O VERDADEIRO DESAFIO AMERICANO

O homem age segundo o seu discernimento. Nesse sentido, não se pode ignorar que a reação americana à agressão terrorista de Nova Iorque configura-se com a mesma racionalidade do atentado: uma tragédia ditada pela lei física, segundo a qual, a toda ação corresponde uma reação de igual intensidade e sentido contrário. Em termos de racionalidade, tampouco podemos desconhecer que esse procedimento configura atitude típica de vida animal situada em estágio evolutivo anterior à conquista do livre arbítrio. Ambas são atitudes que dispensam a razão, basta adrenalina.

Apesar de as circunstâncias terem protelado a reação e de o tempo ter permitido contar até 10 e apesar do que clamam os editoriais que, em todas as partes do mundo, buscam as razões profundas daquele ato, parece que a razão americana não consegue perceber o que os meus olhos, feridos por uma dor transcendental, vislumbraram naquela manhã do dia 11 de setembro: no voo curvo daquele avião – um bumerangue.

Trinta dias depois, a perplexidade transforma-se em temor: mais do que a dor da nação americana persiste a dor da espécie, brutalmente advertida, e se consolida a percepção do quão imperioso é, para a humanidade, compreender corretamente os fatos e encontrar um caminho alternativo ao confronto.

Nesse sentido, quer parecer-nos que a verdadeira e decisiva batalha não está sendo travada no Oriente Médio, nem envolve mísseis, navios ou o circo que se arma para satisfazer interesses industriais. A verdadeira batalha é o conflito estrutural em que se digladia o espírito ocidental ao ver o seu modo predominante de pensar revelar-se impotente diante da nova realidade.

Particularmente, americanos e ingleses, que são os povos que mais profundamente absorveram o padrão funcional de pensamento, e que, por isso mesmo, melhor souberam capitalizar as potencialidades científicas e econômicas implícitas, tendo sido regiamente beneficiados pelos modelos econômicos e políticos derivados, enfrentam hoje, de forma aguda, o terrível dilema da caducidade dessa lógica e devem estar sofrendo dores profundas para compreender o clamor universal por ponderação e serenidade.

Nessas alturas, as instâncias mais lúcidas já compreenderam que, para conquistar o Afeganistão, melhor do que bombas seria um Plano Marshall que resgatasse as condições de vida do povo afegão e o prestígio norte-americano na região. Mas, como fundamentar lógica e racionalmente a atitude de responder uma agressão tão odienta com atos de amor e desprendimento? Trata-se do Estado e não da Igreja americana.

Por isso, configura-se decisivo ajudar a razão americana a resolver o conflito estrutural entre o que pressente por intuição e o que dita sua lógica funcional. A reação americana não será eficaz enquanto o espírito americano não resolver esse conflito psicológico e conquistar uma base lógica consistente e estruturada, capaz de dar suporte a uma ação justa e consequente que supere a tentação insustentável de bater e assoprar.

Para tanto, a cultura americana precisa estudar e dominar a lógica complementar de que nos fala a natureza e, também, certas correntes alternativas de pensamento, como o cooperativismo, o movimento ecológico e a cultura holística. Essa lógica complementar representa o fundamento conceitual que a nova realidade reclama, porque responde às necessidades que a lógica funcional deixa a descoberto e porque possui a propriedade de justificar racionalmente a ação ora requerida.

Ao falar de lógica, estamos falando de competência mental e não de benevolência, tanto assim que estamos acenando com um padrão lógico que representa constante universal: a matéria somente existe porque o átomo é uma estrutura perfeitamente estável, sendo essa estabilidade fruto de força integradora que domina plenamente o mau humor dicotômico de elétrons e prótons que, em seu interior, vivem às turras. Não fosse assim, o Universo continuaria sendo um oceano de energias caóticas e não uma maravilha cósmica organizada ao ponto de gerar vida e inteligência.

Assim como no microcosmo do átomo, o ímpeto dicotômico de elétron e próton é contido por força integradora de nível superior, no macrocosmo dos sistemas estelares, o mesmo fenômeno se repete, dominando as forças centrípetas e centrífugas beligerantes, mantendo estáveis os sistemas planetários. Tais fatos demonstram que no cosmo predomina uma lógica do todo, integradora e não excludente, de caráter complementar e não dicotômico. Essa lógica encontra-se hoje plenamente formalizada.

O que essa lógica complementar demonstra é que a prevalência de qualquer uma das forças dicotômicas interiores decreta o fim da existência do fenômeno em conflito. Assim, promover a globalização com base em uma lógica competitiva representa claramente um suicídio. A complexidade produz-se pela harmonização e não pela eliminação das diferenças.

E aí chega-se ao âmago doloroso da questão: a opção competitiva é primária e burra: as amebas competem. A tentativa civilizatória patrocinada pela dicotomia dialética da lógica da história desapareceu com a desagregação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A opção civilizatória patrocinada pela dicotomia sistêmica da lógica funcional teve seu alicerce definitivamente comprometido no atentado de Nova Iorque. E quem patrocinou esse desastre foi a dicotomia fragmentadora da lógica da diferença, absolutamente desprovida de qualquer momento de síntese. Restam, pois, dois padrões lógicos: a lógica transcendental, capaz de fundamentar nossa relação com o absoluto, e a lógica complementar, com a qual a natureza produz a crescente complexidade universal.

Assim, dois caminhos se oferecem ao povo americano: ou domina a lógica complementar, conquista um discernimento superior e com base nele conduz o mundo a uma era de esplendor planetário, em que a vida seja digna em todos os quadrantes, ou mantém o padrão dicotômico capitalista, até que o império se dilua como todos os anteriores, em meio à morte e à destruição. E não se transfira para Deus a responsabilidade de salvar a América.

 Brasília, 11/9/2002.

Rubi G. Rodrigues

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