A PARTE E O TODO
Tentamos todas as partes e não deu certo, só nos resta o todo.
A ciência contemporânea é analítica. Imagina que, desmontando as coisas e compreendendo as partes, alcançará o conhecimento. Essa postura analítica pressupõe que o conhecimento do todo esteja nas partes, quando, na verdade, o todo transcende a soma das partes e instaura realidade nova superior. Ah, mas isso é apenas um preciosismo lógico de interesse acadêmico restrito. Ledo engano! Isso constitui equívoco lógico de base que, uma vez cometido, bagunça o entendimento e compromete a vida em sociedade. Quer ver? tomemos como exemplo a molécula da água, a qual, como sabemos, resulta da combinação de átomos de oxigênio e de hidrogênio. Hidrogênio e oxigênio são as partes do todo representado pela molécula da água. A melhor propriedade do hidrogênio é produzir as fornalhas cósmicas chamadas estrelas, uma delas, o nosso Sol. A água, por seu turno, é o solvente da vida, produz oceanos, rios, irriga o planeta e viabiliza florestas. Agora, imagine-se que o hidrogênio, uma das partes, queira impor os seus valores ao mundo da água. O resultado seria catastrófico: a desertificação do planeta e o fim da vida. No mundo da água, o hidrogênio continua útil, desde que se limite ao seu papel subordinado no interior da molécula. A natureza alerta-nos aqui que os valores e os interesses das partes nada têm a dizer sobre a realidade do todo e menos ainda sobre a sua gestão. Em sociedade, constituímos governos para viabilizar o convívio civilizado das populações. O Estado constitui uma totalidade que se destina a contemplar e gerir interesses coletivos, que são distintos dos interesses dos indivíduos ou de quaisquer outras das partes envolvidas. Quando uma parte usa o governo para atender a interesses particulares, está investindo contra a organização social da população. Trata-se de atentado contra o Estado que, nas sociedades primitivas, ensejava a expulsão da tribo e a condenação a viver sozinho na floresta. Platão, na República, adverte que nunca se deve entregar o governo a uma facção da cidade e exigia que o rei fosse filósofo, qualificando-o como aquele capaz de ver o todo e de julgar segundo os interesses do todo. Nós, aqui, por exemplo, temos uma Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) presente na própria constituição, defendendo, acintosamente, interesses de uma facção. A par dessa e de outras corporações, temos consórcios políticos disputando, de tanto em tanto, sob amparo da lei, o controle do governo, com o mesmo espírito com o qual se disputa licitação. E reclamamos de não dar certo. Enquanto o sistema educacional não ensinar a ver o todo, não ensinar a distinguir o todo da parte, e a organização política não for regional, com voto distrital puro, com cabresto sobre os eleitos (recall), não adianta reclamar da qualidade dos políticos. Se temos agentes públicos predadores do Estado é porque nossas escolas assim os formam. Logo, encontra-se fora das possibilidades do modelo atual produzir civilização superior. Caso este seja o melhor modelo que a intelectualidade brasileira é capaz de produzir, estamos perdidos. Com tamanha ineficiência governamental, dificilmente, sobreviveremos ao século vinte e um, no qual, uma guerra mundial, de quinta geração, por recursos, já está em curso. Caso esta geração de intelectuais, políticos e professores nada faça, acabará responsabilizada, na História, pela fragmentação do país.
RUBI RODRIGUES*
*Escritor, pesquisador em Metafísica, membro da Academia Maçônica de Letras do DF e mentor do site e do Grupo de Estudos Segundas Filosóficas.
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