NOTAS SOBRE INTELIGÊNCIA ORGANIZATIVA

O Universo é produto do ser

e da inteligência organizativa.

Lembro ter sido marcante, no meu aprendizado, o momento em que percebi a inteligência organizativa presente na natureza. Foram dias dedicados à observação das plantas e dos jardins do meu bairro. Esses jardins são até hoje, em geral, bem cuidados e contam com espécies criteriosamente selecionadas, em boa medida, exemplares vegetais exóticos, cujas formas pouco comuns chamam atenção em razão das soluções de engenharia e de arquitetura que ostentam. Foi, então, que o conceito de inteligência organizativa da natureza enraizou-se no meu espírito, fruto da admiração pelas soluções de engenharia organizativa adotada na criação dessa rica variedade de entes vegetais. Não apenas variedade de formas, de folhas e de nervuras, mas também de combinações de formas geométricas, proporções matemáticas, tamanhos, arremates, cores, tons, flexibilidade, resistência etc. Impossível observar atentamente um bambu, vergando-se ao vento, sem admirar a engenharia embutida em tal solução e a requerida precisão de tensão, resistência e flexibilidade, sempre em perfeita sintonia com as condições ambientais.

Quando se considera o plano atômico e se percebe que aquilo que conhecemos por matéria decorre da conveniente e não aleatória articulação de átomos, gerando estruturas moleculares mais complexas que, virtualmente, viabilizam organismos capazes de realizar processos complexos de captura de energia e de reprodução, sempre articulados com o meio ambiente, não é possível deixar de perceber a inteligência organizativa que permeia tudo. Tampouco se pode desconhecer que o elemento verdadeiramente importante nesse processo de criar complexidades é essa inteligência organizativa e não a matéria movimentada. Também não se pode deixar de perceber, em face da exuberância da natureza, que essa inteligência organizativa constitui, não apenas o fator mais importante, mas, virtualmente, também, o mais abundante que nela se encontra.

Para além das considerações objetivas, inerentes à ciência biológica, no plano dos conceitos universais que são objetos da filosofia olímpica (RODRIGUES, 2012), encontramos a inteligência organizativa presente na estrutura do logos que define as condições segundo as quais a existência pode-se dar em nosso Universo. Essa estrutura ontológica determinante da compleição da existência relativa já exige, em dois lugares, a presença de uma inteligência organizativa e de uma engenharia organizativa para definir e regular a existência e a própria ação construtiva da natureza.

A constatação de que aquilo que designamos por inteligência organizativa, no âmbito da tese do logos normativo, manifesta-se presente tanto na 2a dimensão como na instância de totalidade do logos, revela-se, à primeira vista, contraditória. Isso porque cada instância dessa estrutura contempla uma amplitude lógica privativa e um padrão de movimento existencial específico, viabiliza uma lei ou lógica própria e indica um modo específico de ser. Ora, tais condições implicam conteúdos existenciais específicos. De que modo, então, o que se verifica presente na 2a dimensão e o que se verifica presente na totalidade do logos podem, ambos, ser uma e mesma coisa: a inteligência organizativa?

A tese do logos atribui à 2a dimensão um papel estrutural na constituição dos entes. Nessa dimensão, localiza-se a inteligência organizativa que determina a compleição do ente em suas instâncias mais complexas: nomeadamente, o código genético determinante da compleição orgânica do corpo ou do suporte material do ente e o logos normativo determinante dos padrões de inferência facultados à sua racionalidade. Devem estar presentes, ainda, nessa 2a dimensão, determinantes estruturais que, em alguma medida, influem na temporalidade existencial do ente e que, ainda, não nos detivemos a estudar. Na instância da totalidade, a tese do logos afirma situar-se a inteligência organizativa correspondente à totalidade do ente efetivamente realizado que, no caso do reino animal e da espécie humana, compreende uma consciência, em certo grau de desenvolvimento.

Essas duas inteligências organizativas naturalmente não coincidem porque a inteligência presente, na 2a dimensão, possui caráter potencial, enquanto a inteligência da totalidade possui caráter efetivo, e se sabe que nenhum ente realiza todas as suas potencialidades – a vida lhe impõe escolhas que implicam abandono de possibilidades. Além disso, dado que a totalidade compreende também a consciência, temos uma inteligência enriquecida com os aprendizados que podem, em parte, ser mera recordação, como defendiam os gregos, mas que, certamente, em parte, representam novos e inusitados conhecimentos. Portanto, em conteúdo ou diversidade, essas duas inteligências organizativas não coincidem. Será que coincidem em natureza?

Vejamos: o que se entende mesmo por inteligência organizativa? É a organização, inteligentemente articulada, de elementos constitutivos que tornam um ente aquilo que ele, em sua totalidade, efetivamente é. A compreensão, talvez, torne-se mais fácil com um exemplo: o que diferencia o conjunto total das peças de um Boeing 737 distribuídas lado a lado no piso de um grande galpão de um Boeing 737 completamente montado e pronto para voar? O que diferencia não é o peso, que é o mesmo; tampouco o volume ou âmbito do espaço ocupado, que também é o mesmo; e menos ainda a composição da matéria usada. O que diferencia é que o avião montado possui uma inteligência organizativa que não estava presente nas peças. Essa nova totalidade – o avião montado – transcende a mera soma das peças, tanto assim que possui propriedades que não são encontradas nas peças, tais como voar e transportar pessoas. Às peças foi acrescentada, mediante um trabalho efetivo, uma inteligência organizativa, de modo que o conjunto resultante pode voar. Essa inteligência organizativa está incorporada e faz parte do avião montado e, sem dúvida, pode ser pensada pelo homem, tanto assim que foram os homens que projetaram e construíram os Boeings 737 concretos que conhecemos. Portanto, não há dúvidas de que o ser humano está habilitado e consegue pensar a inteligência organizativa dos fenômenos objetivos, ficando completamente superada a tese kantiana de não termos acesso ao mundo extraconsciência.

As peças isoladas no chão do galpão também possuem – cada uma delas – sua própria inteligência organizativa, uma vez que foram concebidas e construídas com propósitos definidos e, portanto, a inteligência organizativa do avião montado constava do horizonte de possibilidades das peças, assim como constava delas ou de parte delas virtuais outras aplicações e virtuais outras inteligências organizativas. O mesmo ocorre com elementos naturais. Os elétrons, por exemplo, possuem uma inteligência organizativa própria que lhes confere as propriedades que possuem, e consta do seu horizonte de possibilidades integrar qualquer um dos mais de cem átomos conhecidos. Assim, ao não se confundir potencial com real, fica claro que a inteligência organizativa do avião não está presente nas peças e apenas surge à medida que a montagem do avião se completa. Apesar disso, estava presente e de algum modo descrita no projeto dos engenheiros que conceberem a nave, o que também indica que as nossas descrições do mundo, quando corretamente elaboradas, podem-nos dizer como o mundo funciona, de sorte a tomarmos atitudes adequadas no curso da vida.

Esse arrazoado indica que a inteligência organizativa que tipifica os fenômenos objetivos corresponde ou pode corresponder à inteligência organizativa que, no nosso intelecto, propicia-nos compreensão e consciência dos fenômenos que focalizamos. Da mesma forma, fica evidente que também existe correspondência entre a inteligência organizativa contida no projeto dos engenheiros aeronáuticos e a inteligência organizativa presente no avião montado. Finalmente, pode ser inferido, também, que essa inteligência organizativa a que nos referimos independe da forma em que está registrada ou se manifesta existente. Na prancheta do projetista, no avião montado e na nossa mente, os registros são diferentes um do outro, embora a inteligência organizativa seja a mesma. Por isso, cumpre não confundir a inteligência organizativa a que nos estamos referindo com os eventuais meios ou formas de registro que ela admite: registro químico, na molécula de DNA; registro elétrico, no elétron; registro magnético, no disco rígido; registro químico, na tinta sobre o papel. Parece haver tantas formas distintas de registro da informação que, à primeira vista, essas formas de registro não se apresentam como recursos particularmente reveladores da natureza da inteligência organizativa.

Ervin Laszlo (2008) desenvolve uma hipótese interessante sobre essa inteligência organizativa que o logos situa na 2a dimensão. Analisa ele uma extensa lista de ocorrências e testes conduzidos com cuidados científicos, em diversas partes do mundo, nos quais as leis do tempo e do espaço são violadas. Para justificar essas ocorrências, a ciência, atualmente, lança mão do conceito de não-localidade. Laszlo levanta a hipótese de existir um registro holográfico universal, não local, que conserva registro de tudo o que se passa no âmbito da matéria, de sorte que as ocorrências tipificadas como não locais resultariam de conexões e de acessos que, em determinadas condições, ocorrem ou se tornam viáveis, entre o nosso mundo local e esse registro não local. A hipótese de Laszlo foi festejada, no círculo acadêmico mundial, porque acomoda as coisas na ciência e, ao mesmo tempo, reforça a ideia de não-localidade que surgiu e foi aceita em virtude de salvaguardar tanto a mecânica quântica como a relatividade especial, mas, certamente, foi admitida com certo desconforto, em razão do grau de arrojo envolvido. Porém, a hipótese de Laszlo coaduna-se, também, com a tese do logos normativo que dispensa a necessidade de um Universo não local para explicar a ocorrência de fenômenos locais à margem das leis do tempo e do espaço – assunto do qual trataremos em outra oportunidade. Como se sabe, o logos contempla um Universo local mais amplo do que aquele espaço-temporal adotado pela ciência contemporânea. Além disso, a hipótese do Campo Akáshico de Laszlo oferece, também, uma solução para o processo cósmico de evolução, ao defender que esse registro persiste, mesmo que o ciclo cósmico envolva sucessivas fases de expansão e de contração. Além disso, a tese acompanha o logos na requisição de investimentos em ciências do ser que possam despertar potencialidades mentais humanas das quais temos, até agora, apenas tênues indícios. A tese do registro holográfico merece ser estudada porque configura um registro bidimensional, e a tese do logos percebe a bidimensionalidade presente tanto na 2a dimensão como na superfície da esfera que toma como representativa da totalidade. Agora percebemos, também, que a inteligência organizativa igualmente faz-se presente tanto na 2a dimensão como na totalidade, tornando, virtualmente, plausível que a forma holográfica de registro constitua elemento comum às duas instâncias, e pode complementar a concepção do logos normativo. De qualquer modo, esse caminho de investigação continua no plano do registro que contém a inteligência organizativa e nada nos diz da sua natureza última.

Essa inteligência organizativa responde, por exemplo, pela compleição do átomo de hidrogênio e lhe confere as propriedades que o caracterizam como tal. O mesmo ocorre com o átomo de oxigênio que possui outras propriedades. Quando dois átomos de hidrogênio se unem, estavelmente, com um átomo de oxigênio, forma-se, como se sabe, uma molécula de água. Essa molécula possui, também, uma inteligência organizativa própria que lhe confere propriedades específicas. Isso repete-se em todas as instâncias de complexidade engendradas pela natureza e que se estendem da menor singularidade quântica até a totalidade universal. Essa constatação esclarece-nos que a inteligência organizativa representa um componente fundamental do Universo, posto ser por meio dela que o Universo realiza-se e atinge a complexidade que a ciência já comprovou. Essa constatação, também, sugere-nos que a inteligência organizativa, em razão do papel que desempenha, constitua, virtualmente, o componente mais abundante do Universo. Porém, em termos da natureza própria dessa inteligência organizativa, o único que se percebe é que ela instaura momentos de estabilidade em um processo evolutivo que se insinua contínuo. Esses momentos de estabilidade estabelecem fenômenos que merecem identidade específica, por possuírem características e potencialidades próprias e privativas. Sabemos que o mundo relativo contempla apenas movimento (RODRIGUES, 2011) e não admite nada totalmente imóvel. Admite-se, porém, certa estabilidade organizativa, e a inteligência organizativa parece proporcionar justamente essa imobilidade relativa, estabilizando os fenômenos em certas compleições organizadas. Essa estabilidade organizativa dos fenômenos configura os degraus que viabilizam a evolução, mas também é ela que permite ao homem perceber e capturar essa inteligência organizativa e, assim, desenvolver conhecimento sobre o mundo, compreendê-la e, virtualmente, intervir no próprio processo evolutivo, modificando-a.

Estabilizar fenômenos na existência e possibilitar a intelecção de seres inteligentes são, porém, propriedades dessa inteligência organizativa e não indicações de sua natureza, de sorte que continuamos sem saber o que essa inteligência organizativa de fato é. Invocar o conceito de informação tampouco promete muito, já que informação inscreve-se no contexto de uma cultura e essa inteligência organizativa independe de cultura. Mesmo a possibilidade de expressar ou traduzir em informação partes dessa inteligência organizativa aproxima-nos mais da forma de registro do que da sua efetiva natureza.

Resta, talvez, considerar aqueles compromissos estruturais que se detectam no âmbito da Geometria, da Lógica e da Matemática. Sabemos que a soma dos ângulos internos de um triângulo é constante e sabemos que o pentagrama é uma figura que se replica ao infinito, tal como os fractais. Sabemos, ainda, que, na Matemática, existem muitas relações estruturais, tais como o phi, o número áureo e a sequência de Fibonacci, e que as lógicas guardam relações estruturais com as amplitudes geométricas. Da mesma forma, sabemos que o ato de existir neste Universo implica obediência a determinantes estruturais que definem as condições segundo as quais a existência relativa pode-se dar. Talvez, enfim, a inteligência organizativa resulte, naturalmente, da combinação dessas propriedades estruturais que são inescapáveis a uma existência de feição relativa que emerge, mediante a imposição de limites, à livre manifestação de um ser que, na origem, não está sujeito a qualquer limitação. Isso implica considerar necessário e inescapável o advento do Universo relativo, quando se parte da hipótese da presença do ser absoluto, também necessário.

O logos informa-nos que a inteligência organizativa, presente na 2a dimensão, pertence ao ser e constitui atributo do ser manifesto na 1a dimensão. A natureza desse ser escapa-nos, posto que ele apresenta-se tanto relativo como absoluto e nossos recursos perceptivos estão limitados ao âmbito relativo. Além disso, tanto o ser da 1a dimensão como a inteligência da 2a dimensão antecedem ao surgimento do espaço e do tempo, não estando, por consequência, sujeitos nem às leis do tempo nem às leis do espaço. Com isso, percebe-se que a compreensão da natureza última da inteligência organizativa envolve as mesmas dificuldades de se compreender a presença, no plano relativo, de componentes atemporais e não espaciais. Não estar sujeito à temporalidade equivale a ser eterno? E, nesse caso, temos uma inteligência organizativa que, apesar de eterna, evolui e cresce com as experiências e o aprendizado do ser relativo? Então, temos, também, um ser eterno que assume feição relativa no sentido de apreender, virtualmente, como preço a ser pago, para passar de potencial a real?

Parece claro que, nessa busca da natureza última do ser e da inteligência organizativa, estamos esbarrando ou no nosso limite de competência, ou no mínimo na necessidade de maiores estudos e reflexões. De qualquer forma, mesmo desconhecendo a real natureza da inteligência organizativa, podemos avançar no entendimento de suas propriedades e do papel que ela cumpre na constituição do mundo e na compreensão de sua importância para o homem.

Nesse sentido, observe-se que, embora a ciência contemporânea centralize a sua atenção na constituição e na funcionalidade da matéria, de fato e em última instância, quer mesmo é apropriar-se da inteligência organizativa presente na matéria. Vivemos uma civilização fascinada pela matéria e dedicada ao seu domínio, por entender que seu bem-estar depende da disponibilidade de bens materiais, mas, apesar disso, não se pode desconhecer que o bem mais precioso não é constituído da matéria em si, mas dos benefícios que a matéria convenientemente organizada pode proporcionar. Daí, ser iniludível que o domínio científico efetivamente relevante é o da inteligência organizativa capaz de moldar a matéria da forma desejada e não o da matéria que admite ser moldada. Essa mudança de perspectiva pode parecer, à primeira vista, mero preciosismo, mas, na verdade, trata-se de uma mudança radical no modo de ver a realidade.

No caso da matéria, o olhar está amparado em um paradigma que delimita o Universo ao contido no espaço, dentro do qual somente existe matéria. No caso da inteligência organizativa, o olhar está amparado em um paradigma que delimita o Universo ao âmbito de uma existência relativa gerada por um ser, mediante a utilização de inteligência organizativa. No primeiro caso, o âmbito do Universo é espacial; no segundo, existencial. A ciência contemporânea não contesta a compleição relativa do Universo e tampouco pode contestar a presença de inteligência organizativa, de sorte que, talvez, seja tempo de rever o paradigma científico de que se vale.

Certamente, admitir o ser como artífice do mundo, tanto quanto admitir instâncias não materiais nos objetos das ciências, configura mudança radical e introduz, formalmente, certo grau de mistério na descrição racional do mundo. No entanto, significaria isso introduzir elementos fantásticos ou fantasiosos no âmbito científico ou significaria isso ajustar um olhar científico simplório e linear a uma realidade fantástica e que de simplória não tem nada?

No início destas considerações, descrevemos o nosso encantamento diante do mundo vegetal, em face da inteligência organizativa que ele ostenta na mais prosaica erva daninha. O que podemos dizer, então, diante da inteligência organizativa presente nos complexos organismos animais? Podemos considerar a inteligência organizativa que viabiliza um ser humano dotado de consciência menos fantástica ou menos crível do que admitir que tudo seja obra de um ser? Mesmo as ideias mais arrojadas contempladas no horizonte dessa perspectiva, indicando a possibilidade de o planeta Terra possuir uma inteligência própria e de o Universo contemplar uma inteligência organizativa correspondente, afiguram-se realmente estranhas em um mundo onde minúsculos seres inteligentes, feitos de carbono e água, localizados em um minúsculo planeta, situado na periferia de uma galáxia qualquer, desenvolveram capacidade mental, lucidez e discernimento suficientes para desvendar e compreender a própria compleição e organização do Universo?

Prestando bem atenção, verificamos que tudo no Universo revela-se extraordinário e que não há qualquer coisa ou qualquer ente que possa realmente ser enquadrado como prosaico ou trivial. Portanto, abrir a mente para considerar que o homem não seja mero acidente biológico, surgido no curso aleatório de ocasionais circunstâncias cósmicas, e passar a pensar que o homem e toda e qualquer outra espécie inteligente sejam produtos necessários de uma inteligência organizativa que é construtiva e evolutiva por necessidade e compleição estrutural não seria muito mais adequado, útil e inteligente, em face de um Universo sabidamente organizado? Não se pode esquecer que se trata de encontrar o paradigma que nos proporcione a interpretação mais adequada, ajustada e fidedigna do mundo e não a solução mais cômoda que nos poupe do desconforto da mudança.

Argumentar-se-á, certamente, que a ideia do logos normativo constitui uma tese temerária, e podemos até concordar com isso, em face das mudanças que implica. Entretanto, o que se afigura mais temerário; a hipótese de que o Universo seja fruto de um ser presente em tudo, imbuído de impulso para a complexidade, e que desenvolva e acumule experiência e inteligência organizativa ou a hipótese da não-localidade que, em última instância, pressupõe um universo paralelo, diferente deste no modo de ser e de existir, mas curiosamente a seu serviço?

No curso da história, a ignorância e o uso político do mistério cegaram-nos e afastaram-nos da magia que impregna a natureza. Pouco a pouco, fomos percebendo a manipulação política histórica, e a reação surgiu na forma de ciência objetiva que apenas exigia espaço próprio, a salvo da tirania do rei e dos dogmas do clero. Com o tempo, a ciência consolidou-se como saber respeitável, a Igreja foi levada a desistir do poder temporal, mas o rei adaptou-se, substituiu a delegação divina pelo poder econômico, capturou os cientistas e o produto da ciência e os colocou a serviço dos seus projetos de poder. A ciência idealista, surgida do desejo de emancipação do homem, revela-se hoje instrumento essencial do modelo de dominação do homem pelo homem. Dado que ser pesquisador ou cientista exige certo estado de espírito, não é difícil perceber que, no geral, o cientista não deve estar satisfeito com o papel que a ciência hoje cumpre. Agora, o resgate da inteligência organizativa da natureza que já tinha sido percebida por Anaxágoras propõe uma reaproximação com o mistério em outras bases: em base racional e não dogmática. O conceito de inteligência organizativa recoloca o ser na posição central do mundo: o Universo é produto do ser e da inteligência organizativa, é o ser que faz, é o ser que aprende, é o ser que faz ciência, é o ser que pode realizar-se e ser feliz ou pode ser escravizado quando a sua capacidade de pensar e discernir atrofia-se em vez de desenvolver-se.

A espécie humana representa uma solução engendrada pela natureza para possibilitar que o ser que transcendeu da pura potência adquira consciência e desperte, no mundo concreto, como ser autoconsciente capaz de operar a inteligência organizativa acumulada, que o seu ato de ser gera em seu ímpeto de ser. Nesse movimento, o ser transita do absoluto para o relativo, de potencial para real e, mesmo com o comprometimento da serenidade e da unidade absolutas, aventura-se em uma realização que, embora seja apenas relativa e implique importantes limitações, disponibiliza processo de complexificação e de aprendizado virtualmente sem fim. Para ambientar-se na realidade limitada, precisa desenvolver um Universo, gerar a vida, despertar uma consciência capaz de pensar e, depois, fazê-la compreender a arquitetura universal e, assim, finalmente, encontrar-se consigo mesmo. O ser está desperto no seio da espécie humana. E agora? Agora é que a festa efetivamente vai começar e, estando às vésperas do 21.12.2012, talvez, devêssemos iniciar, aquiescendo que, no final das contas, os Maias é que podem estar certos: o mundo da lagarta está, efetivamente, terminando – a borboleta sai do casulo, estende as asas e prepara seu voo.

Brasília, dezembro de 2012.

Rubi Rodrigues

REFERÊNCIAS

LASZLO, Ervin. A ciência do campo Akáshico: uma teoria integral de tudo. Tradução de Aleph Teruya Eichemberg e Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2008, 191 p.

RODRIGUES, Rubi Germano. Filosofia: a arte de pensar. São Paulo: Madras, 2011, 168 p.

______. Metafísica com status científico. Disponível em:  <http://segundasfilosoficas.org/artigos>. Acesso em: 15 dez. 2012.

Deixe um comentário