ESPAÇO-TEMPO: UMA MUTILAÇÃO DA REALIDADE
Não se trata de aniquilar a ciência, mas de dominá-la.
Nietzsche
INTRODUÇÃO
A inteligência e o livre arbítrio são os dois grandes privilégios concedidos pela natureza à espécie humana. Um empreendimento, simultaneamente ambicioso e de alto risco, tendo em vista ser a inteligência meramente potencial e demandar desenvolvimento no curso da vida, para ensejar capacidade de discernimento superior, compatível com a prerrogativa do livre arbítrio. De um lado, um potencial criativo virtualmente ilimitado e, de outro, a marca indelével da tragédia humana, caso a evolução do discernimento não acompanhe o curso da história: um ignorante provido de livre arbítrio e de tecnologia representa perigo para todos.
O curioso é que a estagnação não decorre de algum obstáculo interposto pela natureza, mas do simples apego dos homens a conceitos superados que já não se aplicam bem a novas circunstâncias e que subsistem, em boa parte, por comodismo intelectual. Entre tais casos, inscreve-se o conceito de localidade – espaço-temporal – adotado pela Física e pela ciência em geral, a partir de Einstein, no início do século XX. Os problemas mais graves nem decorrem exatamente dessa opção da ciência em limitar o seu objeto àquilo que se manifesta presente no espaço e no tempo, isto é, à trilogia matéria, espaço e tempo. Os problemas mais graves derivam da extensão do conceito de localidade científica à localidade do universo, à sua aplicação como localidade da existência, pois isso reduz o universo ao contido no espaço e no tempo. A ciência pode dedicar-se a estudar um fenômeno particular qualquer, mas o homem precisa entender o mundo todo para poder navegar na vida, com um mínimo de segurança, o que significa interpretar corretamente as circunstâncias e agir de acordo. Caso a visão do mundo esteja equivocada, torna-se simplesmente impossível agir de acordo. A situação social e política hoje vivenciada, no Brasil e no mundo, evidencia que problemas acumulam-se de forma crítica, restando configurada crise civilizatória de escala planetária.
Pensamos que essa situação decorra não apenas de concepções políticas equivocadas ou de lideranças incapazes, mas também de algo muito mais fundamental do que meros valores culturais ou políticos. Pensamos que ela decorra do modo básico como olhamos o mundo, um modo de olhar, no ocidente, ao menos, aprisionado pelo modo científico de pensar que reduz o mundo ao espaço e ao tempo e cria a expectativa de que tudo deve comportar-se como as coisas comportam-se no espaço e no tempo, o que, decididamente, não corresponde à realidade.
Para entender o tamanho do equívoco que cometemos ao reduzir o mundo ao espaço e ao tempo, precisamos retomar o pensamento grego clássico e entender que o universo é organizado, segundo leis universais, e que toda a existência dá-se dentro do espaço de possibilidades determinado pela inteligente articulação de forma, de movimento e de quantidade, ou seja, em espaço de possibilidades essencialmente determinado pela Geometria, pela Lógica e pela Matemática. Caso assim não fosse, o universo não poderia ser entendido e interpretado. É unicamente em razão de a constituição da natureza obedecer a leis lógicas e de o pensamento ser regido pelas mesmas leis que o entendimento do mundo faz-se possível.
O corolário dessa constatação é não ser possível nem modo de existir nem modo de pensar, à margem de tais leis. É por obedecer a leis imutáveis que o abacateiro não degenera a produzir bananas. É também por obedecer a leis lógicas universais que o homem apenas pode executar cinco padrões de pensamento, exatamente determinados por cinco padrões lógicos definidos, e está impossibilitado de executar pensamento diferente desses. Tratando-se de operação subjetiva, o pensamento humano é acionado por intenções que motivam os indivíduos, sendo, nesse sentido, plástico e direcionável para muitos e diferentes objetos de saber. O livre arbítrio consiste dessa faculdade de escolher o que pensar e como agir, mas não nos dispensa de obedecer às leis lógicas, posto que não há pensamento à margem delas. O que se passa é que cada padrão lógico de pensamento apenas se presta para focalizar determinado modo de ser presente na natureza. Serve apenas para contemplar o modo de existir que lhe é correspondente, porque ambos – ser e pensar – obedecem à mesma lei lógica. Com isso, resulta consequente que os modos de existir da natureza correspondem aos modos de pensar de consciência plenamente desenvolvida e que, caso consigamos modelar os modos de pensar, teremos também modelado os modos de ser da natureza e estaremos habilitados a convívio harmonizado com ela.
O CARÁTER DIMENSIONAL DAS LÓGICAS E DOS PADRÕES DE PENSAMENTO
Existe certa tradição esotérica de conhecimentos iniciáticos que tentamos traduzir em termos científicos modernos, em uma teoria metafísica do conhecimento (RODRIGUES, 2017), tal como os gregos clássicos o fizeram, em termos matemáticos, a partir da mitologia egípcia, sugerindo que os cinco padrões humanos de pensamento possíveis obedecem a amplitudes dimensionais específicas ou podem ser classificados segundo as amplitudes dimensionais demandadas pelos movimentos inferenciais respectivos. Como todos nós sabemos, o padrão de movimento resulta determinado pela amplitude disponível para o movimento dar-se. Com isso, apoiados em geometria, podemos mostrar o caráter dimensional dos padrões de pensamento e, assim, gerar um modelo interpretativo compatível com a organização da natureza. Não sendo possível tal empreitada sem esforço meditativo, convidamos o leitor para fazermos isso conjuntamente.
O pensamento mais simples é aquele que permite perceber uma presença ou um obstáculo, o que nos faculta, por exemplo, desviar e não trombar com ele. Essa presença surge na consciência, permanece nela alguns segundos e, depois, desaparece virtualmente porque a atenção voltou-se para outra coisa. O movimento inferencial revela-se claro: a presença surge, permanece algum tempo e, depois, desaparece. Esse mesmo padrão de movimento explica a presença do ser na existência – seja humano ou outro ser qualquer – que, em certa ocasião, surge na existência, permanece nela algum tempo e, depois, desaparece – padrão de movimento que, virtualmente, aplica-se a tudo o que existe em nosso universo. Em termos geométricos, esse padrão de movimento corresponde ao ato de traçar uma reta no papel: em dado momento, o lápis encosta no papel, a reta começa, estende-se por um tempo qualquer, e, depois, o traçado cessa, restando desenhado um segmento de reta. Esse desenho representa uma reta ideal, definida geometricamente como produto do deslocamento de um ponto em um dado sentido. O ponto, por sua vez, é definido como um lugar no espaço desprovido de dimensão, de sorte que a reta ideal não possui espessura, apenas o sentido do deslocamento do ponto. Por isso, entende-se que a reta ideal possui apenas uma dimensão e serve bem para representar amplitude existencial de uma só dimensão. Com isso, resta caracterizada amplitude unidimensional, na qual apenas cabe certo padrão de movimento e à qual corresponde um único padrão de inferência, determinado justamente pelo padrão de movimento. Esse movimento cumpre ser entendido, consequentemente, como padrão lógico, o qual é designado de padrão lógico transcendental, uma vez que vislumbra o surgir, o persistir e o desaparecer de uma presença na existência. Esse padrão de pensamento possibilita outros tipos de inferência (a identificação, a intuição, o pressentimento, a busca na memória, entre outros), que não cabe aqui discutir, já que se pretende apenas mostrar que se trata de padrão de movimento próprio de amplitude determinada, no caso, unidimensional.
O segundo pensamento mais simples é aquele que nos permite diferenciar duas presenças. Para justapor duas presenças, já é necessária amplitude de duas dimensões, bem caracterizada pela figura geométrica do plano ideal. A inferência que distingue constitui movimento típico do plano, em que vigora a simetria, pois o que se oferece à direita possui sempre um correspondente, real ou potencial, à esquerda. O pensamento da diferença é um pensamento mais complexo do que o pensamento identificador amparado pela lógica transcendental, sendo também um pensamento acumulativo, uma vez que diferenciar A de B exige a identificação prévia do que seja A e do que seja B. Esse caráter cumulativo também está presente na geometria dimensional, visto que, no caminho natural de complexidade crescente, uma instância de duas dimensões pressupõe uma instância mais simples de apenas uma dimensão, o que demonstra forte evidência da harmoniosa combinação de lógica e geometria na edificação da realidade. O padrão lógico vigente na segunda dimensão é designado de lógica da diferença, e a instância comporta não apenas a geometria euclidiana e todas as diferenças que a natureza capitaliza para produzir organização, como também a própria inteligência organizativa potencial que gera estruturas, como, por exemplo, o código genético que determina a compleição do organismo, para mencionar um fato de domínio geral. Portanto, o pensamento diferenciador e a lógica da diferença são específicos de uma amplitude de duas dimensões.
O terceiro padrão de pensamento vislumbra a terceira dimensão da realidade, já aceita pela ciência atual como sendo a sede do espaço e da matéria, instância mais familiar a todos, em razão de contemplar a lógica clássica aristotélica do terceiro excluído, que fundamenta a ciência moderna. Esse modo de pensar vislumbra as relações de causa e efeito presentes no confronto de matéria com matéria, identificando, dessa forma, os casos em que essa relação se revela constante, e possibilita a construção das cadeias sistêmicas que viabilizam as máquinas e as ferramentas e, assim, toda a tecnologia que presentemente facilita a vida dos homens. Na amplitude de três dimensões, torna-se possível, além de contemplar A e B, qualificar também a relação que, entre eles, estabelece-se. O padrão de movimento típico de uma amplitude de três dimensões é circular, volumétrico e confinado em um âmbito restrito, tal como o contido no interior de uma esfera. Ao privilegiar causa e efeito em relação estável, esse padrão de pensamento resulta tipicamente sistêmico.
O quarto padrão de pensamento vislumbra o tempo que pertence à quarta dimensão da realidade e permite que a matéria da instância anterior movimente-se no tempo e no espaço, em evidente indicação de que também se trata de instância cumulativa. Ao visualizar o transcorrer do tempo, esse padrão de pensamento viabiliza a perspectiva histórica dos indivíduos e das sociedades. A lógica que fundamenta esse modo de pensar é designada dialética, por contemplar as interações, conflitivas ou não, do ser com os demais fenômenos que fazem parte das suas circunstâncias. É, no curso do tempo e ao sabor da dialética, que se dão a ontogênese, o aprendizado e a história dos seres vivos.
Como verificamos, esses quatro padrões de pensamento são tipicamente modos de pensar dimensionais, exatamente correspondentes às quatro dimensões que são exigidas para recepcionar a existência em seus aspectos conhecidos mais evidentes. Ocorre, porém, que a mera conquista de amplitude existencial crescente, obtida pelo desdobramento das quatro primeiras dimensões, embora necessária para comportar a natureza conhecida, revela-se insuficiente para justificar a existência da diversidade fenomênica constatada no universo. Para viabilizar a diversidade, impõe-se que cada fenômeno constitua uma unidade destacada e destacável das demais no seio da diversidade, e isso exige que cada fenômeno seja fechado em uma totalidade situada para além da quarta dimensão, isto é, para além das partes. Sem esse fechamento, a diversidade seria inviável e os fenômenos indistinguíveis no oceano de energias que compõem o corpo universal. A prova irrefutável da necessidade de uma instância totalizante, para contemplar os fenômenos existentes em toda a sua extensão existencial, é o fato de não existir isolado na natureza algo que corresponda ao conceito analítico de parte. A natureza apenas admite, na existência, fenômenos complexos fechados em totalidades unitárias, e a complexidade realiza-se não juntando partes, mas articulando inteligentemente totalidades bem constituídas. Estas configuram existência situada para além da mera soma das partes, ensejando o surgimento de natureza que, em termos de complexidade, situa-se também para além da natureza das partes. O exemplo claro é o da molécula de água, cuja natureza diferencia-se totalmente da natureza dos átomos que entram na sua composição. Essa instância de totalidade pode ser representada, em termos geométricos, pela superfície da esfera, que apenas assume a condição unitária, quando todas as partes constituintes afiguram-se perfeitamente complementares e o todo resulta plenamente fechado em unidade. O pensamento que vislumbra a totalidade obedece a uma lógica de padrão complementar que une, congrega e procura harmonizar as partes para viabilizar o fechamento da totalidade. Os pensamentos relativos às instâncias dimensionais são todos dicotômicos e conflitivos porque capitalizam diferenças entre ser e não ser, entre um e outro, entre causa e efeito e entre tese e antítese. Ao contrário disso, o pensamento da totalidade é complementar e procura harmonizar e superar as diferenças para viabilizar o todo. Por contemplar o todo, essa lógica pode ser designada de lógica holística, e o pensamento ecológico constitui exemplo indicativo desse modo de pensar. No ser humano, a instância de totalidade inscreve-se como locus apropriado para recepcionar a consciência que, em linhas gerais, já é aceita como elemento típico – da totalidade – da condição humana.
Com o percurso até aqui cumprido, defende-se a tese de que a consciência humana encontra-se aparelhada para executar cinco padrões de pensamento, cada um deles amparado por um padrão lógico próprio, determinado por cinco amplitudes dimensionais segundo as quais a natureza do universo e a própria consciência edificam-se. Essa tese, de orientação metafísica e ontológica, pressupõe que o universo seja organizado por leis universais, implícitas e derivadas da inteligente articulação das propriedades estruturais de três ciências, pretensamente, exatas: a Geometria, a Lógica e a Matemática. Essas propriedades estruturais – da forma, do movimento e da quantidade –, que são objetos dessas ciências, constituem, por assim dizer, a natureza essencial da existência relativa do locus que recepciona o nosso universo e que, nessa condição, exige a presença de elemento energizador e despertador dessa inteligência, para que a edificação no mundo deflagre-se. Essa natureza exige um agente, e esse agente a metafísica designa por ser, um ser cuja emersão na realidade é demonstrada em laboratório, nos experimentos de passagem de nível de elétrons de uma órbita do átomo para outra, na forma de quantum de energia. A Física explica essa passagem de nível não como deslocamento entre um nível e outro, mas como desaparecimento em um nível e ressurgimento em outro, com carga energética diferente, o que exige certo comércio de energia com um “vácuo cósmico” imponderável, tido como fonte inesgotável de energia. Com as presenças desse ser-energia provido de inesgotável impulso para a complexidade organizativa[1] e dessa natureza, geométrica, lógica e matematicamente inteligente, estão dadas as condições essenciais suficientes tanto para justificar racionalmente o advento e a evolução do universo como para configurar a sua compleição geral no formato dimensional.
Ora, se, de um lado, o pensamento humano resulta dimensional, ou seja, contempla conteúdos que se manifestam em amplitudes existenciais dimensionalmente determinadas e se, de outro lado, a realidade conhecida pode ser recepcionada e justificada, integralmente, por um modelo pentadimensional, precisamente correspondente, fica também justificada a possibilidade de a consciência humana estabelecer relação coerente com a natureza, em virtude de consciência e natureza comungarem do mesmo padrão de movimento existencial. Com esse modelo pentadimensional, a pretensão humana de interpretar e de entender o mundo fica, racional e logicamente, justificada.
AS LIMITAÇÕES DA LOCALIDADE ESPAÇO-TEMPO
Por não dispor desse modelo pentadimensional, Einstein, arbitrariamente – segundo suas próprias palavras –, estabeleceu uma instância única e irredutível, dita de espaço-tempo, como localidade da ciência. Essa localidade espaço-temporal atende ao que se mostra mais evidente ao nosso sentido da visão, que percebe a matéria e o seu movimento no espaço. A par disso, o movimento existencial da matéria obedece à lógica clássica que vislumbra os casos de relação constante de matéria com matéria, entendidos como relações constantes de causa e efeito, o que configura, para uma tal ciência, ambiente estabilizado de pesquisa e de teste de hipóteses. A evolução experimentada, na modernidade, pela ciência da matéria, testemunha a efetividade produtiva desse modelo proposto por Einstein.
O que Einstein, ao que tudo indica, não previu foi o efeito colateral do sucesso da ciência e da tecnologia derivada, tornando o modo científico de pensar hegemônico e único merecedor de confiança, ao menos, no âmbito da civilização ocidental. A lógica de causa e efeito justifica, em parte, essa confiança, mas o poder econômico gerado pelo comércio e pela indústria, ambos frutos potencializados pelo avanço da tecnologia gerada pela ciência, também canalizou recursos e interesses para o favorecimento da ciência. O resultado prático foi a captura dos processos de ensino pelos interesses econômicos da indústria e a consequente redução da original universalidade dos sistemas de ensino àquela formação conveniente ao comercio, à indústria e, enfim, aos interesses financeiros. A transformação profunda e inconsciente operada, entretanto, foi a elevação indevida da localidade espaço-tempo da ciência à condição de localidade sede do mundo e da realidade e, por consequência, ao cultivo e à valorização exclusiva do que se oferece a esse tipo de visão. Daí, a valorização e o desejo de posse de matéria e de bens materiais e a hegemonia absoluta dos modos sistêmicos e históricos de pensar. Não poderia ser diferente, porque, mesmo que não se tenha consciência disso, espaço e tempo dizem respeito à terceira e à quarta dimensões da realidade e, nestas, vigoram apenas a lógica clássica dos sistemas e a lógica dialética da história.
A submissão de todo o sistema de ensino e da Academia, em particular, à perspectiva espaço-temporal da ciência produziu consequências verdadeiramente trágicas. Para visualizar com clareza os prejuízos que disso decorrem, utilizemos um esquema indicativo da extensão da realidade, segundo indica o modelo dimensional, e da mesma extensão, segundo o modo científico de ver a realidade. No esquema, indicamos os cinco modos de pensar já discutidos, usando as notações de S1 a S5, sendo S1 o modo de pensar mais simples. O1 a O5 indicam as instâncias da realidade que lhes são correspondentes, com O5 indicando o que realmente existe em ato na natureza, na forma de totalidade, a qual resulta de processo formativo que se estende do simples para o complexo e que envolve reiterado acúmulo de conteúdos dimensionais, até que a condição de totalidade unitária seja atingida e o fenômeno em construção ganhe assento, na existência, como unidade destacada das demais. Isso significa que O1, O2, O3 e O4 antecedem ontologicamente a O5 e constituem instâncias ontológicas, isto é, que não existem isoladamente na natureza, uma vez que apenas na forma O5 o fenômeno, de fato, passa a existir.
O esquema mostra que, embora a realidade estenda-se por cinco instâncias dimensionalmente diferenciadas, a localidade da ciência vislumbra apenas duas delas: o espaço e o tempo. Essa opção limitante não se mostrou problemática nos primeiros estágios da ciência, e, apenas com a Física Quântica, a inadequação começou a aparecer. O apelo a um conceito de não localidade quântica evidencia a dificuldade de superar o modelo enfrentado pela comunidade científica e, de certa forma, invoca a Metafísica, que é a única perspectiva capaz de avançar para além do espaço-tempo, tal como aqui o fazemos, com recursos da geometria dimensional. O problema, na verdade, não é o que a perspectiva da ciência vê, mas o que ela deixa de ver ou o que extravasa o seu referencial e resulta desprezado. Para a ciência, essa limitação representa apenas um entrave que retém o progresso, mas, para o sistema de ensino e para a espécie humana em geral, o resultado é catastrófico porque o homem conduz-se, na vida, de acordo com o seu discernimento. O modelo científico está induzindo visão equivocada da realidade.
CONTEÚDOS OBJETIVOS DE UMA LOCALIDADE DIMENSIONALMENTE DEFINIDA
A demonstração completa e suficiente dos conteúdos objetivos inerentes às três instâncias da existência, que o modelo de Einstein não vislumbra, demandaria um discurso metafísico que não cabe em uma comunicação provocativa como esta. Há, porém, evidências suficientes para sustentar a sua plausibilidade, como será visto adiante. Com isso, torna-se possível apresentar os conteúdos, em condição de serem meramente plausíveis, e deixar o convencimento para a fase subsequente, de análise e de interpretação da realidade, em que a própria luminosidade a ser lançada sobre os problemas, virtualmente, evidencie a pertinência do modelo.
Os nossos estudos mostraram que o ser constitui o conteúdo objetivo da primeira dimensão bem como o objeto central da Metafísica. O ser pode ser encontrado facilmente em nossa consciência, como agente ou intelecto operador de nossos próprios pensamentos. Nos momentos de introspecção, identificamo-nos com esse ser e percebemos que, em última instância, esse ser constitui-nos, razão pela qual afirmamos que temos um corpo e não aceitamos que o corpo tenha-nos. Como vimos ao contemplar a amplitude unidimensional, indicada geometricamente pela reta ideal, a instância apenas admite uma unidade indivisível, e a evidência mais clara de a instância ser adequada para recepcionar o ser resulta do fato óbvio de o nosso ser ser unitário e indivisível. Aliás, ser a única objetividade unitária conhecida, admitida, indivisível.
O conteúdo objetivo da segunda dimensão é melhor indicado na condição de inteligência organizativa potencial, definidora dos espaços de possibilidades dentro dos quais o ser pode realizar o ente em construção. O exemplo mais conhecido e claro dessa inteligência organizativa potencial é o código genético, que define a compleição dos organismos dos seres vivos. O modelo dimensional apenas inova o modelo já conhecido da ciência, indicando ser essa inteligência potencial mais ampla do que a registrada no código genético, uma vez que contempla tanto as possibilidades de ontogênese como as possibilidades da consciência e do ente em sua totalidade. A tradição designa essa inteligência organizativa potencial de alma, e não vemos razão para não manter essa designação.
O conteúdo objetivo da instância de totalidade, no caso do ente humano, parece ser a consciência que tipifica a condição humana. De um modo geral, já não se espera localizar a consciência em alguma parte do cérebro, em virtude de tudo indicar que cérebro e consciência possuem naturezas distintas. O que hoje se entende é que o cérebro seja apenas necessário para gerar a consciência. A localização da consciência na instância de totalidade, preconizada pelo modelo dimensional, sanciona a teoria das ideias de Platão, segundo a qual toda existência seria determinada por uma forma. O modelo dimensional sugere que a totalidade do ente seja configurada por inteligência organizativa efetivamente realizada, solução que fecha, de modo elegante, com a inteligência organizativa potencial identificada na segunda dimensão. Por essa razão, assimilamos a instância de totalidade à figura geométrica da superfície da esfera: ambas, superfície da esfera e do plano ideal, são bidimensionais, amplitude justamente adequada para recepcionar inteligência organizativa.
Admitindo-se – ainda que na condição de meramente plausível – que o conteúdo objetivo da primeira dimensão seja o ser; o conteúdo da segunda seja a alma ou a inteligência organizativa potencial; o da terceira seja a matéria e, no caso dos seres vivos, o organismo; na quarta dimensão, seja o tempo; e, na instância de totalidade, seja a inteligência organizativa efetivamente realizada e, no caso humano, a consciência, estamos habilitados a enfrentar o problema dos prejuízos causados pela perspectiva espaço-temporal, quando elevada à condição de localidade existencial do universo.
A PARTE E O TODO
O problema mais grave é o ocultamento da totalidade e as consequentes negligência e desconsideração dos conteúdos próprios da instância, em tudo o que existe de fato e de verdade. De Newton a Einstein, passando por Descartes, o proceder da ciência é analítico, pressupondo que são as partes que guardam o segredo do todo. O todo situa-se, porém, muito além da mera soma das partes, e o exame do caso da molécula de água é elucidativo. Como sabemos, a molécula de água resulta da adequada combinação de dois átomos de hidrogênio e um átomo de oxigênio. Nessa situação, hidrogênio e oxigênio são as partes, e a água representa o todo. Tal como o modelo dimensional indica, o todo, igualmente nesse caso, não apenas exprime a mera soma das partes, mas também estabelece realidade de natureza completamente distinta das partes, razão pela qual se defende que o todo transcende a soma das partes.
Focando o hidrogênio, verifica-se que ele se constitui de um todo dotado de propriedades e de um espaço de possibilidades existenciais próprio. É inflamável, na forma de plasma, viabiliza as fornalhas cósmicas que chamamos de estrelas, pode alimentar motores de combustão interna e impulsionar foguetes, pode ensejar explosão atômica, possui aplicações químicas e industriais. Simplificadamente, esse é o horizonte de possibilidades do hidrogênio. Por outro lado, o oxigênio também é uma totalidade com propriedades e espaço de possibilidades próprios. Compõe a atmosfera da terra, na forma de ozônio, absorve a radiação ultravioleta do sol e protege a vida, possui aplicações industriais e, principalmente, oxigena o organismo humano e viabiliza sistemas de suporte à vida, em ambientes distintos da atmosfera natural do planeta. Seu horizonte de possibilidades, em linhas gerais, resume-se a isso. A água, de outra forma, também é uma totalidade e possui um horizonte próprio de possibilidades. É o solvente da vida, tal como a conhecemos, pode gerar oceanos, e oceanos eventualmente podem facultar o surgimento da vida. A água evapora e forma nuvens que avançam continente a dentro e precipitam-se na forma de chuva. Chuva gera rios cheios de vida, alimenta as plantas, viabiliza florestas, permite que a vida se espalhe pelo território, enfim, torna possível um verdadeiro sistema circulatório planetário. Embora a água possua outras propriedades e aplicações, as mencionadas parecem suficientes para evidenciar que o horizonte de possibilidades da água – o seu universo existencial e de realizações – situa-se completamente fora do horizonte de possibilidades e do universo de realizações dos átomos que a constituem.
CONSEQUÊNCIAS DO OCULTAMENTO DA TOTALIDADE
Com esse exemplo da água, resta claro que o conhecimento relativo às partes de um fenômeno não possui qualquer utilidade nem mesmo competência para visualizar, julgar ou atuar no horizonte de possibilidades do todo. O pensamento da parte não tem nada a dizer sobre a realidade do todo, simplesmente porque a natureza do todo é completamente distinta, e a sua realidade transcende à realidade das partes, ainda que as partes estejam subsumidas no todo. Resulta não apenas inadequado como também ilegítimo querer impor ao todo a visão e a perspectiva da parte. Adicionalmente, cumpre observar que, segundo o modelo dimensional, os modos de pensar configuram inferências determinadas por padrões lógicos comprometidos com dadas amplitudes existenciais, de sorte que a lógica do todo é uma e as lógicas das partes são outras. Nessas condições, um sistema de ensino analítico voltado para as partes, no máximo, vai gerar educandos especializados no uso de certos padrões lógicos, convencidos de que o mundo resume-se àquilo que a sua lógica é capaz de perceber e, na contrapartida, ainda cegos a tudo o que se situa mais além.
Nessas circunstâncias, não se pode surpreender que alunos educados com visão de mundo limitada ao contido na terceira e na quarta dimensões sejam sistêmicos ou dialéticos ou, virtualmente, sistêmicos e dialéticos, todos predominantemente egoístas e preocupados com a sua realização pessoal – que é a totalidade que lhes é ineludível – e, fascinados pela matéria ou pela história, vinculem-se às ciências exatas ou às ciências sociais e constituam dois grupos bem diferenciados, unificados apenas no propósito de sucesso econômico pessoal. Resumindo a existência à materialidade – algo limitado no planeta e escasso no universo –, nada mais justo do que entender que o sucesso e a realização pessoal resultem da posse de bens materiais.
Esse ser, em síntese, hedonista e calculista, não nasceu assim, foi formado desse modo por um processo de ensino que, de forma ilegítima, estendeu o conceito de localidade da física para comportar toda a existência. Einstein, em seus escritos da maturidade, que datam de 1956, afirma textualmente que espaço-tempo era uma concepção arbitrária, de sorte que não cabe acusá-lo pelo imbróglio (EINSTEIN, 2017). O fato irrecusável é que homens assim formados são mentalmente mutilados, porque são deficitários de ser, de alma, de consciência e de capacidade de ver o todo dentro do qual cada ser humano constitui parte e ganha sentido.
Sem a visão do todo, lógicos transcendentais, diferenciais, sistêmicos e dialéticos podem deixar-se fascinar por uma das lógicas e entender que o mundo reduz-se ao seu modo de pensar e ao que eles vislumbram. Nesses casos, o seu modo de pensar torna-se absolutizado. Quando isso acontece e o indivíduo estende o seu modo de pensar ao campo político, têm-se como resultado as concepções sectárias que denominamos ideologias – ideologia fundamentalista de caráter religioso, quando a lógica dominante é a transcendental; ideologia de gênero, por exemplo, quando a lógica dominante é a da diferença; ideologias ditas de direita, quando a lógica dominante é a sistêmica; e ideologias ditas de esquerda, quando a lógica dominante é a dialética ou a lógica da história. Todas representam ideologias das partes as quais apenas seduzem quem desconhece o todo e pode ser iludido de que o seu olhar predileto é o mais competente para contemplar a realidade. Todas são igualmente incapazes de operar adequadamente o todo e, em particular, incapazes de gerir instâncias sociais coletivas, tais como um povo, uma nação, um governo ou a própria humanidade. Incapazes porque não aprenderam a distinguir a instância individual da instância de totalidade da qual fazem parte. Ao não estudar o todo, tampouco tiveram oportunidade de perceber que, de fato, de verdade e em essência, conveniências pessoais não diferem nem conflitam com conveniências coletivas e, quando isso acontece, está-se diante de indicativo seguro de erro de entendimento.
Sem esse aprendizado, quando o homem assume posto de poder político-social, tende a priorizar o seu sucesso pessoal, tal como foi educado na escola e na vida. Com essa educação, poderia agir de forma diferente? Naturalmente, essa educação ideologizada não é imperativa, e existem indivíduos que escapam da doutrinação e cultivam perspectiva mais eclética. Na música brasileira, por exemplo, existe um verso que resume uma sabedoria popular que persiste porque a cultura não muda as leis universais nem a forma da consciência. O verso afirma: é impossível ser feliz sozinho. Por isso, ainda que raramente, encontramos, vez por outra, um avatar, um estadista ou um líder consciente do seu papel.
A tragédia e o número de vítimas que as ideologias produziram na modernidade não deixam dúvidas do custo social que a humanidade já pagou e continua pagando pelo uso equivocado da razão e do discernimento. O modelo dimensional configura uma hipótese que propõe uma organização geométrica, lógica e matemática da natureza e da consciência e, assim, inscreve-se como possibilidade de fundamentar uma teoria científica do conhecimento e uma nova concepção de localidade do mundo. Os problemas políticos e educacionais acima tangenciados são apenas a ponta do iceberg dos problemas gerados pelo uso indevido e não metódico da faculdade de pensar pelos humanos. A Biologia pensa que o homem distinguiu-se dos hominídeos em virtude de discernimento superior, mas, talvez, seja prudente entender que poderemos nos diferenciar dos hominídeos quando alcançarmos uso pleno e metódico da faculdade de pensar e que, antes disso, estamos em transição, dependendo criticamente de um sistema competente de formação e de ensino.
CONCLUSÃO
As Academias, as comunidades de professores e de cientistas e os intelectuais, em geral, precisam assumir que o atraso, a desorientação e a confusão mental que obstam o processo civilizatório, mundo afora, não podem ser simplesmente debitados à ignorância dos grandes contingentes humanos, mas precisam ser assumidos por aqueles que as circunstâncias privilegiaram com formação superior, aos quais cabe gerar soluções adequadas a uma espécie cujo futuro depende criticamente do entendimento correto do mundo e das circunstâncias.
Platão, com os meios que dispunha na ocasião, tentou registrar, em diálogos, essa mesma concepção de cosmos organizado e de mente humana habilitada para entender essa organização. A sua dialética transita pelo processo criativo, do um indivisível do ser ao um da totalidade composta de partes, definida por uma forma. Aqui, não apresentamos nada de novo, apenas traduzimos a sua díada-do-grande-e-do-pequeno para um modelo dimensional e a sua forma para uma inteligência organizativa realizada em ato. Há quatro mil e quinhentos anos, esse modelo tenta retirar-nos da caverna ilusória do mundo visível e fazer-nos contemplar o sol da verdade. Precisamos parar de culpar os políticos e começar a formá-los adequadamente. Precisamos convencer-nos de que não nascem homens prontos e plenos, mas que eles podem ser cultivados, se tivermos compreensão adequada da natureza que os constitui e formos capazes de projetar um sistema de ensino adequado. Precisamos, finalmente, ouvir Platão, que não se preocupava em transmitir conhecimentos, mas em formar mentes autônomas, capazes de pensamento próprio e independente, sintonizados com a verdade e a natureza. Somente nessas condições, formar-se-ão homens devidamente situados no universo, conscientes do papel que lhes cabe no contexto e devidamente sintonizados com a natureza que tanto os potencializa como os limita e desafia.
Brasília, maio/2018.
REFERÊNCIAS
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RODRIGUES, Rubi G. A missão permanente da Maçonaria: um sacerdócio maçônico. Revista Ciência & Maçonaria, vol. 2, número 2, jul./dez. 2014, NP3, CEAM, UnB, Brasília, 2014a, p. 105-119. Disponível em: <http://www.cienciaemaconaria.com.br/index.php/cem/article/view/36/30>. Acesso em: 15 fev. 2015.
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[1] Para discussão detalhada do ser preconizado pela Metafísica, veja A Teoria dos princípios, que publicamos em 2016. Dispensamos sua consideração, aqui, porque a presença de impulso natural para a complexidade constitui pressuposto de toda teoria evolutiva e revela-se intuitiva para todos.