conhecer e do qual a citada noosfera faz parte. Portanto, a reflexão “penso logo existo”, além de revelar o ser, a consciência e a existência, na condição de conhecimentos imediatos, indica também os dois pontos originários relevantes nos quais se deve estabelecer fundamentação última para uma teoria do conhecimento, tendo em conta, evidentemente, que a existência antecede, histórica e ontologicamente, a consciência.
Por complemento, cabe destacar que o termo intermediário “logo”, que conecta pensar a existir, inscreve a lógica tanto na sentença como na reflexão, indicando que é em razão da sua presença que o pertencimento objetivo do ser à existência do universo realizado pode ser expresso como consequência racional, no âmbito da noosfera. Isto é, torna racional e consequente a sentença “penso logo existo”. Portanto, dado que a reflexão em questão produz conhecimentos imediatos e, consequentemente, verdadeiros, o termo intermediário “logo” inscreve a lógica como lei do pensamento capaz de revelar ou expressar verdades, ainda que, virtualmente, não seja suficiente para garanti-la em todos os casos.
A partir dessas considerações, parece legítimo concluir que, caso almejemos uma base segura para o conhecimento, devemos enfrentar primeiramente a questão da existência que inaugura e caracteriza o nosso universo local. Sem o esclarecimento preciso do que se tem em mente, ao afirmar a existência, nossos discursos sobre o existente estarão assentados sobre pressupostos indefinidos, configurando situação inaceitável em ciência. Aqui, o calcanhar de Aquiles da ciência moderna, que considera supérflua a preocupação grega clássica com a existência e, assim, ignorando e desconsiderando o ser da natureza, limita-se a contemplar as suas

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funcionalidades. No mesmo equívoco, incidem, de um modo geral, os esforços pregressos, visando a uma teoria do conhecimento, em grande parte capturados pela perspectiva científica moderna cuja demarcação repugna, liminarmente, soluções metafísicas, ainda que, em última instância, pretenda compreender a essência constitutiva do existente. Em face dessas considerações, vamos primeiramente demarcar o território no qual se torna possível, no nosso entender, configurar uma tese coerente sobre o conhecimento, que possua potencial para ser elevada ao status de teoria, e, somente após esclarecer precisamente sobre o que estamos falando, é que nos dedicaremos a desenvolver a concepção. Entendemos por teoria uma concepção que, orientando os trabalhos, permita abordar e virtualmente resolver, de modo satisfatório, uma questão científica ou um âmbito de questões científicas. No caso do conhecimento, essa teoria deve especificar os procedimentos e os cuidados que possibilitem a produção de conhecimentos confiáveis.

DEMARCAÇÃO DO TERRITÓRIO CONCEITUAL – A CONCEPÇÃO FILOSÓFICA ADOTADA

Felizmente e talvez, para muitos, curiosamente, já existe uma ciência que tem por objeto a existência. A Metafísica dos gregos clássicos foi definida por Aristóteles como “ciência do ser enquanto ser”. Em português, a palavra ser possui dois significados: ser e existir. Já no grego clássico, ambos os sentidos eram indicados pela mesma expressão “einai”. Com isso, a definição apenas ganha sentido no caso de, com o termo ser, conjugar os dois sentidos. Caso, na frase, o sentido fosse o mesmo, estaria afirmando que A = A, isto é, fazendo não uma definição, mas indicando um princípio lógico – de identidade. Portanto, entendemos que Aristóteles, com essa definição, qualifica a Metafísica como ciência da existência enquanto ser ou do ser enquanto existente, mas, de qualquer forma, indica, seguramente, que ela trata da existência e do ser.
Concordando plenamente com Aristóteles, pensamos que a Metafísica deve restringir-se ao esclarecimento da existência e à explicitação do advento do ser, sem estender-se para além disso. Para afastar questionamentos indevidos, pensamos que também devemos considerá-la uma ciência exclusivamente noética, dado que apenas trata de objetos puramente potenciais. O universo objetivo que nos abriga, conforme já foi mencionado, configura uma existência em ato, devidamente detectada em um ato reflexivo de consciência. Mediatamente, pela experiência, percebeu-se também que essa existência em ato apresenta, invariavelmente, a característica de ser uma existência limitada, dado que todos os fenômenos manifestos ou percebidos nesse universo apresentam começo e são, portanto, limitados. Com isso, impõe-se admitir que esse universo, embora represente, certamente, um caso particular de existência, em si mesmo, não implica nem garante que seja o único caso possível. Em consequência, temos de admitir também que a focalização da existência como objeto do conhecimento remete-nos a um âmbito de considerações que se situa, em termos ontológicos, antes do advento desse universo particular. É verdade ser esse universo que nos fornece o primeiro conceito sobre a existência, indicando tratar-se de existência de natureza limitada, dado que teve começo. Mas, sendo e tratando-se de um caso particular de existência em ato, indica também que, como potência, a existência antecede-lhe e deve ser procurada para além dele.
Ora, se estamos de acordo que esse universo veio à existência em alguma ocasião, resulta inelutável admitir que, nessa ocasião, já existia a possibilidade de que isso viesse a acontecer e de que esse fato implica a existência de uma natureza

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distinta daquela limitada, a qual constatamos em nosso universo, uma vez que negá-lo, levar-nos-ia a uma absurda existência da inexistência e forçar-nos-ia a admitir que um nada absoluto seja capaz de originar alguma coisa, algo inadmissível pela nossa racionalidade. Observe-se que não se está falando de causa e efeito, mas de potência e ato.
A filosofia ocidental, como atitude racional, de certa maneira, nasce com a advertência de Parmênides a respeito desse erro do senso comum de entender que a existência configure um surgir a partir do nada. No famoso poema, Parmênides exorta os homens a não perderem tempo com o não ser – que deve ser entendido como não existir –, porque ele constitui um absurdo impensável que não deve ser tema de homens sensatos. Essa percepção foi predominante e compartilhada em todo o período da Grécia Clássica, com inúmeros registros formais. Além de Parmênides (530-460 a.C.), vale a pena mencionar Pitágoras (570-496 a.C.), Platão (428-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) como pensadores que deixaram contribuições relevantes para os propósitos deste texto.
Tendo caracterizado a existência do nosso universo como sendo de natureza limitada, dado ter surgido em certa ocasião, a possibilidade de o universo surgir que se detecta nessa ocasião, por não admitir uma origem no nada, constitui potencialidade originária, isto é, eterna, que sempre existiu, caracterizando, assim, uma existência ilimitada. Com isso, resulta que a existência manifesta duas naturezas complementares – uma limitada e a outra ilimitada – e que, para além da existência, não há nada que possa interessar a homens sensatos. Essa conclusão, já a encontramos em Pitágoras, que afirmava que os princípios primeiros eram dois – o ilimitado e o limitante. Observe-se que Pitágoras fala em limitante e não em limitado. Não se refere, pois, ao mundo criado, mas à norma reguladora da criação, ou seja, à natureza que molda e determina o mundo criado, agindo como norma limitante. Com isso, podemos deduzir que, já para Pitágoras, o limitado tem origem no ilimitado.
Platão vai ser ainda mais explícito e claro ao considerar essa questão. Indicando que compartilhava da visão pitagórica de que todo o existente poderia ser traduzido, se não, reduzido, a número, sendo as matemáticas a linguagem utilizada pelos deuses para criar o mundo, Platão designou o ilimitado de Pitágoras por Uno, referindo-se ao caráter indivisível ou de indivisibilidade que responde pela alma da unidade e dos números, sem ser número, isto é, sem ser quantidade. Com isso, na ordem dos números naturais, que no mundo grego correspondia à ordem de realização do mundo criado, o Uno antecedia ao número um, que inaugura a série quantitativa, não fazendo parte do mundo criado. Nessa visão matemática do mundo, Platão assimila o número um ao ser e define-o como elemento inaugural da série existencial do mundo. Vale observar que, no mundo grego clássico, inexistia o número zero que, hoje, antecede a unidade na série dos números naturais, e isso implicava conferir posição transcendental ao Uno antecedente do número um: ele fazia parte ou constituía o ilimitado.
No diálogo Parmênides, Platão esclarece ainda que, para ser completamente ilimitado, o Uno não pode ter nem limitação externa nem limitação interna. Limitação externa já foi descartada pelas considerações de Parmênides, e limitação interna, para ser descartada, implica compreender o Uno com algumas características singulares, as quais não devem ser entendidas como atributos do Uno, que se situa fora da capacidade predicativa dos humanos, mas como referências limitadas possíveis, para viabilizar que mentes limitadas se refiram a um ilimitado indizível. Imaginemos, como ponto de partida didático, o limite de uma circunferência, representado pelo seu perímetro. Dado que existe uma constante relacionando o

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perímetro com o diâmetro da circunferência, resulta claro que a diminuição do diâmetro implica diminuição correspondente do perímetro, de sorte que, no extremo, quando o diâmetro é zerado, a amplitude, o perímetro e, portanto, os limites também desaparecem. Dessa forma, percebe-se que o Uno, como ilimitado, escapa às nossas determinações, mas, sendo também desprovido de amplitude, resulta igualmente desprovido de dimensão e, nessa condição, encaixa-se com precisão em nossos esquemas geométricos, podendo ser indicado como instância adimensional.
Com a constatação dessa falta absoluta de limites e da absoluta indeterminação que o caracteriza, o Uno revela-se aos nossos olhos também como absoluto, facultando que o nosso mundo realizado seja caracterizado como mundo relativo. Nesse sentido, a instância adimensional revela-se sob medida, posto ser a única instância geométrica capaz de abrigar ou recepcionar atributos absolutos, e, em razão disso, o critério geométrico dimensional revela-se adequado ao contemplar todo o âmbito da existência, com precisa separação dos dois âmbitos que se complementam: o ilimitado e o limitado, o absoluto e o relativo. Adicionalmente, a caracterização da existência de natureza absoluta como adimensional permite atribuir-lhe total imobilidade e, consequentemente, também absoluta incapacidade de ação, confirmando a percepção aristotélica de tratar-se de pura potência.
Na justaposição dessa existência relativa – que, por ser relativa, requer uma existência absoluta – com a existência absoluta – que, por ser potência absoluta, requer uma existência relativa –, Platão posiciona o ser na condição de energia emergente unitária, dotada de potencialidade de edificar o universo. Não parece difícil aceitar a presença de um ser em cada um dos fenômenos manifestos no mundo e, menos ainda, parece possível recusar a presença do nosso próprio ser, na reflexão de autoconsciência. Tendo Platão destacado também o ser universal, o qual designou demiurgo, parece que o conceito se estende a tudo que integra o universo realizado e permite que a hipótese platônica do ser seja aceita, ao menos como ponto de partida – cada coisa no mundo possui um ser.
Com respeito à emergência do ser, no âmbito da existência relativa2, a questão pode ser considerada em termos lógicos, geométricos e matemáticos. No sentido matemático quantitativo, como já vimos, o Uno representa o caráter unitário e indivisível da mais extrema simplicidade, que não é número, mas lhe fornece o espírito. Já o ser representa a unidade quantitativa, também indivisível, que está na base dos sistemas numéricos e do qual se desdobra a multiplicidade. Em sentido geométrico, o Uno corresponde ao ponto, formalmente definido como um lugar no espaço desprovido de dimensão. Com o deslocamento de um ponto em um sentido qualquer, obtém-se a representação da reta ideal, que caracteriza um âmbito dotado de amplitude unidimensional. Essa reta, não possuindo espessura, possui apenas o sentido de deslocamento do ponto, confirmando o caráter quantitativo unitário da instância. Com isso, o ser que emerge na instância unidimensional resulta ser um ser unitário e indivisível.
Em termos lógicos, a emersão objetiva do ser revela-se como movimento dotado de características privativas, em razão da amplitude unitária evidenciada pela figura da reta e do caráter estático da natureza absoluta que lhe dá origem. Como a própria figura da reta evidencia, em um âmbito unidimensional, somente cabe um único padrão de movimento, que se define em três momentos. Em um primeiro momento, o movimento surge; no segundo, estende-se por algum tempo, no sentido da reta, e, depois, no terceiro, cessa. Esse padrão de movimento – de surgir, persistir

2 A emergência de energia a partir de um “vácuo cósmico” se constata em laboratório, com a passagem do elétron de uma órbita para outra, o que exige intercâmbio de energia com esse vácuo cósmico.

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e, depois, cessar – constitui o único padrão de movimento que a amplitude local admite. Pode-se pensar virtualmente em variação de velocidade e de tempo de permanência, mas não em variação do padrão de movimento.
Em nosso universo realizado, constata-se que esse padrão de movimento está presente tanto na noosfera quanto no chamado mundo objetivo. No mundo objetivo, esse movimento tipifica e revela a presença de um ser, como manifestação existencial em ato, isto é, não como ser meramente potencial, mas como ser de um ente recepcionado no bojo universal, na condição de existência em ato. Esse movimento é, naturalmente, um movimento existencial que configura uma existência que tem um começo, estende-se por um tempo qualquer e, depois, deixa de existir, como acontece com todos os fenômenos que se conhece e que se acredita não comportar exceções em todo o nosso universo. No âmbito da noosfera, esse padrão de movimento tipifica uma lógica, designada de Lógica Transcendental, que regula e patrocina um padrão determinado de pensamento. Uma inferência típica desse padrão de pensamento é o ato mental de perceber uma presença. De repente, em razão de impressões recolhidas pelos nossos sentidos orgânicos de percepção, percebemos uma presença, e a nossa consciência ilumina-se com a percepção, tornamo-nos conscientes dela. Depois, ou porque a presença se afastou ou porque nossa atenção foi capturada ou desviada para outra coisa ou por outro pensamento, aquela percepção apaga-se e deixa de estar presente na consciência. Observe-se que o movimento foi o mesmo, a percepção surgiu, permaneceu por algum tempo iluminando a consciência, e, depois, desapareceu.
Esse padrão lógico transcendental encontra-se formalizado (SAMPAIO, 2001; RODRIGUES, 2016), contemplando as seguintes características: a percepção que surge é sempre unitária, dado ser sempre relativa a um ser, também unitário; ela emerge como movimento, sem que o ser percebido participe ou acione o movimento inferencial que é privativo da consciência que percebe, isto é, sem a necessidade de uma causa; a percepção é sempre um ato inferencial unitário no qual o objeto percebido é captado em sua totalidade, de uma única vez. Em razão dessas características, a emersão do ser objetivo na primeira dimensão da existência relativa ocorre por transcendência, envolve um movimento transcendental, que dispensa o Uno ou a natureza absoluta, de qualquer ação, bem como dispensa a presença de uma causa. Nessas condições, a transcendência do ser dá-se em virtude de condições próprias que são estruturais da natureza absoluta e da natureza relativa da existência. A natureza da existência é tal, que gera ser, sempre que requerido, por pura propensão estrutural.
O ser emergente, segundo a representação da reta indica, ocupa toda a amplitude disponível na primeira dimensão, constituindo o único conteúdo que cabe em uma amplitude tão exígua. Esse ser, como o exemplo da reta também mostra, emerge ostentando a mesma amplitude adimensional do Uno, posta em movimento, e, como tal, parece herdar boa parte ou grande parte da sua natureza, com exceção da condição estática, posto que, como ser, é movimento, e a natureza relativa comporta apenas movimento. Observando esse movimento inaugural constituindo a reta, podemos concluir que tanto o ser como o seu movimento determinam a amplitude da instância bem como entender que a amplitude da instância determina a presença possível. O ajuste entre ambos é preciso. Pitágoras, quando designa a natureza relativa de limitante, sugere que o ser emerge preservando a natureza absoluta, mas a primeira dimensão lhe impõe como primeiro limite a perda da absoluta indeterminação. O ser emergente constitui um ser determinado, destinado a gerar um ente também determinado, embora, na primeira dimensão, constitua ainda mera potência e ainda não tenha assento na existência relativa, na condição de existência

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em ato. Isso porque a natureza relativa não concede existência em ato a um ser ou a uma manifestação de amplitude unidimensional. Como ainda veremos, a natureza limitada apenas recepciona ou admite totalidades.
O ser emerso na primeira dimensão constitui, portanto, um ser de pura potência, embora seja um ser determinado, em movimento existencial, e preserve a natureza absoluta nos aspectos ainda não limitados pela natureza relativa. Em particular, revela-se detentor de um movimento existencial irrevogável, dado que a movimento existencial a natureza relativa não pode opor resistência, uma vez que ser movimento faz parte da sua própria essência. O movimento existencial revela-se, então, como movimento absoluto, o qual não pode ser contido, muito menos nos limites estreitos da primeira dimensão, e, dessa forma, justifica o desdobramento de dimensões adicionais até estabelecer a existência em ato, isto é, até gerar entes complexos enfeixados em totalidades, aptos, assim, a ter assento estável no âmbito da existência relativa. Com isso, esse ser revela-se munido de impulso inesgotável para a complexidade organizativa, dado que o desdobramento reiterado de dimensões amplia o âmbito disponível para a manifestação de conteúdos cada vez mais complexos, e complexidade implica crescente organização.
Neste ponto das considerações, convém fazermos uma pausa e estabelecer um marco. A partir do cogito, tratamos da existência e descobrimos que ela possui duas naturezas complementares: uma natureza ilimitada e absoluta e uma natureza relativa e limitada. Verificamos também ser inútil ultrapassar o âmbito da existência, porque se avança sobre um absurdo excludente da racionalidade que não oferece interesse para homens sensatos. Percebemos também, em decorrência, que todo surgir na existência deve ser entendido como transcendência entre diferentes planos de existência e não como um surgir a partir do nada. Finalmente, tentou-se justificar o advento do ser no âmbito da existência relativa, como evento natural decorrente da diferença de natureza que permeia absoluto e relativo ou ilimitado e limitante. Com esse percurso, não se logrou atingir a existência relativa em ato, mas apenas justificar a emergência do ser no âmbito unidimensional da existência relativa, na condição de pura potência, munida de um impulso existencial inesgotável para a complexidade. Nesse ponto, consideramos que se esgota o âmbito de considerações da Metafísica, como ciência noética, que se restringe a considerar o que é meramente possível e potencial, segundo a lógica e a razão.
Seguir adiante requer outro tipo de ciência, dado que se trata de explicar como um ser de pura potência edifica um ente, isto é, uma existência determinada manifesta em ato existencial. Essa ciência, ao estar comprometida com existências determinadas, constitui uma ciência eidética e seu nome adequado é Ontologia, uma vez que lhe cabe por objeto o alicerce ontológico da existência real e a explicação de como esse estágio existencial resulta alcançado ou edificado.
O capital inicial da Ontologia é um ser de pura potência, energizado com um impulso existencial irrevogável e uma natureza limitante que se antepõe à livre manifestação do ser, oferecendo resistência e limitações específicas à medida que disponibiliza amplitudes existenciais crescentes para a manifestação do ser. O impulso existencial do ser força a abertura de amplitude crescente para sua manifestação, e a natureza limitante concede amplitudes adicionais, mas, a cada instância, impõe uma limitação adicional correspondente. Esse processo estende-se da unidade indivisível do ser, manifesta na instância unidimensional da existência relativa, até o alcance e a geração de uma nova unidade, já não mais simples e indivisível, mas composta de partes, em uma instância de totalidade da existência relativa. Essa instância de totalidade configura a unidade existencial de toda a existência em ato que, replicando-se ao infinito, produz um universo real. A unidade

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existencial de qualquer universo é, portanto, representada por uma totalidade unitária complexa, composta de partes.
Como já foi visto no âmbito de estudo da Metafísica, apenas o critério geométrico dimensional disponibiliza amplitudes justamente adequadas para recepcionar o Uno e o ser e, como se verá adiante, para distinguir as diferentes limitações que a natureza relativa impõe à manifestação do ser bem como para distinguir os diferentes conteúdos que o ser viabiliza à medida que ocupa cada nova amplitude disponibilizada no processo de busca e de reconstituição da unidade em compleição de totalidade3. Dessa forma, quando se reduz a existência em ato a apenas uma instância, tal como faz o conceito de localidade espacial de Descartes ou o conceito de instância espaço-temporal de Einstein, procede-se a uma simplificação que mistura coisas distintas e, escondendo algumas, turvam o entendimento. Segundo a lição de Einstein, porém, a ciência exige, além dos três números indicadores das coordenadas do espaço, um quarto número correspondente ao tempo e considera que isso comporta toda a realidade. Na perspectiva dimensional, isso indica ser necessário que o ser desdobre quatro dimensões para contemplar o mundo de Einstein, mas precisa acrescentar uma instância de totalidade para atingir a forma existencial admitida em universos reais existentes em ato, tal como acontece no nosso, onde não se constata a presença independente de algo que corresponda ao conceito analítico de parte. Olhando detidamente a nossa realidade, constata-se que as totalidades mais complexas existentes são constituídas não de partes, mas de outras totalidades mais simples, inteligentemente associadas, que apenas como integrantes de uma totalidade mais ampla podem ser, analiticamente, consideradas partes.
Dessa forma, pode-se concluir que a adoção do critério geométrico dimensional, recomendado pela Metafísica, permite organizar o campo de atuação da Ontologia e indicar o percurso e os diferentes aspectos que precisam ser contemplados e esclarecidos para justificar a tese de que a unidade de realidade em ato, constatada em nosso universo, resulta da ação criativa de um ser de pura potência, em face de limitações impostas pela própria natureza da existência relativa. Esse percurso pode ser sintetizado da seguinte forma.

Figura 1 de TCFigura 1 – Organização dimensional do âmbito da Ontologia.

A organização da Ontologia não apenas demarca o âmbito da disciplina, mas também destaca os cinco aspectos conceituais que precisam ser considerados e estudados, para que se logre entender como um ser de pura potência logra instituir uma existência em ato no seio do mundo. Já vimos que, do ponto de vista normativo, em cada uma dessas cinco instâncias, a natureza da existência, ao mesmo tempo em que disponibiliza crescente âmbito para a manifestação do ser, impõe-lhe também cinco limitações que moldam e delimitam essa manifestação. Do ponto de vista objetivo, até agora, já vimos que, nesse esquema, o ser determinado, de pura potência, constitui o conteúdo da primeira dimensão e que a instância de totalidade contempla um ente ou fenômenos existentes em ato, em clara indicação de que se trata de uma estrutura gerativa, na qual a criação final é obtida pela acumulação

3 A invocação da forma da esfera pode ajudar a mentalização dessa unidade complexa e distingui-la da unidade indivisível representada pelo ponto.

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reiterada de conteúdo. Tal como a amplitude expande-se pelo reiterado desdobramento de dimensões.
Ora, ainda que estejamos devendo explicações sobre os conteúdos que se acumulam em cada instância dimensional bem como sobre as restrições impostas, assuntos do quais trataremos adiante – embora, evidentemente, em cada instância apenas caibam conteúdos de amplitude correspondente –, tratando-se de uma estrutura criativa, que pretende explicar o advento da existência em ato, em qualquer universo criado, essa estrutura gerativa posiciona-se na condição de universalidade plena e, em linguagem moderna, assume o foro de algoritmo da criação: fórmula segunda a qual universos relativos podem ser criados.
Algoritmo da criação constitui expressão típica da ciência moderna, na qual a Biologia e a Ciência da Computação advogam que toda a funcionalidade do mundo pode ser traduzida ou expressa por algoritmos (NOAH HARARI, 2016). A concepção, porém, não é nova. É, na verdade, muito antiga e dela se encontra registro em estelas do Egito Imperial. Aliás, foi o fascínio dos gregos com o poder explicativo dessa concepção que motivou pré-socráticos, pitagóricos e platônicos a produzirem o surto criativo de racionalidade filosófica, que qualificou o chamado milagre grego clássico, com as marcas da razão. Marcas que, até hoje, configuram e moldam o pensamento ocidental.
Quem mais extensa e detidamente discutiu essa concepção foi Platão, mas é, em Pitágoras, que a forma expressiva se aproxima tanto do modelo dimensional descrito na Figura 1, que elimina qualquer dúvida: trata-se da mesma concepção. Pitágoras, como já foi dito, defendia que os princípios primeiros eram dois: o ilimitado e o limitante. A par disso, Pitágoras também deixou contribuições geométricas e matemáticas importantes, sem que dos registros de Filolau e Arquitas, ou de seus comentadores, conste alguma vinculação explícita dessas contribuições com os princípios. Sabe-se que toda a matemática pitagórica tinha conotação divina e, nesse sentido, gravitava em torno dos princípios, mas tais questões eram tratadas esotericamente, sob compromisso de sigilo, de sorte que as conexões mais estreitas apenas se revelavam a iniciados que dominassem a concepção. Dentre esses legados, destaca-se a Década Sagrada, tida como um dos elementos centrais da doutrina pitagórica.
A Década Sagrada possuía uma notação na forma de uma equação algébrica elementar: [1 + 2 + 3 + 4 = 10]. Como se observa, essa equação corresponde exatamente ao formato que na Figura 1 indica a organização da Ontologia que explicita o percurso que o ser cumpre na edificação do ente. Em consequência, resta evidente que Pitágoras adotava a Década Sagrada para especificar o princípio limitante e explicar o processo criativo ontológico que alicerçava o universo. Platão será um entusiasta da mesma concepção, e toda a sua obra está centrada no exercício de uma dialética que concede acesso à realidade, transitando entre as coisas, tal qual elas se nos apresentam, e a unidade irredutível que lhe dá origem. O diálogo Filebo é todo dedicado a distinguir o uno do múltiplo, tendo em vista que o uno é múltiplo e que o múltiplo é uno. Está, evidentemente, referindo-se à unidade do ser e à unidade do todo, em clara indicação de que a sua referência era uma estrutura gerativa. O diálogo Parmênides é dedicado a discutir o problema da participação, que é próprio de uma estrutura cumulativa, na qual os antecedentes participam dos subsequentes, mas estes não participam daqueles. Faz isso sem esclarecer de que se trata de estrutura gerativa e ainda disfarça mais, tratando da participação do Uno nas singularidades (totalidades) e da participação do Uno no ser. Adota, em toda a sua obra, a estratégia de discutir as interpretações que a estrutura criativa propicia,

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sem esclarecer formalmente que se trata de uma estrutura criativa e sem esclarecer a sua composição. Segundo nossos estudos (RODRIGUES, 2016), esse ocultamento resultou, em boa parte, de uma estratégia didática que visava a forçar o aluno a pensar com autonomia e acreditava que apenas merecia acesso à verdade aquele que tivesse suficiente merecimento. Os casos aos quais se aplica a participação no Parmênides, os gêneros supremos no Sofista, os ordinais da Carta VII e as ciências necessárias a uma educação adequada na República são todos referências às instâncias dimensionais do algoritmo da criação (RODRIGUES, 2017). A alegoria da caverna e o esforço platônico para libertar os homens da prisão do mundo visível e conectar-se ao mundo inteligível são outros textos que contemplam uma Ontologia capaz de superar a materialidade, tal como todo este discurso está realizando. De um modo geral, toda a obra de Platão gira em torno da concepção de que o mundo constitui produto de uma estrutura gerativa acionada pelo ser. Toda a segunda parte da nossa obra de 2016 dedica-se a analisar os principais problemas interpretativos que a obra platônica suscita, catalogados pelos exegetas de todos os tempos, que, à luz do algoritmo da criação, são resolvidos de forma meridianamente clara. Com isso, deixaremos de nos estender, aqui, nessas considerações e nos contentaremos com a indicação de que virtualmente todos os grandes pensadores da Grécia Clássica foram adeptos da ideia segundo a qual uma estrutura gerativa era capaz de explicar a criação de um universo organizado, estando essa concepção na base do surto de inteligência que determina o apogeu daquela civilização, impulsionada pela pretensão de tornar tal concepção racional.
Estabelecida, ao menos, a igualdade estrutural entre a concepção dimensional do algoritmo da criação, conforme sintetizado na Figura 1, com a Década Sagrada de Pitágoras, em sua expressão algébrica [1 + 2 + 3 + 4 = 10], fica esclarecida a tradição filosófica dentro da qual se inscreve a teoria do conhecimento, em cuja proposição estamos aqui empenhados. Essa tradição identifica-se como Metafísica dos princípios e, agora, tendo sido esclarecido o sentido existencial do ser, pode ser determinada mais precisamente como Metafísica da existência e do ser, ressalvando que se trata de uma ciência noética. Com base na Metafísica, resulta possível uma Ontologia, de feição eidética, que disponibiliza um algoritmo da criação, segundo o qual supostamente se edificou o universo dentro do qual existimos na condição de espécie provida de consciência reflexiva e autoconsciente. Essa consciência e a noosfera que ela gera não constituem a única ocorrência desse universo. Ao contrário, essa consciência representa um fenômeno localizado, dentro de um universo incomensurável. Apesar disso, também essa consciência e a própria noosfera, como não poderia deixar de ser, são determinadas pelo algoritmo da criação, de sorte que, à jusante da Ontologia, que não é aplicável apenas a este universo, cumpre posicionar, no mínimo, duas disciplinas gerais: uma Cosmologia e uma Teoria do Conhecimento, ambas específicas deste universo. A Cosmologia, com o propósito geral de explicitar como foi que este universo particular se constituiu e funciona, de sorte a propiciar ao homem uma visão geral do mundo que habita. A Teoria do Conhecimento, com o propósito geral de esclarecer o processo de produção de conhecimentos, de sorte que o homem maximize o uso da razão e capitalize todos os recursos de discernimento que dispõe. Dado, adicionalmente, que esse propósito humano de domínio formal da capacidade de pensar e de conquista de uma interpretação correta do mundo visa a propiciar uma condução adequada na vida, resulta necessária uma terceira disciplina geral, indicativa das atitudes humanas correspondentes a um ser humano que tenha domínio sobre o seu ser e sobre o seu

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pensar. Com isso, entendemos que são três as disciplinas gerais voltadas para o universo realizado: Cosmologia (o ser), Teoria do Conhecimento (o pensar) e Ética (o agir). À jusante dessas três disciplinas, viriam as ciências especializadas e setoriais, como Física, Astronomia, Química, Biologia, entre outras, bem como as Ciências Sociais e Humanas. A Geometria, a Lógica e a Matemática, como ainda demonstraremos, constituem as ciências básicas da Ontologia e, nessa condição, são ciências eidéticas gerais e não ciências privativas deste universo.
Com esse percurso, pensamos estar em condições de concluir este capítulo, esclarecendo precisamente quais são o alicerce conceitual e a demarcação filosófica que adotamos, dentro da qual entendemos ser possível a proposição de uma teoria positiva do conhecimento que dispense dogmas e pressupostos não esclarecidos e não justificados.

DEMARCAÇÃO DA FILOSOFIA
Metafísica: (saber noético / noociência da existência e do ser)
1. Ontologia (saber eidético / Teoria do Relativo / Teoria dos Princípios / inteligência criativa           da natureza / algoritmo da criação)
– Geometria
– Lógica
– Matemática
1.1. Cosmologia – ciência do ente determinado / visão de mundo)
1.2. Teoria do Conhecimento (ciência do pensar correto)
1.3. Ética (ciência do agir adequado)
– Ciências regionais especializadas
2. Teologia (saber eidético / Teoria do absoluto e da relação humana com o absoluto)

No decorrer deste capítulo, justificamos suficientemente, espera-se, a linha de sucessão que, partindo da Metafísica chega na Teoria do Conhecimento e nas ciências regionais, com passagem e dependência exclusiva em uma Ontologia, de fundamentação Geométrica, Lógica e Matemática, sem necessidade de recorrer a qualquer pressuposto dogmático.
No esquema final de demarcação da Filosofia, incluímos, porém, a Teologia, na mesma posição hierárquica da Ontologia, o que significa atribuir-lhe natureza eidética, isto é, comprometendo-a com a existência efetiva. De um lado, essa inclusão visa a mostrar que são infundadas as recusas modernas da Metafísica e da harmonia liminar entre mundo objetivo e mundo subjetivo pautada em um princípio comum, sob a alegação que isso tornaria a ciência e a racionalidade dependentes da crença em Deus, posto que ele seria o índice comum. Caso tenhamos conseguido comunicar-nos, nestas considerações iniciais, já resulta demonstrado que a Metafísica se pauta em natureza absoluta e ilimitada, mas, em nenhum momento, afirma ou defende que se trata de um ser. Pelo contrário, afirma que se trata de natureza da mais absoluta indeterminação. Portanto, a inclusão de Deus e, em particular, a inclusão do Deus do Cristianismo, nos alicerces da Metafísica, constituiu iniciativa medieval efetivada à revelia do espírito grego clássico, que a modernidade deu curso porque retirava da pauta de discussões um tema que comprometia a demarcação científica de molde cartesiano adotada.

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Mas, essa inclusão visa, também, a fazer justiça à importância que a concepção de Deus sempre teve e continua tendo na vida dos homens. Ignorar o papel que Deus representa na vida das pessoas não é uma atitude científica, mas uma atitude preconceituosa. Pode ser que a necessidade de um pai, provedor e protetor, seja, em alguma medida, uma necessidade psicológica de um intelecto limitado e indefeso, em face da imensidão do universo, mas, ainda que assim seja, constitui fator relevante de equilíbrio pessoal, e, como tal, nenhum intelectual que tenha conseguido outro tipo de equilíbrio possui o direito de subtrair essa solução de quem precise. De mais a mais, a posição conferida à Teologia no esquema, como uma das duas derivações da Metafísica, indica que, ao contrário da Ontologia, que tem por compromisso alicerçar a existência em ato do ser relativo, a Teologia não precisa ter por objeto provar a existência da natureza absoluta, posto que isso já está implícito na Metafísica. Com isso, a Teologia possível somente pode ocupar-se em demonstrar que o absoluto existente seja um ser ou, virtualmente, venha a se converter em um e, complementarmente, ocupar-se da relação humana com o absoluto. Um absoluto em potência, posicionado em alfa, não impede que venha a existir em ato um ser absoluto em ômega. Dado que tanto o ser como a consciência situam-se fora do espaço e do tempo, como é que ficam os argumentos que desacreditam da existência de Deus? De qualquer forma, não pretendemos nem precisamos assumir posição relativa a essa questão neste texto. O relevante é a demonstração de que a fundamentação metafísica e ontológica comum do mundo objetivo e do mundo subjetivo independe de questões teológicas e pode muito bem ser demonstrada por meios lógicos e racionais.
Dessa forma, esperamos ter afastado os obstáculos que impediam à ciência aceitar a solução metafísica, que é a única perspectiva capaz de fornecer um índice comum para o objetivo e o subjetivo, viabilizando, virtualmente, uma justificativa para a presumida correspondência entre natureza e pensamento. Sem ela, todo o conhecimento, seja ou não científico, fica dependendo de um pressuposto não explicado, configurando situação incompatível com as pretensões de rigor que anima a ciência.

A ONTOLOGIA: O ALGORITMO DA CRIAÇÃO

Este é o espaço dedicado à Ontologia. Não a uma ontologia qualquer, mas àquela Ontologia qualificada na demarcação filosófica realizada. Uma Ontologia tornada possível pela precedência de uma Metafísica também específica, esclarecedora da existência e do advento de um ser indivisível, de pura potência, energizado com um impulso existencial irrevogável no sentido da complexidade. Ao nosso lado, na defesa dessa concepção, perfilam-se, praticamente todos os pré-socráticos, encabeçados por Parmênides e, ainda, Pitágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles e, virtualmente, todos os neoplatônicos, particularmente Plotino, Amônio Sacas, Jâmblico e Proclo. Entre os modernos, pelo menos, Hegel, embora também Espinosa e Schelling tenham vislumbrado um princípio comum para pensamento e pensado. Sem falar nos sacerdotes egípcios e em certa tradição esotérica, cuja

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origem se perde nos confins da história, de sorte que nos sentimos em boa companhia.
O percurso que vai da unitária simplicidade indivisível do ser até a unidade total e complexa do ente ganha especificação precisa e detalhada com o critério dimensional de organização provido pela Geometria. O critério dimensional de organização da realidade não apenas cobre precisamente todo o âmbito da existência como apresenta a vantagem de separar, com clareza e precisão, as diferentes instâncias, em razão de destacar cada uma delas com uma amplitude privativa. O critério dimensional também ajusta-se com precisão ao caso, ao implementar estrutura cumulativa para contemplar realidade que, objetivamente, também estrutura-se, segundo o que a ciência já nos revelou, do simples para o complexo. Finalmente, cabe observar que o critério dimensional já vem sendo usado atualmente pela ciência para determinar a amplitude tridimensional do espaço, mediante os valores de verdade – altura, largura e profundidade – de sorte que a adoção do critério não deve provocar estranheza. O estudo dos diálogos de Platão que fizemos não permite afirmar que o critério dimensional já fizesse parte da estrutura gerativa que ele tinha na cabeça, embora houvesse essa possibilidade, tendo em vista que, na República, Platão menciona, uma única vez, a segunda e a terceira dimensão da realidade e indica a quarta como sendo aquela dos sólidos em movimento.
Como se observou ao utilizar a figura da reta para descrever a instância de uma dimensão, na qual o ser emerge por transcendência, a limitação que lhe é imposta nessa instância, pela natureza da existência, produz o efeito objetivo de lhe amputar a absoluta indeterminação e torná-lo um ser determinado. O poder limitante, como também já vimos, expressou-se na forma de combinação articulada de forma, movimento e quantidade, que são objetos respectivos de três ciências conhecidas – a Geometria, a Lógica e a Matemática –, permitindo deduzir que forma, movimento e quantidade bem como as três ciências correspondentes constituam e indiquem a essência constitutiva da existência relativa e respondam pelo seu poder limitante e normativo.
Esse padrão de movimento que, no plano objetivo, configura o surgimento e a manifestação do ser tipifica, no plano subjetivo, o padrão operativo da Lógica Transcendental que possibilita à mente humana perceber a presença do ser. Adiante, estudaremos, com mais detalhes, o padrão de pensamento patrocinado pela Lógica Transcendental, mas parece evidente que, sendo o caso de a manifestação do ser dar-se com dado padrão de movimento, a percepção dessa manifestação exigirá movimento inferencial de mesmo padrão para que haja sintonia e a percepção se efetive. Essa correspondência entre padrão de movimento objetivo e padrão de movimento inferencial bem como a sua especificidade repetir-se-á nas cinco instâncias, repetindo o que se percebe mais claramente com os sentidos orgânicos de percepção, que são especializados na recepção de estímulos específicos, sendo impossível, por exemplo, ao ouvido detectar um sabor. Assim como os sentidos orgânicos são especializados e, por isso, capazes de sensibilizarem-se com certos estímulos e não com outros, também os distintos modos de pensar patrocinados pelas diferentes lógicas captam apenas os modos de ser correspondentes.
Quando o ser, em seu ímpeto de ser, desdobra a segunda dimensão, acontece o quê? As primeiras mudanças notórias são a forma expandir-se de reta ideal para plano ideal e a quantidade saltar de unitária para infinita, dado que o plano comporta infinitas retas. Quanto ao movimento, para visualizá-lo, costuma-se pensar no movimento de um leque abrindo-se em trezentos e sessenta graus, que parece ser a forma mais fácil de uma reta ideal converter-se em um plano ideal. As transformações são estonteantes. O ser unitário vê-se diante de uma diversidade que

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se estende ao infinito, e aquilo que se manifesta à direita, admite outro correspondente à esquerda, revelando uma das mais importantes características da segunda dimensão, que é a simetria, a qual condicionará todos os elementos próprios dessa instância. Que elementos são esses que compartilham da amplitude bidimensional?
Em Geometria, situa-se, na bidimensionalidade, por exemplo, toda a Geometria Euclidiana. Adotando-se o critério da máxima simetria, podemos constatar que as figuras geométricas também se desenvolvem no sentido de crescente complexidade organizativa. Senão, vejamos. Representando a reta ideal com um segmento de reta, verificamos que esse segmento de reta é definido por dois pontos. Acrescentando-se um terceiro ponto no local de maior simetria, surgirá o triângulo equilátero, que contempla a mesma amplitude do plano. Quando, nesse mesmo plano, procura-se o ponto de maior simetria para se posicionar um quarto ponto, surge a figura do quadrado. Quando, na sequência, procura-se a posição para um quinto ponto, no mesmo plano, surge a figura do pentagrama. O pentagrama, que demanda cinco pontos no plano, possui a curiosa propriedade de ser uma forma capaz de replicar-se ao infinito, uma vez que se unindo com retas os seus ângulos internos, obtém-se, no centro, um novo pentagrama e, assim, sucessivamente. A curiosidade reside no fato de o algoritmo da criação, embora não deter a simplicidade do plano, e, ao contrário, tratar-se de uma estrutura dimensional de grande complexidade organizativa, contemplar também cinco instâncias e também replicar-se ao infinito, evidenciando, aparentemente, que a complexidade não faz mais do que reproduzir a simplicidade em novos planos de complexidade existencial.
Ainda quanto a Geometria, não podemos esquecer que, depois do triângulo equilátero que define o plano, a busca por um ponto simétrico, além de encontrar o ponto que viabiliza o quadrado, também conta com um quarto ponto de igual simetria, localizado fora do plano, que daria origem ao primeiro dos poliedros regulares. De qualquer forma, o que esse exemplo da Geometria nos ensina é que a segunda dimensão, em face da multidão admitida, da simetria e das relações e tensões potencializadas, viabiliza modelos básicos de organização, tais como hierarquias, subordinações, semelhanças, diferenças, compatibilidades e tensões em diferentes graus, e, enfim, uma inteligência organizativa potencial capaz de instrumentalizar o ser determinado e definir os espaços de possibilidade dentro do qual ele poderá realizar o ente objetivado pela sua determinação. Um exemplo claro dessa inteligência organizativa potencial é o código genético já dominado pela ciência, que define as características determinantes dos organismos biológicos. Abstraindo o modo químico de registro do código genético no DNA, o código em si possui compleição de duas dimensões, conforme comprovam as decodificações já realizadas e transcritas. Também o exemplo do código serve para evidenciar que se trata de inteligência organizativa meramente potencial, aquela cabível na segunda dimensão, pois a efetiva realização das características genéticas codificadas dependerá também de condições circunstanciais inerentes à ontogênese do organismo em construção.
Não podemos esquecer, em complemento, que Geometria, Lógica e Matemática possuem, também, inteligência estrutural própria, inerente à natureza particular de cada uma dessas ciências, que parece sintonizada ou compatível com a mesma inteligência presente nas demais. A soma constante dos ângulos internos de qualquer triângulo constitui um exemplo claro dessa inteligência. O valor constante da soma dos ângulos internos de um triângulo corresponder à metade dos ângulos internos de uma circunferência, outro. Na mesma categoria, inscrevem-se o número áureo dos gregos e as diferentes constantes matemáticas. O fato de o algoritmo da criação em sua versão pitagórica (1 + 2 + 3 + 4 = 10) também representar matriz geradora do sistema decimal, a sequência de Fibonacci, o potencial replicante do

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pentagrama, entre outros, parecem constituir, por si só, um capital inicial de inteligência organizativa potencial, inerente à amplitude bidimensional da existência, com a qual o ser se instrumentaliza para gerar complexidade nas instâncias superiores da estrutura gerativa. Sendo essa estrutura também cumulativa, parece plausível indicar esse conteúdo objetivo da segunda dimensão, composto de ser e de inteligência organizativa potencial, por alma – uma alma inerente ao ente em construção. Assim, pode-se pensar o código genético como sendo a alma do organismo ou a parte da alma responsável pela formatação do organismo. Quer nos parecer que essa palavra “alma” ganha, dessa forma, um significado racional e útil, ao mesmo tempo compatível com uma tradição que cada vez mais conquista o nosso respeito e a nossa admiração.
Quanto ao movimento, resulta evidente que, tal como a amplitude na primeira dimensão determinou o padrão de movimento admitido na instância, a amplitude da segunda também determina um padrão de movimento típico. Como a figura do leque abrindo-se indica, o padrão de movimento típico da segunda dimensão é divergente, de sorte que, combinando-se com a simetria e as suas manifestações em diferentes graus, possibilita o estabelecimento de diferenças objetivas e, no plano subjetivo, a percepção lógica de diferenças. Com isso, cumpre anotar que esse padrão de movimento objetivo, típico do plano e da amplitude de duas dimensões, será replicado na consciência, na condição de Lógica da Diferença, e ensejar inferências bem diferenciadas das demais, tais como diferenciar, distinguir, hierarquizar, ordenar, classificar etc.
Quando o ser, no seu ímpeto de ser, desdobra a terceira dimensão, a amplitude disponibilizada para a ação do ser expande-se novamente, ganhando a amplitude exatamente adequada para comportar o espaço e tudo o que ocupa lugar no espaço, por compartilhar da mesma amplitude. Como já vimos, a ciência moderna já se utiliza do conceito de dimensão para indicar a amplitude do espaço e o faz adotando os valores de verdade, altura, largura e profundidade, considerados adequados nessa instância para indicar as três dimensões que lhe definem a amplitude total. Nesse aspecto, convém destacar que tais valores de verdade não se aplicam à caracterização das dimensões em outras instâncias do algoritmo da criação.
Na instância tridimensional, a amplitude infinita do plano é multiplicada por infinito, dado que a amplitude local comporta infinitos planos. As formas tridimensionais que se inauguram com o mais simples dos poliedros regulares, como posição simétrica alternativa fora do plano, ao se buscar o lugar simétrico do quarto ponto na complexificação das formas na geometria euclidiana, podem expandir-se para formas poliédricas regulares e irregulares, até a perfeição esférica de um poliedro de infinitas faces. Com a conquista da forma esférica, o modo das formas restabelece, no âmbito da complexidade, a unidade perdida alhures, quando o ponto da mais extrema simplicidade desdobra-se em reta. Daí, por que pareceu-nos adequado associar a instância de totalidade do algoritmo da criação à forma da superfície da esfera. Talvez, sejamos todos, em última instância, esféricos.
Na amplitude de três dimensões, o ser, valendo-se das alternativas organizativas colhidas na segunda dimensão, consegue implementar as organizações que, ocupando toda a amplitude disponível, designamos ordinariamente por matéria. Com isso, podemos entender que, segundo o indicado pelo algoritmo da criação, matéria, em última instância, resume-se em ser-energia convenientemente organizada, segundo inteligência organizativa potencial inerente à natureza da existência.

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Nos organismos vivos, essa materialidade manifesta-se como organismo dotado, essencialmente, de funcionalidades, de sensibilidades e de ontogenia, de sorte que resulta possível dizer que, na terceira dimensão, a alma constituída na segunda conquista compleição material orgânica. O mesmo fenômeno ocorre, porém, no caso de a compleição ser inorgânica. A materialidade, ao que tudo indica, contempla um padrão organizativo dotado de grande estabilidade organizativa, razão pela qual parece representar um tipo de âncora estabilizadora dos fenômenos na existência, ainda que o assento no seio da natureza relativa apenas seja conquistado quando a construção criativa do ente atinja a forma da totalidade.
Na espécie humana, em particular, constata-se que esse organismo material ocupa um lugar no espaço tal como os demais, mas, em lugar de dispor de um espaço privativo para si, coparticipa de um espaço universal comum aos demais fenômenos que compartilham a existência. Visto de outra forma, constata-se que, na sua terceira dimensão, o ente que é uma individualidade enfeixada em uma totalidade está com seu organismo interagindo com a materialidade geral do universo, em virtude de a terceira dimensão dos fenômenos ser intercomunicante e coparticipe de um mesmo espaço. As matérias participantes do espaço possuem âmbitos espaciais próprios, mas, em razão da densidade própria da condição material, não conseguem ocupar, simultaneamente, o mesmo lugar no espaço, condição que deve ser evitada sob pena de comprometimento da integridade física. Daí, a natureza ter munido o organismo humano com cinco sentidos de percepção destinados a gerir essa convivência e evitar as situações capazes de comprometer a sua integridade orgânica. Por essa razão, também, esses cinco sentidos são especializados e limitam-se a perceber e receber estímulos próprios da tridimensionalidade e revelam-se incapazes de perceber o que possui amplitudes distintas.
A amplitude tridimensional parece melhor representada pela figura do cubo. Para o fim de considerar o movimento típico da instância, valer-nos-emos, porém, da figura esférica, que também é tridimensional. O movimento típico da instância que deve abarcar toda a amplitude local disponível configura-se como movimento circular repetitivo, confinado ao interior da esfera. Como infere-se, esse movimento circular confinado constitui movimento privativo da amplitude local e manifesta-se como deslocamento de matéria no espaço. Esse padrão de movimento admite um caso particular, rigorosamente repetitivo e equilibrado, passível de controle – enquanto não advir interferência externa desestabilizadora. Esse caso particular de movimento, devidamente estabilizado, configura o que se chama de ciclo sistêmico, segundo a Teoria dos Sistemas, o qual permite a criação de cadeias sistêmicas controladas, possibilitando a criação das máquinas e justificando – com o conceito de causa e efeito, tido como um princípio da funcionalidade – praticamente toda a ciência e toda a tecnologia da matéria atualmente conhecida.
No âmbito da consciência, esse padrão de movimento configura a chamada Lógica Clássica, proposta e caracterizada por Aristóteles, como lógica do terceiro excluído, justamente para indicar que, no caso, estão excluídas interferências externas desestabilizadoras e, assim, preservar constante a relação entre causa e efeito, requisito fundamental do funcionamento sistêmico. Dado que a nossa ciência atual constitui ciência da matéria, essa instância e seus componentes resultam, em termos gerais, conhecidos de todos.
Rigorosamente, a contemplação do que é exclusivo e privativo da terceira dimensão requereria pensar tanto o funcionamento orgânico como o funcionamento das máquinas aqui apontados como movimentos meramente potenciais, dada a amplitude local, pois, de fato, apenas com o desdobramento da quarta dimensão,

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surge o tempo que resulta indispensável para possibilitar movimento, como também todos sabemos.
Com o desdobramento da quarta dimensão, abre-se uma amplitude temporal que também tende ao infinito, de sorte que a amplitude total assim disponibilizada corresponde a infinito elevado a terceira potência [∞3], possibilitando o movimento sistêmico da terceira dimensão, mas, implementando também o movimento temporal e histórico, na condição de movimento típico e privativo da quarta dimensão. Com o advento do tempo, por exemplo, os organismos biológicos viabilizados na terceira dimensão adquirem não apenas o tempo necessário para o seu funcionamento sistêmico, mas também o tempo que possibilita a sua ontogênese e, consequentemente, instala os ciclos de vida, comum em toda a Biosfera.
Parece útil repetir que, no desdobramento das instâncias dimensionais, está-se contemplando um percurso ontológico, no qual não existe precedência temporal, mas apenas precedência ontológica das instâncias mais simples, posto que se trata de estrutura criativa que se edifica, cumulativamente, do simples para o complexo e da menor para a maior amplitude. Mesmo com o desdobramento da quarta dimensão possibilitando o advento do tempo, constitui, portanto, mera instância ontológica, de vez que a existência em ato apenas realiza-se com o atingimento da totalidade, em razão do fato elementar de não haver parte isolada na natureza.
A inclusão do tempo na consideração da realidade, encetada por Einstein, atende à percepção de mundo possibilitada pela visão e pelos demais sentidos, que mostram uma realidade espaço-temporal dinâmica em movimentos espaciais e movimentos temporais, dos quais participamos no desenrolar e no desfrute da vida. É no tempo que acumulamos saber e experiência, desenvolvemos nosso organismo e certa capacidade de pensar e discernir e, enfim, amadurecemos como seres humanos e forjamos certa personalidade humana definida como fruto dessa vivência orgânica emersa no espaço e no tempo. O que aqui está-se evidenciando com a perspectiva dimensional é que esse âmbito espaço-temporal que presidiu a nossa formação e nos foi vendido como âmbito que continha o universo todo resulta ser apenas uma parte dele e coloca-nos um desafio nada trivial de mudança de perspectiva. Retornaremos a essa questão.
Dado que a quarta dimensão amplia a abertura e a relação do ser para com o universo, essa dimensão não pode constituir a instância de completude do ente, porque, nessa situação, não constitui uma unidade de existência que é a condição de recepção de entes e fenômenos, no âmbito da natureza relativa. Dado, porém, que o desdobramento de nova dimensão, a partir da quarta, levar-nos-ia a uma virtual quinta dimensão e a uma amplitude que, segundo nos é dado presentemente perceber, desprovida de conteúdos, resta contingente que, a partir da quarta, o ser emergente efetua um salto de padrão transcendental e instaura uma totalidade unitária, esta, sim, admitida pela natureza relativa como um existente em ato. Essa passagem da quarta dimensão para a totalidade envolve um movimento transcendental semelhante àquele que instalou o ser na primeira dimensão, porque o movimento transcendental é o único padrão de movimento capaz de instaurar unidades.
Vale a pena observar neste ponto da argumentação que a tese de um algoritmo da criação se revela necessária para a construção de um universo organizado – cosmos –, que exige um princípio normativo da existência garantidor dessa ordem. Tal princípio precisa regular desde a menor simplicidade quântica, partículas atômicas, átomos, moléculas, células, entre outros, até a maior complexidade constituída de conjuntos de galáxias. Ora, isso significa que o algoritmo da criação precisa constituir uma estrutura capaz de replicar-se ao infinito. Essa

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propriedade somente pode estar presente em uma estrutura orientada do simples para o complexo, cujos extremos inferior e superior configurem movimentos transcendentais, sendo o primeiro deles gerador do ser unitário e o segundo, gerador do ente, também unitário. Dado que nenhum outro padrão de movimento é capaz de produzir unidades, a forma do algoritmo que estamos descrevendo, alicerçada e encimada por movimentos transcendentais, afigura-se, virtualmente, inescapável.
A quarta dimensão e o tempo que lhe corresponde ensejam um movimento que aponta para o futuro e se desenvolve pelo entrechoque de forças que interagem em diferentes graus de convergência e divergência, gerando consequências nem sempre previsíveis. Se a terceira dimensão tende a gerar a estabilidade requerida para o funcionamento regular dos sistemas, a quarta tende a rompê-las e gerar um fluxo permanente de mudanças, cujo registro constitui a história de certo âmbito de considerações. Designamos de entropia essa consequência histórica que se expressa em degradação dos sistemas e da energia, que é uma das características trazidas pelo tempo. Esse movimento histórico revela-se, na mente humana, na condição de padrão lógico específico designado de Lógica Dialética. Esse padrão lógico foi especificado pelo neoplatônico Proclo, de Constantinopla (412-485 d.C.), como entrechoque de tese e antítese, gerando uma síntese. Diferentemente da Lógica Clássica, que objetiva um efeito previsível, a Lógica Dialética apenas consegue estimar uma consequência, dentro de certo espaço, mais ou menos elástico, de possibilidades. Assim, como no âmbito da terceira dimensão busca-se certeza, no âmbito da quarta, predomina a incerteza: o futuro depende das forças em interação.
Na quinta instância do algoritmo da criação, o processo de dispersão inaugurado na segunda dimensão, depois de explorar as possibilidades espaciais e temporais que lhe são facultadas, de algum modo, é dominado por uma força unificante que, valendo-se de resultados maturados com a dispersão, potencializa o salto transcendental que vai instalar a unidade resultante em plano existencial superior em complexidade. Aqui, um exemplo pode ser mais elucidativo que uma descrição. Como sabemos, em determinadas condições, a reunião de dois átomos de hidrogênio com um átomo de oxigênio gera uma molécula de água. Essa molécula situa-se em instância de complexidade superior àquela dos átomos e apresenta propriedades que não estão presentes nos átomos constituintes, de sorte que resulta evidente que não se trata meramente de uma soma de componentes, pois o resultado transcende essa soma e instala uma realidade com potencialidades exponencialmente superiores, tais como produzir oceanos e, virtualmente, facultar o surgimento de células vivas, propriedades completamente ausentes nos átomos constitutivos. No caso humano, essa instância de totalidade configura e disponibiliza a consciência autoconsciente que tipifica o homem e caracteriza a condição humana em sua totalidade. Observe-se que essa consciência transcende e se situa para além da estrutura ontológica constitutiva do humano e representa a unidade inaugural de um novo estágio evolutivo, uma unidade que inaugura a noosfera que nos permite pensar o mundo. Assim como a molécula de água continua dependendo dos átomos que a constituem, também a consciência depende da estrutura ontológica que a viabiliza – a natureza é cumulativa, tal como o descreve o algoritmo da criação. Com isso, a par da consciência, a quinta instância comporta ainda a inteligência organizativa efetivamente realizada no curso da ontogênese e do percurso existencial. Essa inteligência efetivamente realizada já estava anunciada como espaço de possibilidades na inteligência organizativa potencial detectada na segunda dimensão, a qual, além de viabilizar o que foi realizado, certamente oferecia possibilidades que foram desprezadas ou que não puderam ser aproveitadas em razão de circunstâncias

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particulares que emolduraram a existência. De qualquer forma, essa inteligência organizativa efetivamente realizada é que determina o que o fenômeno, realmente, é e indica aquilo do objeto que pode ser, realmente, conhecido. Essa inteligência organizativa potencial realizada em ato Platão designou de ideia ou forma e, com base nela, construiu a sua teoria das ideias.
A quarta dimensão e a perspectiva histórica faculta-nos também perceber o processo de complexificação da realidade que o ser patrocina, mesmo depois de ter gerado um ente no seu processo criativo. Ao que tudo indica, o impulso para a complexidade que anima o ser não arrefece com as conquistas de totalidades – talvez apenas encontre um momento de repouso estável, quando as partes fecham-se em nova unidade –, e logo novo impulso diversificador desperta em busca de uma organização ainda mais complexa. Esse processo que aparece de forma mais clara na Biosfera, evidenciado pelas teorias da evolução, pelo crescimento da árvore da vida e o pelo surgimento de filos desbravadores (CHARDIN, 1955/2014, BERGSON, 1907/2010), também é detectado no mundo inorgânico, como mostrado pelo exemplo da molécula de água, evidenciando-se presente igualmente quando energias quânticas geram partículas quânticas, quando estas geram partículas atômicas e estas, átomos. O que surpreende, aqui, é que evolução requer aprendizado, e este não pode realizar-se na ausência de memória. Um universo evolutivo requer e somente pode dar-se em presença de um tipo qualquer de memória, uma conclusão estonteante para uma consciência humana que sequer ainda sabe onde se localiza a memória pessoal da qual a toda hora nos utilizamos.
O algoritmo da criação oferece uma solução para esse problema da memória. Considerá-lo requer dar destaque ao que já se revelou na terceira dimensão: a indicação de que todos os fenômenos se relacionam e se intercomunicam em um espaço comum. Esse fenômeno repete-se claramente na quarta dimensão, onde cada ente, embora tenha um tempo de vida próprio, depende do tempo no qual o planeta preserve condições de vida. Parece que o tempo do indivíduo está inscrito no tempo do planeta, de sorte que, no caso de o tempo do planeta esgotar-se antes, em virtude de um acidente qualquer, por mais que o tempo do indivíduo estivesse programado para se estender adiante, ele também vir-se-ia interrompido. Isso sugere que, embora os fenômenos individualizem-se na instância de totalidade, nas instâncias dimensionais, eles, curiosamente, intercomunicam-se e ligam-se uns aos outros. Com isso, pode-se sugerir que, na segunda dimensão, onde identificamos a inteligência organizativa potencial e a alma individual, a qual vai constituir ou instruir a compleição dos entes, os conteúdos também se interconectem e, enquanto inteligência organizativa acumulada pela experiência do próprio universo em sua, digamos, ontogênese, à qual se somam as experiências pessoais dos indivíduos, resulte uma memória cósmica de alguma maneira compartilhada ou compartilhável. Dessa forma, parece pertinente perguntar se não seria bidimensional o registro da memória e se não seria a instância de duas dimensões o local onde a memória se situa4. Essa hipótese pode oferecer, eventualmente, solução para o problema da hereditariedade, com o aproveitamento do conhecimento que cada um acumula durante a sua existência e que se expande justamente quando o indivíduo já não é mais fértil. Sem falar das dificuldades de defender que o aprendizado realizado durante a vida possa alterar o código genético e que esse seja o meio de transmiti-lo a descendentes, sem o que a evolução fica na dependência exclusiva da transmissão cultural, inexistente nas instâncias mais simples da natureza.

4 Nesse sentido, examinar a tese do Campo Akashico, de Ervin Laslo.

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Por último, cabe destacar que o movimento típico da instância de totalidade, constitui um movimento unificador que tende a reunir diversidade e organizá-la na forma de uma esfera perfeita na qual todas as partes encontram repouso na medida em que o resultado reestabelece a unidade no âmbito da diversidade e surge um ente unitário. Na mente humana, esse movimento traduz-se na condição de Lógica Holística, um padrão lógico compreensivo, unificador, sintetizador, próprio para contemplar a totalidade dos entes. Costumo imaginar a consciência como tendo a forma da superfície da esfera, em razão da facilidade como ela opera as imagens coletadas pelos olhos. Obtemos consciência imediata das imagens que nos sãos oferecidas, imediatamente com a profusão de detalhes que elas comportam, de sorte que, à semelhança da tela da televisão, a forma esférica presta-se bem para essa reprodução quase instantânea de imagens. Adicionalmente, cumpre observar que a instância de totalidade, ao contemplar o ente realizado pelo ser, mediante as determinações do algoritmo da criação, constitui existência em ato, constitui aquilo que realmente é e pode ser conhecido. Ora, essa realização valeu-se do ser-energia e da inteligência organizativa potencial provida pela natureza limitante e de mais nada. Logo, essa totalidade resulta ser inteligência organizativa efetivamente realizada, sendo essa inteligência que determina que o ente seja o que de fato é. Com isso, resulta que o ente é determinado enquanto tal em razão da inteligência organizativa que o constitui em uma forma determinada. Dado que a inteligência organizativa potencial foi identificada como componente da segunda dimensão, resulta natural que, agora, na totalidade, a inteligência organizativa efetivamente realizada tenha assento na bidimensionalidade curva da superfície da esfera, fechando, assim, elegantemente, o modelo.
Contemplando panoramicamente os cinco padrões de pensamento descritos, verifica-se que cada um obedece a um padrão lógico próprio, exatamente caracterizado pelo movimento típico da respectiva amplitude, permitindo que se defina a lógica como padrão de movimento inferencial, determinado por uma amplitude dimensional. Dado que o algoritmo da criação distingue quatro instâncias dimensionais ontológicas e uma instância indicativa da totalidade fenomênica, resultam necessários cinco padrões lógicos e cinco padrões de pensamento, para se contemplar a existência em toda a sua extensão e em todos os seus aspectos constitutivos relevantes. No plano objetivo, resultam igualmente identificadas cinco instâncias constitutivas do existente que contemplam aspectos específicos que definem cinco modos de ser que se somam na conformação de tudo o que existe.
Curiosamente, embora o modo científico moderno de pensar contemple uma visão unitária da realidade, centrada em uma instância espaço-temporal única e irredutível, e o sistema de ensino tenha-se esmerado em replicar e universalizar essa visão, o pensamento humano realiza-se, de fato, em moldes dimensionais, tal como constatado ao se descrever os cinco modos de pensar. Identificar constitui inferência que visa ao ser unidimensional. Toda a geometria euclidiana refere-se a componentes de duas dimensões, tal como o exige um ato de distinguir. O pensamento sistêmico refere-se exclusivamente a relações de causa e efeito de matéria com matéria, que são componentes da tridimensionalidade. O pensamento dialético que contempla os encontros e os desencontros de indivíduos e de forças sociais no curso da história implica o tempo que apenas se manifesta na quarta dimensão. A contemplação do todo e a própria força aglutinadora do amor visam à constituição de uma organização complexa enfeixada harmonicamente em uma unidade, na linha do pensamento ecológico ou ecumênico, por exemplo, também caracteriza-se como padrão específico de pensamento.

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O fato de a razão humana conseguir contemplar cada uma das cinco amplitudes que se distinguem e se somam no algoritmo da criação e perceber o modo de ser manifesto em cada instância indica que a razão está instrumentalizada com modos de pensar correspondentes. Dado, adicionalmente, que os cinco padrões de pensamento são modelados por leis ou lógicas específicas, resulta ser o padrão de movimento típico de cada amplitude dimensional que justifica a correspondência entre ser e pensar e que potencializa uma teoria do conhecimento de compleição científica.
A tese do algoritmo da criação preconiza, além dessa correspondência, a hipótese de que toda a existência universal cabe na amplitude existencial que o algoritmo disponibiliza e, adicionalmente, de que todas as possibilidades lógico-inferenciais facultadas à espécie humana são igualmente recepcionadas no espaço inferencial que o algoritmo mapeia. Uma vez que toda essa construção do algoritmo depende apenas do ser e da natureza geométrica, lógica e matemática da existência relativa, resta também estabelecida a estrutura geral segundo a qual pode ser construída uma ciência geométrica unificadora das diferentes geometrias existentes, uma ciência lógica contempladora de todos os padrões de inferência operados pelo homem e, também, uma ciência matemática capaz de contemplar todos os graus de infinidade presentes na realidade.
Com isso, a possibilidade de refutação do algoritmo da criação, segundo o descrito, pode ocorrer de três modos básicos: pela indicação de uma instância do mundo objetivo que não seja contemplada nas cinco instâncias descritas, pela revelação de algum modo de pensar que não corresponda a um dos cinco modos de pensar arrolados e pela virtual falsificação da correspondência unívoca entre padrão de movimento existencial e padrão de movimento inferencial. Virtualmente, pode ainda ser falsificada pela demonstração de algum equívoco lógico na Metafísica que sustenta a concepção. Em contrapartida, não pode ser falsificada por argumentos teológicos. Por outro lado, a sanção da concepção dar-se-á pela luminosidade que a concepção acrescentar à nossa visão de mundo e à nossa teoria do conhecimento. A sanção dar-se-á pelo discernimento que a concepção facultar e pela eficiência que o modelo potencializar as lides humanas.

OS PADRÕES DE PENSAMENTO EM UMA TESE METAFÍSICA DO CONHECIMENTO

Depois de, na demarcação, esclarecer que Metafísica se trata e, também, esclarecer que Ontologia se trata, quer parecer-nos que colocamos sobre a mesa todos os pressupostos de que nos valeremos para fundamentar a nossa tese sobre o conhecimento. Não esperamos ter esgotado a exploração do campo delimitado para a Metafísica e, menos ainda, a descrição do algoritmo da criação. Esperamos, porém, ter considerado os aspectos mais relevantes de cada campo e disponibilizado compreensão que seja suficiente para tornar também compreensível nossa proposta de teoria do conhecimento.

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Segundo a tese esboçada, o algoritmo da criação determina toda a conformação da existência relativa, normatizando os modos como a existência dá-se tanto no universo objetivo que nos contém como também na nossa faculdade de pensar, na nossa consciência e na própria produção cultural decorrente. Com o algoritmo da criação, mundo objetivo e mundo subjetivo resultam liminar e estreitamente relacionados em suas instâncias ontológicas, isto é, em sua essência constitutiva. Começa-se, assim, a entender o que realmente Parmênides quis dizer quando afirmou que ser e pensar são o mesmo.
O algoritmo da criação mostra-nos, simultaneamente, como se organiza a natureza objetiva e como se organiza a racionalidade humana, destacando que essas duas instâncias são precisa e perfeitamente correspondentes, quando se adota como referência perspectiva metafísica dimensional. Esquematicamente, podemos representar essa correspondência da seguinte forma.

Figura 2 de TC

Figura 2 – Conteúdos objetivos e subjetivos destacados e ordenados pelo algoritmo da criação.

Na primeira linha, indica-se que se está considerando apenas a instância limitada da existência. Na segunda linha, estão indicadas as cinco instâncias que o algoritmo da criação distingue na natureza. Na terceira linha, estão indicados os conteúdos objetivos típicos de cada uma das instâncias, com destaque ao que se refere ao ente humano. Na quarta linha, indicam-se as cinco lógicas requeridas, na medida em que correspondem aos padrões de movimentos de cada uma das cinco amplitudes dimensionais destacadas e configuram as leis que regulam os padrões de pensamento facultados à espécie humana. Finalmente, na sexta linha, indicam-se os cinco padrões distintos de pensamento patrocinado pelas cinco lógicas. A especificação desses cinco padrões de pensamento pretenderá mostrar que se tratam de modos de pensar que todos os seres humanos executam regularmente no cotidiano de suas vidas, sem darem-se conta de que se tratam de modos dimensionais, distintos e complementares de pensar e que se referem a aspectos

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particulares bem definidos da existência. Em consequência, perceber-se-á que cada padrão de pensamento, ao visar a aspectos específicos, não se aplica aos demais. Com isso, também resultará evidente que esse desconhecimento constitui fonte de confusões, sofismas e equívocos racionais e que, no verso, o seu domínio potencializa o uso consequente e metódico da razão. Não se trata, pois, de criar algum tipo novo de pensamento, mas de organizar um exercício mental habitual que tem sido realizado de forma intuitiva e, por vezes, francamente confusa.
Para tanto, precisamos demonstrar que cada padrão “s” de pensamento obedece a uma lógica específica e visa a contemplar um dos cinco conteúdos que se complementam na constituição ontológica do ente. Para que essa relação unívoca se justifique, será necessário mostrar que cada conteúdo objetivo contempla um modo de ser determinado por um padrão específico de movimento e que a inferência capaz de contemplá-lo executa movimento inferencial precisamente correspondente. Essa correspondência implica a tese de lógica ser movimento e de padrão lógico corresponder a padrão de movimento existencial, condicionado e também determinado por uma amplitude dimensional. Caso a demonstração revelar-se convincente, também a tese da lógica como movimento restará sancionada.
Tal como a estrutura gerativa que configura o algoritmo da criação se revela cumulativa, também os padrões de pensamento de cada instância apresentam a mesma característica e, igualmente, resultam ordenados do simples para o complexo. Sampaio (1982), que foi um precursor de nossos estudos, defendia que a própria evolução do discernimento e da civilização humana teria sido ditada pela conquista de padrões lógicos crescentemente complexos.
S1 representa o pensamento mais simples e elementar que a mente humana consegue executar. A lógica que regula, determina e faculta esse padrão de pensamento é a Lógica Transcendental, cujo padrão de movimento contempla três momentos: no primeiro momento, a percepção surge; no segundo, ela persiste por algum tempo; e, no terceiro, cessa. O movimento transcendental pode ser mais bem visualizado com o movimento de traçar uma reta, tal como comentado na explicação da emersão do ser na primeira dimensão. As inferências de padrão S1 executam exatamente o mesmo movimento. A primeira dessas inferências consiste na percepção de uma presença. Executamos essa inferência a todo momento, quando algum dos sentidos orgânicos de percepção chama nossa atenção para algo ou para alguém. Geralmente, são percepções efêmeras que apenas servem para nos situar no contexto e orientar o nosso comportamento, evitando, por exemplo, que esbarremos em algo. O movimento envolvido é claro: percebemos, a percepção permanece na consciência por algum tempo e, depois, some, normalmente porque a nossa atenção voltou-se para outra coisa. Um pouco mais complexa é a inferência de identificação. Não apenas percebemos uma presença, mas também retemos na memória um nome que a designa. Tratando-se de uma pessoa amiga, comemoramos: “Olha, é o fulano”. Essas duas inferências claramente objetivam o ser percebido e não o ente, pois este muda com a ontogênese – criança – adulto – idoso –, sem que o nome se altere, em clara evidência de que o nome indica o ser.
Outra inferência S1 é o que chamamos de intuição. A intuição é também algo que, de repente, emerge na nossa consciência, como que vindo do nada ou do inconsciente. Ela apresenta-se ora como pressentimento ora como desconfiança e ora como percepção nova ou ideia inusitada. Eureka! A intuição parece ser componente importante dos processos criativos em geral. De repente, surge, não se sabe de onde nem por que. Outro movimento similar parece ser a busca de algo na memória, particularmente quando o buscado não se encontra na memória imediata e ficamos

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buscando em um virtual inconsciente, até que, de repente, a lembrança surge. Pensamos que também se enquadram no padrão S1 de inferência os atos de fé, seja a fé de um religioso ou de um cientista que se dedica a explorar a natureza na expectativa de descobrir algo meramente pressentido. O ato de fé manifesta-se como uma crença que dispensa justificação. Quando se olha cuidadosamente o cotidiano, verifica-se que a toda hora cremos nos outros e confiamos neles. Acreditamos que a comida do restaurante foi bem-feita, que o motorista que vem em sentido contrário não vai fazer uma manobra brusca, que o elevador recebeu a manutenção devida, enfim, sem acreditarmos nos outros não sairíamos de casa.
O comum a todas as inferências S1 é tratar-se sempre de um ato de percepção simples e unitário, com o mesmo padrão de movimento: de repente, a percepção emerge na consciência de uma só vez, como que vindo do nada, permanece nela por algum tempo e, depois, desaparece da consciência, ou por que a deixamos de lado ou por que nossa atenção voltou-se para outra coisa5.
S2 constitui padrão de pensamento mais complexo do que S1 e situa-se logo a seguir, na escala de complexidade crescente. S2 baseia-se na Lógica da Diferença e constitui inferências que diferenciam, comparam, distinguem, separam, ordenam, hierarquizam, classificam, agrupam, entre outros. A principal inferência S2 parece ser a distinção. Ora, para fazer distinção, é necessário, antes, identificar os objetos em consideração – operação de identificação S1 –, para, então, comparar um e outro e perceber que são distintos. Com isso, fica demonstrado que as inferências S2 são cumulativas e pressupõem inferências anteriores S1, configurando justamente capacidade de intelecção e de discernimento crescentes. S2 também constitui uma inferência simples que se realiza em movimento também simples – contemplado o um, em face do outro, constata-se, sem necessidade de cálculo ou de mais considerações, que não se trata do mesmo, mas de outro e que, por isso, são diferentes6.
S3 constitui padrão de pensamento ainda mais complexo. O operador não apenas percebe a diferença entre A e B, mas também qualifica essa diferença e pode contemplar as influências recíprocas que as diferenças provocam. Tecnicamente, esse padrão de inferência contempla dupla diferença7 e exige a lógica clássica de Aristóteles, que relaciona causa e efeito no âmbito do espaço e da matéria, sob a égide do princípio do terceiro excluído. As inferências de padrão S3 vão desde a lei de ação e reação estudada em mecânica até o pensamento sistêmico que possibilita a criação de todas as ferramentas e tecnologias que instrumentalizam as modernas sociedades industriais. Na medida em que esse padrão de pensamento contempla as relações da matéria com matéria, contempla, também, as relações dos organismos biológicos com a matéria circundante e, assim, o pensar S3 revela-se fundamental aos homens e aos animais para a preservação da respectiva integridade física. Os cinco sentidos da percepção, nesse aspecto representam auxiliares importantes para que o homem evite as situações capazes de colocar sua integridade física em risco. S3 possibilita que o homem use e manipule a materialidade circundante, visando a aumentar a sua comodidade e o seu bem-estar, isto é, torna o homem laboral. O mundo tecnológico moderno constitui fruto típico desse padrão de inferência.
S4 constitui padrão de pensamento que se vale de uma lógica chamada dialética ou lógica da história. Essa lógica preside as relações de cada ente ou fenômeno com suas circunstâncias, sobre a linha do tempo. Conforme lição dos

5 Um estudo mais detido da Lógica Transcendental consta dos apêndices de RODRIGUES, 2016.
6 SAMPAIO, Luiz Sergio Coelho de. A lógica da diferença. Rio de Janeiro, UERJ, 2001. 171 p.
7 Idem.

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neoplatônicos, as operações dialéticas contemplam, no geral, o confronto de tese e antítese, na linha do tempo, gerando sempre uma síntese, isto é, uma resultante. É com o pensar S4 que o tempo entra na consideração da realidade existencial dos homens que, em razão de S4, percebem seu organismo crescer e envelhecer. São também as inferências S4 que patrocinam o aprendizado, revelam a presença de memória, constroem uma história e abrem, para humanos habilitados, a oportunidade de projetar e construir um futuro. Em estudo publicado em 2015, defendemos que os padrões de pensamento S1, S2, S3 e S4, em alguma medida rudimentar, também encontram-se presentes na percepção dos demais animais e que os padrões de pensamento exclusivamente humanos surgem apenas nas instâncias superiores do pensamento S4.
Podemos registrar esses pensamentos como pensamentos S4+. Eles viabilizam a compreensão de que o outro também merece sobreviver e a compreensão de que, em vez de competir com o outro pelos recursos de sobrevivência, talvez seja mais eficaz associar-me a ele de modo cooperativo e providenciar, em conjunto, os meios de sobrevivência. São pensamentos S4+ que patrocinam a organização social, a divisão de tarefas, a política e a organização do Estado, os sentimentos gregários, a compaixão, a benevolência e que possibilitam o surgimento da exigência de justiça, das projeções de futuro, do interesse público, da separação entre público e privado, entre outros. Com o pensamento S4+, surge o que é privativo e específico dos homens e que, legitimamente, tipificam o humano. Sabe-se que existem colmeias, colônias e matilhas, mas essa agregação animal obedece a códigos genéticos inescapáveis e não resulta de atos conscientes de livre arbítrio. Podemos, assim, estimar que atos conscientes de livre arbítrio, eventualmente, podem configurar promissoras medidas para se caracterizar a condição humana8.
O pensamento de padrão S5 baseia-se em lógica holística e tem como foco a totalidade. O pensamento de padrão S5 constitui, também, desafio para a maioria dos homens, sem apresentar, entretanto, dificuldade intransponível. A lógica holística patrocina movimento integrador, unificador, que tende a reunir componentes em uma unidade. Com isso, o pensamento S5 ressalta a interdependência e a integração de todos os entes e fenômenos, no tecido da natureza universal que constitui a unidade cósmica dentro da qual existimos. O pensamento ecológico, o ecumenismo e todos os movimentos que externam preocupação com a natureza constituem exemplos do pensar S5. Costumamos olhar tais movimentos como fruto de altruísmo, de boa vontade e de idealismo, mas o pensamento S5 possui fundamentos lógicos, geométricos e matemáticos de grande consistência e não pode ser depreciado e tido como mero voluntarismo. S5 constitui um pensamento metódico que, pela primeira vez, disponibiliza um método formal para o exercício da razão. Tanto assim que não se constata, no universo, um ente ou um fenômeno correspondente ao que designamos de parte. Na existência, somente cabem totalidades, e a complexidade edifica-se, integrando totalidades bem constituídas e, não, juntando partes. O leitor não encontrará nada no mundo que não constitua uma totalidade, de sorte que, só por contemplar totalidades e não partes, o olhar S5 já revela-se mais aderente à realidade e mais competente. Olhando cada fenômeno com totalidade, resulta consequente perguntar sobre a força que reúne aqueles componentes em uma unidade perfeita na forma de totalidade e, também, perguntar pela inteligência organizativa que lhe confere aquela forma e, a seguir, perguntar, também, pela inteligência criativa que gerou a primeira forma dessa espécie e, depois, quem sabe,

8 Ver um esforço para distinguir o animal do humano, em RODRIGUES, 2015.

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perguntar o que vem a ser inteligência e o que vem a ser existir. Enfim, somente mudar de parte para todo já qualifica S5 como um pensamento superior que, nitidamente, situa-se em âmbito perceptivo privativo da espécie humana, ao qual os demais animais não têm acesso. S5 contempla a totalidade, mas não esquece que, tratando-se de um pensamento cumulativo, precisa considerar a presença concomitante dos pensamentos mais simples que possibilitam e suportam a complexidade que lhe é própria. A lógica holística, além de integradora e harmonizadora, é, também, não excludente.
Mas, se o pensamento S3 contempla a materialidade e o espaço, e o pensamento S4 contempla a temporalidade, que se situa para além do espaço, o pensamento S5 inscreve-se como modo de pensar que se situa para além do espaço e do tempo e contempla o que não pertence e não está sujeito às leis do espaço e do tempo. O que se pode situar fora do espaço e do tempo? A teoria do Big Bang evidencia que espaço e tempo surgiram apenas com a grande explosão e que, antes disso, presume-se, houve apenas um processo de criação das condições objetivas que possibilitaram a grande explosão. Logo, fora do espaço e do tempo, cumpre situar as leis da criação, as leis geradoras da existência em ato e que, em última instância, configuram a natureza íntima da existência, como potência que, virtualmente, pode ou não se manifestar em ato.
Pensar e conhecer o todo não implica conhecer tudo. Obviamente, resulta impossível conhecer extensivamente tudo, ainda que isso se restringisse ao conhecimento humano já elaborado e registrado nas bibliotecas. Pensar o todo significa superar o saber mutável que se aprendeu no curso da vida, em face das experiências vividas no espaço e no tempo e que são determinantes da personalidade humana que nos caracteriza. Pensar o todo requer sair do fluir frenético e mutável do devir e contemplar as imutáveis leis universais que regem o universo, tal como, aqui, estamos fazendo ao estudar a Metafísica e a Ontologia, as quais determinam as regras da existência relativa. Essa capacidade de pensar o todo não constitui propriedade natural da personalidade humana forjada no curso da vida mediante experiências propiciadas pelas lides, no mundo visível, no espaço e no tempo. Essa capacidade de pensar o que se situa fora do mundo visível somente viabiliza-se quando um ato reflexivo, pleno de autoconsciência, percebe a presença do ser que nos constitui, sem fazer parte do mundo visível, e compreendemo-nos pertencente a um plano de realidade meramente inteligível, tal como são, também, o tempo, a alma e a própria consciência. Somente quando, conscientemente, despertamos para o mundo inteligível, oportuniza-se que o ser supere a personalidade humana e contemple de modo objetivo a realidade que se estende para além do mundo visível.
Platão, no mito da caverna, refere-se a essa descoberta do mundo inteligível, como condição de libertação da prisão representada pelo mundo visível. Outros autores, tal como Ouspensky (1916), falam de um despertar que retira os homens de um tipo de sono letárgico no qual predominam personalidades humanas que confiam cegamente no que os sentidos orgânicos informam e permanecem em uma luta inglória com circunstâncias sempre mutantes. O que agora se oportuniza com o pensamento da totalidade é um sair do fluxo permanente de mudanças do devir e, amparado nas leis universais, olhar esse fluxo “de fora”, conferindo importância adequada aos acidentes de percurso que, embora na ocasião pareçam graves, no longo prazo, em boa medida, costumam revelar-se menos relevantes. Conceder o domínio da consciência ao ser, entendido no sentido de tornar relativa, a nossa experiência pessoal de vida, permite olhar “de fora” os acontecimentos e possibilita não apenas um novo patamar de discernimento, mas também um equilíbrio pessoal

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menos susceptível a percalços ocasionais, dado que a referência, agora, permanece estável e o que muda são apenas as circunstâncias. Essa conquista, que, historicamente, tem sido indicada como uma conquista mística, revela-se, agora, com o desvelamento do algoritmo da criação, como uma conquista racional e metódica facultada por uma teoria positiva do conhecimento.
Apreciando esses cinco padrões de pensamento em conjunto, torna-se possível tirar algumas lições. Primeiramente, que o pensamento humano factual obedece sempre a uma determinada lógica e que resulta impossível realizar uma inferência sem que um padrão lógico lhe forneça o modo operativo. Nesse sentido, inferir significa operar um padrão lógico. Em segundo lugar, resulta demonstrado que os padrões de pensamento, potencializados pelos padrões lógicos, são especializados na contemplação de conteúdos existenciais caracterizados pela amplitude dimensional de tais manifestações existenciais, o que significa que os padrões de pensamento se diferenciam uns dos doutros, em razão de contemplarem diferentes amplitudes dimensionais, restando conclusivo que os modos de pensar são também dimensionais, tal como são dimensionais as diferentes manifestações objetivas do ser, os seus modos de ser. Em terceiro lugar, resulta demonstrado serem necessários cinco padrões lógicos distintos para contemplar os cinco modos de ser que se somam na configuração de uma existência em ato, sendo cada padrão lógico caracterizado por um padrão operativo próprio, tipificado pelo padrão de movimento típico de uma dada amplitude dimensional. É nessa similitude entre movimento dimensional típico e padrão lógico-inferencial especializado que se assenta a possibilidade de produção de um conhecimento correspondente. Em quarto lugar, resulta evidente que, embora o pensamento holístico contemple a totalidade do existente, resta necessário uma estratégia de abordagem que combine, sequencialmente, todos os cinco modos de pensar, para que se logre contemplar o existente em toda a sua extensão. Com esse procedimento, estar-se-á considerando todos os modos de ser do objeto, sem mutilar a sua interpretação naquilo que ela tem de mais relevante, descendo nos detalhes até onde exige o propósito de conhecimento que nos move, naturalmente, cientes de que o esgotamento da inteligência organizativa que determina e molda o objeto torna-se impossível na prática, dado que isso implicaria alcançar o ser de todas as totalidades que se combinam na formação da totalidade do objeto em questão – um processo que, em última instância, levar-nos-ia ao próprio surgimento do universo. O caráter sequencial da estratégia resulta também necessário em razão do caráter monoprocessador da consciência humana, a qual exige a consideração de uma inferência de cada vez.
Por último, resta sancionado o que já se constatou na especificação do algoritmo da criação. Platão estava certo com a sua teoria das ideias: os objetos são precisamente o que são, em virtude de serem determinados por uma dada inteligência organizativa, gerada pela ação de um ser, segundo uma inteligência criativa natural. A inteligência organizativa resultante configura a totalidade dos objetos e pode ser traduzida pelo intelecto humano no modo de inteligência interpretativa. É inteligência, portanto, o elemento comum que unifica o mundo objetivo e o mundo subjetivo. O conhecimento correspondente à realidade é, portanto, perfeitamente possível como inteligência interpretativa.
Assim como a inteligência organizativa dos objetos resulta da articulação conveniente das propriedades estruturais da Geometria, da Lógica e da Matemática, sob o ímpeto existencial do ser e o seu impulso para a complexidade, a inteligência interpretativa resulta em compreensão do ser, na medida em que traduz conceitualmente as mesmas articulações e revela a organização e as propriedades

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do objeto, por ação intelectiva do ser. Inteligência – e apenas inteligência – é o que a natureza relativa disponibiliza ao ser, tanto para a edificação como para a compreensão do universo.
Por complemento, resta considerar que conhecimento útil é aquele necessário para a ação adequada, daí, a necessidade de considerar os propósitos que nos movem na busca do conhecimento. O conhecimento que alguém precisa para dirigir um carro difere do conhecimento necessário para consertá-lo e também difere do necessário para projetá-lo, de sorte que são os propósitos que se têm em mente que calibram o quanto da inteligência organizativa de um objeto é necessário e conveniente conhecer em cada caso, para que a ação seja adequada e eficaz.

ENFRENTAMENTO DOS PROBLEMAS TRADICIONAIS DE TEORIA DO CONHECIMENTO

Os esforços pregressos visando à construção de uma teoria do conhecimento foram conduzidos em face da relação sujeito-objeto. Hessen considerava que a essência do conhecimento é saber se é o sujeito que determina o objeto ou, ao contrário, é o objeto que determina o sujeito. De um modo geral, os estudiosos concordam que o verdadeiro problema do conhecimento coincide com a questão sobre a relação entre sujeito e objeto.
O fato de essa questão centenária ainda não ter encontrado solução definitiva indica que, provavelmente, existem problemas na sua formulação. São poucos os estudiosos que se preocuparam em esclarecer o que, nessa formulação, está-se entendendo por sujeito e por objeto. De qualquer modo, resulta claro que, por sujeito, está-se considerando conteúdos da noosfera – o pensamento, o entendimento, a consciência – e, por objeto, está-se considerando os objetos da ciência, isto é, a materialidade e as suas propriedades. Isso não poderia ser diferente na cultura científica cartesiana moderna, posto que o mundo da ciência não ultrapassa a localidade cujo âmbito foi estabelecido por Einstein e aceito por todos, como complexo espaço-temporal.
Essa visão científica de mundo, que se restringe ao espaço, à materialidade e às suas propriedades, isto é, aos conteúdos da terceira dimensão, admite o tempo e estuda a história, sem decidir se o tempo integra o espaço ou o envolve como uma instância mais ampla. Essa visão reconhece que o pensamento e a consciência apresentam natureza distinta da materialidade e encontra dificuldades para localizá-la nos seus esquemas. Com a percepção de que se tratam de naturezas distintas, a relação sujeito-objeto não encontra solução racional satisfatória. Para elucidar devidamente esse problema, precisamos recorrer ao que nos ensina o esquema da Figura 2, ordenado, agora, de forma adequada.

Figura 3 de TC

Figura 3 – Correspondência objetiva dos padrões de pensamento.

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Segundo indicam o algoritmo da criação e a teoria do conhecimento derivada, os padrões de movimento de cada amplitude dimensional determinam tanto o modo de ser da instância como o modo de inferir correspondente, segundo o qual o conteúdo objetivo pode ser alcançado. Nessa perspectiva, o sujeito, entendido agora como um ente humano dotado de consciência e de discernimento, possui a mesma compleição organizativa do objeto, entendido, agora, como fenômeno unitário complexo, dimensionalmente edificado.
Nesse esquema, o sujeito da tradição científica, como consciência, ocuparia a posição S5, e o objeto da tradição, na condição de materialidade visível, ocuparia a posição O3, restando evidente a impossibilidade de se encontrar ou estabelecer relação direta entre ambos, mesmo que o objeto incluísse o tempo e contemplasse O3 + O4. O que realmente acontece é que o sujeito cognoscente, tendo essencialmente também um organismo, na posição S3, conta com recursos sensitivos próprios dessa instância e, por meio deles, relaciona-se com a dimensão O3 do objeto e extrai dessa relação, com o auxílio do pensar S3, conclusões e estímulos que serão tratados no sistema nervoso central e, depois, convertidos, por transcendência, em significados no âmbito da consciência. Portanto, entre a materialidade do cérebro e a consciência permeia uma transcendência que constitui movimento privativo entre cérebro e consciência, de sorte que encontrar uma relação direta entre o objeto O3 e a consciência S5 resulta simplesmente impossível.
Com isso, no mínimo, fica demonstrado que a relação sujeito-objeto, nos termos estabelecidos pela tradição, não admite solução, e o próprio problema assim colocado apenas justifica-se dentro do conceito cartesiano equivocado de localidade. Por outro lado, quando o caro professor Hessen entende que essa relação entre sujeito e objeto constitua a essência do conhecimento humano, utiliza-se de um conceito de essência estranho à Ontologia. Segundo o algoritmo da criação, o ente resulta de ação edificadora do ser, mediante a utilização da inteligência própria da natureza da existência relativa, a qual identificamos como inteligência organizativa potencial, culminando na instituição de um ente unitário existente em ato, determinado e moldado por uma inteligência organizativa efetivamente realizada9. Dado que a consciência que emerge na instância S5 também resulta ser fruto de uma inteligência organizativa também efetivamente realizada, parece adequado entender que a essência do conhecimento seja constituída também de inteligência, que merece, nesse caso, ser designada por inteligência interpretativa.
Com essa solução, a relação sujeito-objeto fica harmonizada na medida em que se trata de uma relação S5 ==> O5, na qual se procura produzir uma inteligência interpretativa que seja, o tanto quanto possível e necessário, correspondente à inteligência organizativa que determina que o objeto seja aquilo que é. Dado que a instância cinco da totalidade, além de contemplar o que é próprio e privativo da instância, ainda incorpora todas as instâncias ontológicas precedentes, fica garantido que o processo de conhecer contemple toda a extensão existencial do objeto, sem

9 Qualquer dos artefatos construídos pelo homem foi, um dia, projetado. Alguém estudou o problema, elaborou um projeto minucioso de cada peça que seria necessária e de como deveria ser o conjunto. A indústria, seguindo rigorosamente as especificações, produziu as peças e, finalmente, uma montadora, tendo em vista as especificações, montou o artefato e testou-o, confirmando se as propriedades que tinham sido projetadas, efetivamente, estavam presentes. O que aconteceu foi que os projetistas, usando inteligência criativa, definiram, nos projetos, a inteligência organizativa do artefato. A montadora apenas montou as peças segundo o projeto, incorporando ao artefato a inteligência organizativa projetada. No final, o artefato possui aquela forma e aquelas propriedades, justamente porque a sua constituição resulta definida pela inteligência organizativa incorporada. Daí, a compreensão de ser a inteligência organizativa que define o que um objeto de fato é.

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deixar mundo de fora, desde, é claro, que se utilize estratégia adequada de pensar e de abordar que contemple os cinco modos complementares de pensar.
Quanto à questão da possibilidade do conhecimento, outra das questões clássicas, resta claro, pelo que já foi dito, que a mente não apreende o objeto, apenas interpreta a inteligência organizativa que o constitui e o molda, salvo, naturalmente, o caso em que o objeto seja o próprio conhecimento já expresso como inteligência interpretativa. O modo como dá-se essa interpretação será discutido ao contemplarmos a estratégia metodológica exigida. Nessas condições, fica facultada uma nova conceituação do que seja conhecimento: conhecimento é uma inteligência interpretativa que, em alguma medida, corresponde à inteligência organizativa que determina o modo próprio de ser de um objeto.
Quanto à questão da origem do conhecimento, ficam sancionadas as percepções da teoria tradicional do conhecimento, indicando que o conhecimento tem origem tanto na experiência como na própria razão. Os conhecimentos que se originam na experiência são amparados nos sentidos orgânicos de percepção e no trabalho preparativo do cérebro, e os conhecimentos que se originam na razão, amparados pela memória e pelas lógicas, tendo no comando de tudo o ser, agente construtor do ente e também intelecto operador da consciência.
Quanto aos tipos de conhecimento racional e intuitivo, reconhecidos pela tradição, a perspectiva dimensional especifica cinco modos distintos de manifestação da racionalidade e entende que a intuição também constitui um ato racional, apenas que regulado por uma lógica própria que possui um modo próprio de operar e não contempla certezas, tal como o faz a Lógica Clássica do terceiro excluído. O objetivo da intuição é buscar saberes onde nenhum outro padrão de pensamento pode-se aventurar, talvez em um inconsciente pessoal ou coletivo ou em uma virtual memória cósmica situada fora do espaço e do tempo. A intuição emerge, à luz do algoritmo da criação, como uma inferência poderosa, alimentadora da imaginação, que também não reconhece limites. Sabemos que a percepção humana em seu todo não se limita à racionalidade, intervindo sentimentos, emoções, estados de espírito. Provavelmente, a intuição seja o meio racional segundo o qual essas intervenções apresentam-se à consciência. Aqui, ainda teremos de investigar muito para alcançar compreensão satisfatória a respeito desse assunto.
Quanto à questão da verdade e do critério determinante para se reconhecer um conhecimento como verdadeiro, pensamos que a questão já tenha sido resolvida, a contento, por Platão, que reservava o selo de verdadeiro aos conhecimentos relativos às leis universais que não mudam nunca e relativizava tudo o que dizia respeito ao devir espaço-temporal. Isso não significa ignorar que também existem verdades circunstanciais que precisam ser levadas em conta na vida prática, mas, ao menos, separa as coisas e nos adverte que nem todas as certezas justificam-se e merecem ser defendidas a ferro e fogo. Ainda que o critério platônico de verdade deixe de fora as questões variáveis do devir espaço-temporal, por estarem sujeitas a mutantes condições circunstanciais, constitui, ainda assim, solução melhor que a que Popper oferece ao refutar a possibilidade de confirmação do conhecimento científico e estabelecer o critério da refutabilidade como solução possível para qualificar o que seja cientificamente aceitável. Ora, refutar é uma negação e, como tal, apenas consegue corrigir equívocos, o que não promete muito para uma construção positiva de conhecimentos úteis. Nesse sentido, a consideração do que se revela permanente e imutável na natureza contempla possibilidades mais promissoras na busca de um saber confiável. De qualquer forma, parece contingente aos recursos humanos de percepção que as teses conquistem o status de teoria, apenas na medida de sua confirmação prática.

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Para encerrar as considerações sobre os problemas arrolados pela tradição dos estudos sobre teoria do conhecimento, cabe destacar, ainda, a mais ou menos generalizada recusa da solução metafísica, amparada na refutação dos esforços medievais que tentaram demonstrar racionalmente a existência de Deus, tido como índice necessário para harmonizar liminarmente os mundos objetivo e subjetivo. Na demarcação, esperamos ter demonstrado que a Metafísica pode prover um índice harmonizador independentemente de questões teológicas. Mas, a par disso, as tentativas medievais de provar a existência de Deus que, supostamente, valeram-se do princípio da causalidade, nessa demonstração, fracassaram. A modernidade conseguiu demonstrar racionalmente que a presença de um princípio inferencial causal na mente humana não autoriza concluir que ele de fato esteja presente no âmbito objetivo. Quanto a isso, o algoritmo da criação coloca dois reparos. Primeiramente, demonstra que o movimento inferencial C3 corresponde exatamente ao padrão de movimento objetivo O3 e que, portanto, existe, sim, uma correspondência, como evidenciam os sistemas tecnológicos implementados que funcionam magnificamente, ainda que movimento sistêmico objetivo e interpretação não devam ser confundidos. O mais importante, porém, é o fato de os conceitos de causa e efeito bem como o pensar sistêmico dizerem respeito à terceira dimensão, de sorte que causalidade10, entendida como influência estável entre fenômenos, apenas pode ser aplicada e encontrar correspondente nessa instância. De outro lado, a emersão do ser, na primeira dimensão, a partir do absoluto, configura movimento transcendental que não demanda causa e nada tem a ver com materialidade e sistemas. Com isso, verifica-se que a precedência do absoluto sobre o relativo constitui questão ontológica e não questão lógica. A lógica apenas regula a manifestação objetiva ou subjetiva na amplitude respectiva e não transita de uma amplitude para outra. Essa transição constitui questão ontológica ou, mais precisamente, de transcendência ontológica relativa aos graus crescentes de complexidade com os quais o ente resulta edificado. Portanto, comprovar ou refutar o absoluto metafísico necessário, com base em um princípio lógico que apenas se apresenta na terceira dimensão, constitui um sofisma de formato clássico – a inferência é verdadeira, mas não se aplica ao caso.

CONFRONTO DE VISÕES DE MUNDO

Kuhn (1997) já alertou-nos, em seu texto sobre as revoluções científicas, que os paradigmas científicos, uma vez assentados e aceitos pela maioria, desaparecem dos textos e das discussões e apenas mantêm-se subliminarmente presentes na fase produtiva das ciências, delimitando e condicionando o labor científico. Com isso, compreende-se que depois de a ciência ter-se libertado das influências religiosas e definido seus próprios termos, no início da modernidade, seus pressupostos, normalmente, não são mais incluídos nas discussões. A ciência de Newton e a ciência de Einstein houveram-se tão bem e alcançaram tanto sucesso que, hoje, ao menos na Civilização Ocidental, o modo científico de pensar tornou-se hegemônico a ponto de relegar os modos alternativos de pensar à marginalidade da cultura. Para compreender as consequências e as implicações da demarcação científica vigente, coloquemos lado a lado, o mundo visualizado por uma tese metafísica do conhecimento e o mundo visualizado pelo conceito einsteiniano de

10 Não confundir a relação sistêmica entre causa e efeito, com a relação histórica entre antecedente e consequente.

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localidade, tendo em vista que os padrões humanos de pensamento, como vimos, devem ser ordenados segundo as amplitudes dimensionais reveladas pela Ontologia.
Padrões de pensamentos

Figura 4 de TC

Figura 4 – Comparação das visões de mundos dimensional e científica moderna.

Como já mencionado anteriormente, os padrões humanos de pensamento são dimensionais, ainda que as pessoas não tenham consciência disso e tampouco percebam que eles visam a aspectos específicos que apenas uma organização dimensional da realidade permite destacar. A teoria metafísica do conhecimento defende que esses são os padrões de pensamento com os quais o homem está instrumentalizado – de S1 a S5 –, e com os quais pode interpretar o mundo e a natureza, não existindo pensamento humano algum que não se enquadre em um desses padrões e, tampouco, há a possibilidade de existência de um padrão humano de pensamento distinto desses. Da mesma forma, a tese metafísica do conhecimento advoga que a natureza objetiva apresenta conteúdos distintos em cada uma das instâncias dimensionais indicadas – de O1 a O5 – e não contempla conteúdos distintos desses. A tese metafísica do conhecimento defende, ainda, que as lógicas que regulam os padrões de pensamento constituem movimentos inferenciais correspondentes aos movimentos existenciais que definem os modos de ser dos conteúdos objetivos das instâncias dimensionais respectivas. Com isso, a tese preceitua que cada padrão de pensamento apenas se aplica ao conteúdo objetivo da instância dimensional em que se situa e não possui capacidade de contemplar conteúdos de amplitudes distintas.
Tendo por referência essa compreensão é que se tentará avaliar as consequências e as implicações da demarcação científica atual, que se limita a considerar científico apenas o que pertence ao mundo visível – essencialmente O3, ainda que O4 também integre essa perspectiva, em razão das ponderações de Einstein.
A primeira consequência visível é a supervalorização dos conteúdos de O3 e O4 e dos respectivos modos S3 e S4 de pensar – supervalorização da matéria e das técnicas de sua manipulação, valorização da história, da ontogênese e das técnicas de conservação da vida e dos organismos, tudo sob os auspícios dos pensamentos sistêmico e dialético e das respectivas lógicas. Um resultado evidente dessa opção é o avanço tecnológico do século vinte, gerando uma civilização tecnológica que configura verdadeiro milagre. O contraponto desse sucesso é a hegemonia quase absoluta do modo científico de pensar. Evidência clara do grau de hegemonia dessa perspectiva espaço-temporal é o fato de a política dos últimos duzentos anos ter-se caracterizado pela disputa entre concepções ideológicas sistêmicas (S3) e dialéticas (S4). O ensino, naturalmente, também foi capturado pela perspectiva e passou a

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priorizar o saber que se encontra no campo visual dos modos S3 e S4 de pensar. Daí, o grande fascínio da matéria e o desejo de posse de bens materiais, de um lado, e o apego à história e à juventude, por exemplo, de outro.
A consequência complementar diz respeito à impossibilidade de o olhar científico enxergar o ser (S1), a alma ou a inteligência organizativa potencial (S2), a consciência, a inteligência organizativa efetivamente realizada e a totalidade constituinte dos fenômenos (S5). A perspectiva científica, não tendo abertura para recepcionar esses conceitos, tende a desprezá-los e a ignorá-los e, até mesmo, a negar-lhe a existência. Dado que essa cegueira também contamina o sistema de ensino, este reproduz uma sociedade também moldada, condicionada e formada com as mesmas limitações. A sobrevalorização da matéria, combinada com a ocultação do ser e da inteligência organizativa potencial, gera um ser sem alma, um excelente técnico voltado para o seu sucesso econômico pessoal e um péssimo cidadão, incapaz de se comprometer com o interesse coletivo. A sobrevalorização da experiência pessoal no espaço e no tempo, combinada com o ocultamento do ser, gera uma personalidade humana egoísta, de equilíbrio psicológico precário, voltada para o desfrute e o enfrentamento dos problemas da vida, que encontra grandes dificuldades de transcender a sua individualidade e atingir a compreensão e a serenidade que apenas o ser e o pertencer podemprover. O confinamento das mentes à materialidade e à história tende a forjar uma personalidade humana aflita e impressionada com os conflitos de toda ordem, que se sucedem ininterruptamente, sem qualquer esperança de superação, justificando certa dose de esquizofrenia competitiva, certo ceticismo diante da vida e uma ética de sobrevivência e sucesso econômico a qualquer custo. A prevalência dos modos sistêmico e dialético de pensar e o ocultamento da lógica da diferença dificultam a crítica estrutural das ideologias sistêmicas e dialéticas, levando a uma polarização estéril, incapaz de perceber a totalidade dos fatos e da realidade. A própria ocultação da totalidade enseja soluções incompletas que produzem desperdícios e geram novos problemas que se somam aos não resolvidos. A ocultação do ser e da totalidade dificulta que nos percebamos como membros de uma mesma espécie e hóspedes do mesmo planeta.
Esse rol de problemas suscitados, pelo que a perspectiva científica vislumbra e pelo que esconde ou deixa de ver, poderia estender-se ao infinito e contemplar efeitos psicológicos sutis, tais como a perda da capacidade humana de se maravilhar com a genialidade e a inteligência organizativa da natureza, manifesta no mais prosaico dos vegetais e no mais simples dos seres vivos. Uma perda de sensibilidade de custos inimagináveis para uma espécie projetada justamente para a percepção sensível e apurada da realidade, como condição de sobrevivência. Uma perda de sensibilidade que acaba revertendo em perda de humanidade, em sua capacidade de encantar-se e maravilhar-se com a natureza e o milagre da vida. Perdas incomensuráveis meramente pressentidas. Mas qualquer cidadão medianamente informado sabe das mazelas que caracterizam nosso tempo em todos os quadrantes e em todos os setores da vida, de sorte que parece inútil continuar relacionando as misérias e os problemas que se acumulam, apesar do milagroso avanço tecnológico.
Talvez, a maneira mais escrachante de evidenciar as insuficiências provocadas pela hegemonia do pensamento científico moderno possa ser feita pelo resgate de um testemunho histórico que consta do diálogo A República, de Platão. A certa altura do diálogo, quando Platão discute as disciplinas que deveriam constar do currículo de uma educação adequada à correta formação dos jovens, ocorre a seguinte conversa entre os personagens Sócrates e Gláucon:

– Depois da superfície, pegamos nos sólidos em movimento, antes  nos ocuparmos deles em si. Ora o que está certo é que, após a    segunda dimensão, se trata da terceira, que é a dos cubos e a que   possui profundidade.
– É isso, mas tal ciência parece que ainda não foi descoberta.                         (ROCHA  PEREIRA, 1972. Pl. R. 528b).

É nessa passagem que Platão, por intermédio do personagem Sócrates, expressamente, menciona a segunda e a terceira dimensão da realidade. No presente momento, porém, o que nos interessa é a resposta de Gláucon, indicando que, na ocasião do diálogo, ainda não existia uma ciência com foco na terceira dimensão da realidade. Ora, se em pleno milagre grego, não existia ainda uma ciência da terceira dimensão e, hoje, em pleno milagre científico, limita-se o pensamento científico hegemônico ao contido nessa instância, resta evidente a extensão de mundo e de realidade que, em ambos os casos, resulta desconhecida, desconsiderada ou ignorada. Para a perspectiva científica moderna, o mundo grego clássico, virtualmente, afigura-se como uma realização impossível e incapaz de gerar conhecimento útil para a modernidade, em flagrante confronto com a história, afinal, foi lá que, acredita-se, nasceu a filosofia ocidental. Portanto, o ocultamento que a perspectiva moderna efetua, ao centrar seu foco em O3 e O4, equivale a desconsiderar os valores e o alicerce conceitual que viabilizaram a civilização grega clássica. A sensibilidade humana que produziu o milagre grego clássico, julgada dispensável, já não encontra lugar na modernidade cartesiana.
Talvez, seja, porém, na esfera política, que se situem os prejuízos mais evidentes. Ao contemplar apenas O3 e O4 e os respectivos modos sistêmico S3 e dialético S4 de pensar, resulta natural a polarização política e ideológica entre direita e esquerda – para utilizar uma indicação sintética. Em razão da lógica que preside S3, a direita, virtualmente, até de modo não consciente, concentra-se na materialidade e busca a estabilidade sistêmica. A esquerda, por sua vez, em razão da lógica dialética que preside S4, concentra-se na história e busca a permanente mudança e a evolução, virtualmente, também, sem dar-se conta das determinações estruturais da sua lógica. Quando as posições radicalizam-se na disputa do poder, a direita procura impor-se pelo poder econômico, em defesa da estabilidade do sistema, e a esquerda, valendo-se do tempo e da entropia, tenta desestabilizar o sistema e, no extremo, destruí-lo, dado que mudar e destruir fazem parte da natureza do tempo e da entropia. Quando a esquerda consegue assumir o poder, constata que o sistema é indispensável à sua própria sobrevivência e, quer goste-se ou não, os motores serão sempre sistêmicos e nunca dialéticos. Em consequência, emerge um sistêmico predador mais radical do que os vencidos e configura-se um poder esquizofrênico que se debate entre a necessidade de preservar o poder, o funcionamento do sistema e o espírito revolucionário de sua razão dialética. Quando o olhar científico oculta a totalidade, impede que a visão do todo esclareça que S3 e S4 não são opções alternativas mutuamente excludentes nem mesmo opções aptas para gerir o todo, mas apenas visões parciais complementares, cabendo à dialética e ao tempo evitarem que o sistema se acomode em sua tendência à estabilidade e se cristalize, estagnando em uma situação qualquer. Do ponto de vista da totalidade, cabe ao modo S1 de pensar cultivar e preservar a identidade da nação; ao modo S2 de pensar, oferecer a crítica estrutural e destacar as possibilidades inscritas no espírito coletivo; cabe ao pensar S3 o uso conveniente da materialidade disponível e a garantia da funcionalidade sistêmica. Ao modo S4 de pensar, cabe oferecer a perspectiva histórica e a projeção de futuro, exigindo mudança em dose adequada, visando a garantir que o sistema

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evolua e se aperfeiçoe continuamente. Finalmente, ao modo S5 de pensar, cabe instrumentalizar as mentes para a gestão integrada que garanta a saúde e o equilíbrio do todo, que, evidentemente, não é sectário nem excludente. Apenas a ignorância do todo justifica uma ideologia da parte. Platão já alertou, há vinte e cinco séculos, que o governo nunca deve ser entregue a uma facção da sociedade e deveria ser exercido por um rei filósofo, isto é, por alguém capaz de pensar S5.
Os prejuízos da estreiteza da visão científica einsteiniana estendem-se muito além dessa polarização política equivocada entre direita e esquerda. Não apenas S3 e S4 patrocinam ideologias equivocadas, tais como as capitalistas e as comuno-socialistas. Quando um pensamento S1 resulta absolutizado em sua perspectiva transcendental, pode gerar um fundamentalista convencido de que todo indivíduo que não comunga da sua crença ou de seu deus é dispensável e pode ser eliminado. Da mesma forma, quem absolutiza um pensamento S2 pode entender que as diferenças, sejam de sexo, de cor ou outra qualquer, constituam fatores privilegiados para se categorizar e classificar os homens e, no extremo, produzem excrescências, tais como a ideologia de gêneros. À luz da totalidade, as ideologias revelam-se como concepções que priorizam a parte em detrimento do todo, como se fosse possível à parte conferir sentido ao todo. Os custos sociais dessas ideologias marcam indelével a história da civilização, de sorte que estender essas considerações parece dispensável.
Diante desse quadro, não é mais possível defender a tese da imparcialidade da ciência e da não responsabilidade dos cientistas pela situação social e política da humanidade. A tese metafísica do conhecimento evidencia que tanto os cientistas como os professores possuem, sim, responsabilidade estrutural sobre o estado crítico em que se encontram a humanidade e a civilização, em todos os seus aspectos, uma vez que a qualidade da ação humana depende da qualidade do discernimento predominante, e este está confinado ao conceito científico de localidade. Essa responsabilidade não se prende apenas ao passado, mas também se estende ao futuro, uma vez que, em uma civilização científica, tal como a nossa, apenas os cientistas possuem o prestígio e a credibilidade necessária para denunciar e decretar a superação de um paradigma.
No sentido inverso, o das potencialidades construtivas do paradigma metafísico que se propõe, e ainda que nos dediquemos à filosofia e não à ciência, quer nos parecer que se abre horizonte promissor para o labor científico, sobre o qual, apesar das nossas limitações, parece útil tecer algumas conjecturas. De imediato, parece evidente que o olhar dimensional é mais minucioso e revela instâncias e detalhes que o olhar espaço-temporal não consegue distinguir. Na descrição do algoritmo da criação, em algum momento, indicamos o ser designando-o de ser-energia, uma vez que lhe cabe desdobrar as dimensões e conquistar complexidade, sob o efeito condicionante da natureza geométrica, lógica e matemática da existência relativa, até atingir a condição de unidade complexa manifesta em ato. Tratando-se de processo cumulativo o da geração da existência em ato, podemos entender que o algoritmo da criação define também o campo existencial do fenômeno que assim se edifica. Tal campo possui conformação distinta do campo elétrico que se manifesta no espaço, mas, mesmo assim, não deixa de configurar um campo no qual um fenômeno se manifesta. Ora, em se tratando de um ser-energia, esse algoritmo da criação e as suas instâncias constitutivas, caracterizadas por amplitudes diferenciadas, não estarão também configurando o campo existencial da energia e destacando os cinco modos de interação que a energia assume em um universo relativo? Os padrões de energia conhecidos, ou melhor, os padrões de interação que os caracterizam podem

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ser, de algum modo, assimilados a padrões de movimento condicionados por amplitudes dimensionais?
No mesmo sentido, potencialmente esclarecedor, opera o algoritmo da criação, ao sugerir a hipótese de que o entrelaçamento quântico de partículas deva-se a compromissos estruturais comungados pelas partículas, na segunda dimensão, e não a interferências diretas entre ambas, no nível tridimensional, de sorte que o fenômeno pode, eventualmente, não representar desafio ao limite da velocidade da luz, uma vez que distância e velocidade são conceitos espaciais não aplicáveis à segunda dimensão.
Em outra frente, a classificação dos padrões de pensamento em cinco instâncias de crescente complexidade indica, também, uma senda de progressiva capacidade inferencial que potencializa, certamente, crescente sensibilidade e discernimentos crescentemente elaborados, mas, em contrapartida, envolve também crescentes dificuldades lógico-operacionais e, supostamente, demanda suporte cerebral cada vez mais refinado. Com isso, os padrões S1, S2, S3, S4 e S5 de pensamento disponibilizam uma escala de sensibilidades que também abrange a sensibilidade detectada nos demais animais, tal como indica uma escala classificadora da sensibilidade intelectual humana. Dado que o homem apenas se destaca no reino animal em razão de capacidade inferencial superior, resulta potencializada uma frente de pesquisas que esclareça exatamente em que medida o homem se destaca dos demais animais e, virtualmente, possibilite ferramentas que permitam avaliar cada ser humano quanto ao seu grau de superação da herança animal e a efetiva realização da condição propriamente humana. As potencialidades de tal campo de investigação científica são evidentes tanto no adequado processo educativo e formativo dos indivíduos como no processo de escolha de pessoas certas, principalmente para o exercício de funções públicas. Talvez, possa-se evitar a designação de raposas para gerir o galinheiro.
Em outro aspecto, a contemplação formal da totalidade promete disponibilizar argumentos definitivos para a emergência do sentido de espécie humana única, em planeta limitado, que responde pela sustentação da vida e que, por isso, merece ser tratado como um jardim precioso e uma joia da via láctea entregue aos nossos cuidados. A visão formal da totalidade representa, em última instância, acesso ao patamar evolutivo tipicamente humano em razão de disponibilizar o padrão de discernimento correspondente à realização plena das potencialidades do modo humano de ser e pensar. Nesse sentido, a percepção e o domínio da totalidade podem configurar, virtualmente, a realização plena do humano. Fiquemos, por aqui, porque afigura-se sempre temerário especular, no seu nascedouro, as potencialidades de um paradigma.

ESTRATÉGIA METODOLÓGICA

Considerando que a demarcação científica vigente restringe o mundo ao âmbito visível e que a demarcação ontológica que preconizamos contempla, também, instâncias inteligíveis, podemos concluir que, essencialmente, estamos diante de uma diferença de perspectiva. Dado que apenas a terceira dimensão e os seus conteúdos são visíveis e que o modo científico de olhar apenas contempla o visível, esse olhar corresponde a olhar o algoritmo da criação a partir do topo, a partir da totalidade. Sendo as duas instâncias superiores do algoritmo – a totalidade e o tempo – invisíveis, o vislumbrado é apenas a terceira dimensão. Já o olhar ontológico corresponde a olhar o algoritmo de lado, vislumbrando toda a sua extensão. Os dois são modos de olhar

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correspondentes à realidade, mas não são, em absoluto, equivalentes e, muito menos, indiferentes, quanto à sua capacidade de revelar corretamente o mundo para um ser inteligente que depende da compreensão do mundo para se conduzir de modo adequado na vida.
Em termos estratégicos, precisamos considerar, particularmente, que, desde criança, fomos ensinados a priorizar como existente o mundo visível e, estendê-lo, agora, para instâncias meramente inteligíveis representa mudança substancial. Essa mudança, certamente, desafia nossa capacidade de adaptação, particularmente, em face da sedução e da importância que a visão sempre exerceu em nossas vidas. Mas é preciso ter em mente e reconhecer que, ser visível não constitui um critério confiável para determinar o que existe ou não. O tempo não é visível, e, no entanto, a ciência do visível teve de admiti-lo para harmonizar as suas equações, de sorte que, para recusar as demais instâncias, não basta arguir a razão de não serem visíveis. De mais a mais, o ser humano pauta-se na compreensão e no discernimento, e ambos são inteligíveis e não visíveis. O visível pode ser tocado, manipulado, testado, cheirado, pintado etc., mas não pode ser pensado. Da matéria podemos apenas interpretar a sua inteligência organizativa.
Olhar o mundo, vendo a materialidade passivamente, apenas curtindo a paisagem, constitui postura adequada quando o nosso propósito é espairecer e desfrutar do prazer de um momento de enlevo. Quando, porém, colocamo-nos criticamente diante da realidade, na tentativa de entender como essa realidade está constituída e, assim, determinar qual o comportamento mais conveniente e adequado, não basta ater-se às aparências. É preciso mergulhar na sua essência e compreender o fenômeno em todos os seus aspectos reais e potenciais, de modo a não ser surpreendido. Essa postura já não pode ser passiva, ao contrário, precisa ser crítica, inquisidora, metódica e examinar o objeto em toda a sua extensão, para obter compreensão que seja correspondente. Nessa hora, abandonar a comodidade do olhar e assumir a perspectiva dimensional que concede acesso à estrutura constitutiva do objeto constitui a opção mais segura, para se alcançar a compreensão que nos faculte um agir adequado. Nesse momento, não podemos ser contemplativos, precisamos ser ativos e metódicos.
Não parece difícil fazer as pessoas e as crianças aprenderem desde cedo que essas situações configuram dois momentos distintos diante do mundo, os quais exigem posturas também distintas, segundo as intenções que nos movem.
O referencial metodológico que esta tese metafísica do conhecimento propõe, para a abordagem ontológica dos problemas, é relativamente simples.

Figura 5 de TC

Figura 5 – Referencial metodológico da tese metafísica do conhecimento.

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Tratando-se de tese sobre o conhecimento e respeitando o entendimento já consagrado pela tradição, segundo o qual cabe à teoria do conhecimento explicar como torna-se possível produzir conhecimento no âmbito da relação sujeito – objeto, resulta evidente que isso somente pode ser levado a bom termo, caso se conte com uma concepção prévia do sujeito e, também, com uma concepção prévia do objeto. Sem isso, é impossível contemplar algo que resulte dessa relação, seja conhecimento ou outra coisa qualquer11.
Até aqui, nos títulos anteriores, dedicamo-nos justamente a apresentar e justificar a concepção metafísica de sujeito e de objeto que está por trás do referencial metodológico esquematizado na Figura 5. Essa concepção baseia-se em um algoritmo da criação, comum a sujeito e a objeto e que, por isso, confere-lhes o mesmo modo de ser, ainda que o entendimento, a compreensão e a consciência, geralmente objetivados pela palavra sujeito, pertençam a uma noosfera que se sobrepõe ao mundo objetivo. Nessa concepção, o ser humano é também um objeto como os demais, possuindo apenas a particularidade de viabilizar uma consciência e uma noosfera que replicam, em nova instância de complexidade organizativa, a mesma estrutura existencial determinada pelo algoritmo da criação. Essa consciência e essa noosfera permitem ao ser humano produzir conhecimento e entender o mundo do qual faz parte – uma potencialidade nada trivial e uma dádiva da natureza.
Daí, a importância crucial de uma teoria do conhecimento que seja aderente à natureza constitutiva do universo. Daí, a importância do algoritmo da criação, pois, sem um índice comum, regulador da existência, o universo não seria um cosmos e, sem esse índice comum, tampouco, nossa consciência teria condições de desenvolver conhecimento relativo e entendê-lo cada vez mais. Com a presença da teoria do conhecimento, não apenas podemos revisitar a Metafísica e a Ontologia, revisando os fundamentos que possibilitaram o advento do nosso universo, como também podemos examinar o próprio universo realizado e ampliar o que sabemos sobre ele.
Ao resgatar a presença do ser, da alma e da totalidade, a tese metafísica do conhecimento não apenas expande o âmbito existencial do universo local, estendendo a existência para além da matéria e do tempo, como também harmoniza o homem no seio da natureza, ao sintonizar o seu pensar individual com o modo de ser universal.
Nessa altura, a estratégia de abordagem parece evidente. É necessário contemplar o objeto, instância por instância, de O1 até O5, procurando, por meio dos pensamentos de S1 a S5, colher e organizar os dados e as informações em uma malha de inteligência interpretativa que nos satisfaça como conhecimento correspondente à inteligência organizativa do objeto.
A organização geral dessa malha de inteligência interpretativa já está dada pela estrutura dimensional, cumulativa e hierárquica do objeto. A qualidade do conhecimento produzido dependerá, porém, da habilidade pessoal no uso da ferramenta, algo certamente aperfeiçoável com o tempo.
Em sentido amplo, o ganho principal da perspectiva dimensional consiste em não mutilar a realidade na nossa observação e contemplá-la em toda a sua extensão inteligível. Esse olhar abrangente que não deixa realidade de fora, pela primeira vez, potencializa interpretação correspondente à realidade, algo que até agora se revelou impossível, em face da estreiteza do olhar cartesiano. Com isso, o

11 A desconsideração desse aspecto explica, em boa parte, o insucesso das tentativas pregressas de formular uma teoria positiva do conhecimento. Como discutir a relação entre A e B sem saber o que sejam A e B?

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nosso olhar sobre o mundo deverá voltar a vislumbrar o ser, a alma e a consciência, isto é, as dimensões que tipificam a condição humana, fazendo com que o rio da história da humanidade retorne ao leito natural, descortinado pelos gregos clássicos e por todos aqueles que antes deles viviam mais próximos dos deuses, para usar uma conhecida expressão de Platão.
Quanto ao processo, o primeiro passo consiste em definir precisamente qual é o objeto da análise ou da investigação que se pretende realizar, o que implica contemplar o ser do objeto [O1] com o modo de pensar [S1] e identificá-lo precisamente. Essa identificação nem sempre é fácil de ser realizada, pois, em muitos casos, ainda não se sabe inicialmente o que realmente queremos ou do que se trata. A própria atribuição de um nome ao ser pode ser problemática, tendo em vista que um nome se revela adequado na medida em que indica, também, o propósito do ser e, em certos projetos, o propósito pode surgir apenas a meio caminho.
Conceder atenção específica e dedicada ao ser, particularmente na educação das novas gerações, permite posicionar o ser no centro da cultura e do próprio mundo, uma vez que ele é o construtor do universo e o edificador do próprio ser humano. Nessas condições, constitui a razão de toda organização social e aquilo que precisa ser realizado em todas as suas potencialidades e que torna tudo o mais que existe no universo recursos e meios para facultar essa realização. Sendo o ser que edifica o universo, não existe universo a não ser para facultar a sua realização. Qualquer interpretação distinta dessa estará invertendo as coisas.
O resgate do ser permite à angustiada personalidade humana – que se entende como mero acidente ocasional no âmbito do devir – perceber-se como ser partícipe e ativo no processo de construção da complexidade universal e dar-se conta da dignidade que envolve tal papel. Os atributos do ser e, em particular, a sua posição existencial fora do âmbito do espaço e do tempo atenuam as preocupações com a brevidade da vida, expandem a compreensão para as leis universais permanentes e potencializam um desfrute mais sereno e prazeroso da vida. A par disso, o resgate do ser permite a cada homem identificar, no outro, um ser exatamente igual ao seu e, virtualmente, estabelecer com ele convivência mais harmoniosa e cooperativa.
O resgate da alma e da inteligência organizativa potencial em S2  O2 coloca a hipótese de uma memória cósmica, registro do conhecimento auferido e acumulado desde o início dos tempos, desafiando o ser a estabelecer, virtualmente, conexões sistematizadas com ela, na esperança de vertiginosa expansão da memória individual e da consequente expansão da capacidade criativa do ser. Também recoloca as potencialidades de realização que, por uma razão ou outra, ainda não foram aproveitadas em cada caso concreto, mas que estão aí na espera que uma decisão ou uma oportunidade enseje o seu florescimento. A alma define os espaços de possibilidade de realização do ser humano – tanto em termos orgânicos com o código genético como de realização histórica e de ontogênese – e, também, de realização no plano noético – em termos de competência cognitiva, criatividade e capacidade de discernimento. Ao olhar a alma como inteligência organizativa potencial, talvez, habilitemo-nos melhor a tratar dessa instância cientificamente, tal como a engenharia genética já o está fazendo.
Em qualquer projeto, a consideração da alma ou da inteligência organizativa potencial promete gerar conhecimentos relevantes para se aferir, em que medida, propósitos declarados encontram sustentação na estrutura constitutiva de quem os declara ou, ao contrário, os contradizem. Com a ampliação do saber sobre esse alicerce estrutural do ser humano, a escolha de profissão e a atribuição de funções poderão realizar-se com maior segurança e menos erros e desilusões.

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A consideração da materialidade [S3 ==> O3] e da ontogênese e da história [S4 ==> O4] já consta com mais detalhes do acervo de conhecimentos disponível. A principal mudança que a perspectiva dimensional introduz diz respeito à diminuição das suas importâncias, na constituição da realidade. Não são instâncias autônomas, independentes e autossuficientes, ao contrário, constituem parte de um todo maior, são importantes, é verdade, mas tão indispensáveis quanto as demais na constituição do todo. Um todo que transcende as partes possui desideratos próprios e lhes confere significado. Isso, por si só, significa que colocar o propósito da existência na propriedade da matéria e na preservação da juventude constitui equívocos monumentais. Da mesma forma, resta equivocado produzir ideologias baseadas nas lógicas de S1, S2, S3 e S4, com pretensão de conduzir a sociedade e a civilização – o todo – a bom termo. Toda e qualquer ideologia dimensional revela-se, assim, incapaz de gerir o todo que se situa para além do dimensional.
O resgate da consciência e do ser permite constatar que ser e consciência são realidades específicas e especializadas, constituídas sob medida para operar inteligência, e que inteligência é a matéria-prima com a qual o universo é edificado, sendo o seu construtor o ser.
Um ser com o qual nos deparamos, no íntimo de nós mesmos, no início deste trabalho, na reflexão de autoconsciência, que nos garantiu que, realmente, existimos em ato. Teilhard de Chardin, em seu monumental O fenômeno humano, sem conhecer o algoritmo da criação, já percebeu, em 1955, que o biológico evoluía na busca de crescente consciência e que isso pode ser detectado nas instâncias elementares da árvore da vida. Sendo a inteligência a matéria-prima com a qual o ser edifica o universo, o destino não poderia ser outro.
O resgate da totalidade permite superar a fragmentação e as inúteis disputas das ideologias da parcialidade que marcaram a história da civilização e, finalmente, permite que nos demos conta de pertencer a uma única e promissora espécie animal e de viver em um mesmo planeta, sem nos esquecer que, abaixo de nós, em sentido ontológico, estende-se vasta teia organizativa, biológica ou não, que nos sustenta como seres dotados de autoconsciência.
O resgate das instâncias não materiais da existência permite contemplar a instância material com a importância devida, em face do seu papel na edificação do todo, e, mais importante do que isso, permite libertar o homem da caverna platônica do mundo visível e facultar-lhe as possibilidades ilimitadas do mundo inteligível. É para isso que se justifica uma teoria do conhecimento.
Mas, se o algoritmo da criação constitui o índice comum capaz de harmonizar, liminarmente, o objetivo e o subjetivo, indicando que se trata de pura inteligência, o que é comum às duas instâncias – inteligência organizativa no mundo objetivo e inteligência interpretativa no mundo subjetivo–, tornando possível um conhecimento correspondente à realidade e à natureza, ainda não está esclarecido de que maneira o sujeito extrai do seu contato multidimensional com o objeto os dados ou elementos necessários para tecer compreensão que seja correspondente. Para enfrentar essa questão e determinar quando a inteligência interpretativa tecida pode ser considerada suficientemente correspondente, precisamos descer ainda mais fundo na toca do coelho.
Sabemos que os elementos que percebemos de um objeto, em face de nosso confronto com ele, são recepcionados pela mente, no âmbito de nossos referenciais e de nossas crenças, ou, dito de outra forma, no âmbito de uma bagagem de conhecimentos previamente existente. Daí, as diferenças de interpretação que se constata na prática já que cada ser humano possui experiência singular. Além disso,

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sabemos também que o humor e as emoções ocasionais também influem no modo como as coisas são recepcionadas e interpretadas pelos homens. Esses são dois componentes desestabilizadores do processo cognitivo que fragilizam a possibilidade de formalizar o ato mental de entender e de interpretar, de modo que garanta correspondência com a realidade.
Apesar da presença de tais elementos perturbadores do processo, não restam dúvidas de que interpretações correspondentes são conseguidas, como atesta a tecnologia moderna produzida pela ciência. Quer parecer-nos que a explicação disso reside na própria inteligência, a qual é o elemento comum à organização e à interpretação. Como vimos, essa inteligência organizativa expressa compromissos estruturais da forma, da quantidade e do movimento que moldam toda manifestação existencial e que são estudados na Geometria, na Matemática e na Lógica. Qualquer organização resulta da conveniente articulação de tais compromissos ou propriedades estruturais, motivo pelo qual cremos que a existência se dá apenas em espaços de possibilidade demarcados por essas ciências. Ora, toda organização resultante dessa articulação de propriedades apenas pode constituir uma totalidade em presença da mais plena coerência e complementaridade entre seus termos, coerência essa patrocinada essencialmente pela Lógica. A essa coerência interna designamos inteligência.
Quando elaboramos uma interpretação insatisfatória, ficamos com impressão intuitiva de desconforto e desassossego, pressentindo que algo pode estar errado, embora, normalmente, não saibamos do que se trata. Quando, ao contrário, a conclusão satisfaz-nos plenamente, sentimo-nos confiantes e seguros. A costura da inteligência interpretativa faz-se paulatinamente, na intenção de que ela seja correspondente à inteligência organizativa do objeto. Usam-se, para isso, conceitos como elementos significativos e lógicas como elementos de articulação dos conceitos. A costura será bem-sucedida, na medida em que a interpretação resultante se nos afigurar coerente, completa e correspondente.
A garantia dessa coerência e dessa correspondência será dada, de um lado, pelo referencial utilizado – e, nesse sentido, o algoritmo da criação constitui garantia de que o objeto está sendo contemplado em sua inteireza e em todos os seus elementos constitutivos – e, de outro, pela nossa satisfação com a interpretação alcançada e a convicção de que estamos bem instrumentalizados para a ação. Essa satisfação resulta, quer-nos parecer, da coerência interna e da completude que intuitivamente percebemos presente na interpretação. A consciência, conhecendo a constituição ontológica do objeto, revelada pelo algoritmo da criação, percebe que os conceitos articulados na interpretação são correspondentes àqueles necessários e capazes de edificar a inteligência organizativa que determina o objeto, segundo o grau de sensibilidade de cada um. Daí, a satisfação pessoal resultante: o entendimento auferido satisfaz as necessidades e as possibilidades de quem pensa.
Com isso, embora experiência pessoal e emoções possam dificultar a correta interpretação, a disponibilidade de uma teoria metafísica do conhecimento, explicativa da constituição essencial do objeto e da constituição essencial do sujeito, parece possibilitar um uso mais competente dos recursos interpretativos disponíveis e, virtualmente, faculte ao homem ação mais adequada junto à natureza.

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PALAVRAS DE ENCERRAMENTO

Adotamos a consagrada expressão teoria do conhecimento no título, visando a permitir que as pessoas saibam logo do que se trata. Apesar disso, no texto, tivemos o cuidado de qualificar a proposta como tese, isto é, como projeto de uma teoria do conhecimento. A ortodoxia acadêmica há de colocar reparo à construção, por não contemplar todos os autores que escreveram sobre o tema. Pensamos, porém, que o modelo acadêmico de dissertação se presta melhor para comentar do que para configurar um produto original que, virtualmente, pode requerer condicionantes próprios. As referências utilizadas estão devidamente indicadas e haveria mais antecedentes a indicar, porém, isso levar-nos-ia a ultrapassar o âmbito dos saberes geralmente aceitos como conhecimentos formais e levar-nos-ia ao âmbito mitológico do qual Platão sintomaticamente tanto valeu-se. Dado os rumos assumidos pela civilização moderna, pensamos que isso acabaria sendo contraproducente. Sabemos, porém, que Pitágoras teve suas fontes, e quem procurar há de encontrá-las.
Quanto ao conteúdo, pensamos ter apresentado a sequência de argumentos necessários à fundamentação da tese da existência de sintonia original entre o objetivo e o subjetivo, dispensando argumentos teológicos e valendo-se apenas das leis do pensamento. A diversidade de problemas conexos para os quais a tese oferece solução e a coerência interna presente tanto na estrutura geral do algoritmo da criação como nos detalhes de cada uma de suas instâncias constituem indícios robustos de estarmos diante de um modelo aderente à realidade e, consequentemente, dotado de promissoras possibilidades de ampliar e de aperfeiçoar o discernimento humano.
Pensamos que o domínio pleno do ato de pensar constitua não apenas o desafio maior de qualquer espécie inteligente dotada de livre arbítrio, mas também uma questão urgente do nosso tempo, em face dos sinais de deterioração da racionalidade, em quase todos os estratos sociais, e das tendências nada promissoras da ordem e da organização das sociedades, em todo o planeta. Em razão do espírito civilizador que norteia o grupo das Segundas Filosóficas, pensamos que se estão esgotando, rapidamente, as possibilidades de corrigir o rumo da civilização por meio de medidas administrativas e que, caso nada seja feito, as soluções posteriores tendem a impor custos dramáticos à população mundial.
Certamente, esta concepção de teoria do conhecimento admite aperfeiçoamento, mas, em razão das circunstâncias, resulta melhor publicá-la logo, na esperança de facultar outras mentes a compreender que existe alternativa à pós-modernidade já desenhada. Também temos pressa para divulgá-la, em virtude de promessa feita, há mais ou menos um ano, a professores e alunos pesquisadores de teoria do conhecimento, particularmente do terceiro mundo – os quais percebemos envolvidos em luta e empenho educacional desigual contra circunstâncias que apenas podem ser superadas pela ampliação do discernimento geral –, que já perceberam que a mudança requerida é, sobretudo, mental.
O professor que motiva seus alunos para o estudo de teoria de conhecimento equipara-se a Platão, no esforço de pretender que seus alunos desenvolvam discernimento próprio e se tornem mentalmente emancipados. Esse, aliás, é o propósito que justifica um sistema de ensino, em uma civilização centrada no ser, tal como essa concepção de mundo e de teoria do conhecimento preconiza. Aos professores e alunos interessados na questão, nossas desculpas por não entregar o pão pronto. Pensamos, entretanto, estar disponibilizando a farinha, o sal e

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o fermento, para que cada um possa preparar, logo, o pão, na forma que lhe parecer conveniente. O tempo urge, e não estamos convictos de reunir condições de elaborar a ferramenta de uso geral mais útil que fica, aqui, pendente.
De certa forma, o sucesso da ciência responde pelo fracasso da organização social em amplas regiões do planeta que não experimentaram o Iluminismo e estão ameaçadas de passar diretamente para a tenebrosa pós-modernidade ensejada pelo cartesianismo, em razão da sua ocultação das dimensões nobres da constituição humana e o consequente esgarçamento crescente do tecido social. Chance importante é o sistema de ensino dar-se conta de que, com o olhar preso e limitado à materialidade, está produzindo homens mutilados – dotados de organismos, de história e de personalidades próprias, mas desprovidos de alma – que não chegam a ser consciência, na medida em que apenas sabem o que a sua experiência pessoal de vida lhes ensinou. Deficitários de ser, de alma e de consciência, esses produtos da cultura moderna parecem autômatos ou androides desprovidos de intelecto: tornam-se eficientes técnicos e excelentes soldados, capazes de desenvolveram técnicas que matam à distância sem sujar as mãos, em razão do que são considerados úteis e civilizados. Nesse sentido, urge uma teoria do conhecimento que permita retomar o projeto grego e formar homens integrais em suas potencialidades tipicamente humanas.
Se em pleno século XXI ainda existem humanoides capazes de matar semelhantes, no varejo e no atacado, seja em razão de uma formação que cultiva primários instintos animais, seja em nome de uma deformação ideológica, intencional ou criminosamente cultivada em crianças desprotegidas, seja em razão de desigualdades sociais aviltantes não resolvidas, precisamos reconhecer que, como espécie, fazemos por merecer essa pós-modernidade tenebrosa que bate à porta. Se a teoria do conhecimento está certa, ao entender que a qualidade da ação humana depende da qualidade do discernimento, resta concluir pela nossa monumental ignorância e pelo nosso absoluto despreparo, para formar homens íntegros e conduzir a civilização a bom termo. Não adianta reclamar do terrorismo e do avanço da criminalidade em extensas regiões do planeta, precisamos parar de insistir com o mesmo remédio que não está dando certo e desconfiar que estamos cometendo algum erro monumental de partida. Em última instância, o mal reduz-se à ignorância, e somente a sua superação pode ensejar uma civilização superior. Dado que toda a atual humanidade foi formada e, em certa medida, deformada pelo paradigma cartesiano, a emergência de uma teoria do conhecimento que exige ampla reprogramação mental, talvez, zere a corrida e faculte condições, se não iguais ao menos semelhantes para as nações, na formação de homens integrais e não mutilados em sua humanidade e, assim, quem sabe, seja possível, enfim, superar, também, as diferenças econômicas e sociais historicamente acumuladas.
Em razão dos condicionantes lógicos, geométricos e matemáticos que regulam a evolução da organização, no sentido da complexidade crescente, a natureza derivou o filo dos homo sapiens a partir do ramo dos hominídeos e concedeu-lhes livre arbítrio. Certamente, um projeto ambicioso da natureza, com possibilidades de gerar consciência capaz de tornar a evolução orientada e consciente de si mesma, mas também empreendimento de risco, ao conceder, simultaneamente, inteligência e liberdade a uma espécie de base animal, base na qual predominam e são naturais apenas os próprios instintos, desenvolvidos sob dramáticas pressões de sobrevivência. Com tal base animal, a racionalidade precisa ser cultivada e desenvolvida paulatina e socialmente, em face da experiência, da observação e da experimentação. Caso essa inteligência e essa liberdade “subir-lhe à cabeça”,

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fazendo o ser humano acreditar que, sendo criador, tudo pode, configuram-se condições de fracasso do projeto, por desconsiderar que a própria natureza teve que se ater às disposições dessas leis na edificação do universo factual. Enquanto o homem entender que pode fazer qualquer coisa, mesmo no âmbito das leis sociais, o projeto encaminha-se para o fracasso. Para evitar que isso ocorra, impõe-se reconhecer que não se prenuncia existência à margem do espaço de possibilidades delimitado pela articulação inteligente de lógica, de geometria e de matemática. Também reconhecer que, se essas leis naturais nos trouxeram até aqui, parece inteligente continuar a observá-las para seguir adiante, afinal trata-se de processo cumulativo. Isso significa que a legislação humana destinada a reger o convívio social bem como os projetos humanos de toda ordem não podem afrontar as leis naturais, posto que todo o mundo humano está alicerçado sobre a natureza e depende dela para se manter. Isso indica que o ser humano foi, realmente, agraciado com a possibilidade de orientar, conscientemente, a evolução, mas que a liberdade para fazê-lo não é absoluta e, ao contrário, está contida no âmbito das leis naturais, sendo a forma, o movimento e a quantidade, os tipos de limites mais evidentes. Daí, mais uma vez, em outros termos, a necessidade de uma teoria do conhecimento que nos sintonize com a natureza e nos revele as leis que precisam ser observadas. Caso fracassemos nisso, a espécie perde a sua razão de ser, e o filo há de estagnar ou definhar, como tantos outros.

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