Quando entendi a lógica
domestiquei a Razão
como não podia deixar de ser
despertei:
– a verdade
é horizonte fugidio
sempre está mais além
Apesar disso
a Razão
é a ajuda confiável que temos
ao alcance da mão
Por vezes
ela sai
loucas correrias
campos imponderáveis
frenéticos delírios
fogosa ofegante
dando coices no vazio
Deixo…
aprecio que tenha pernas fortes
disposição para longas cavalgadas
não preocupo
sempre volta
cabreira
maneando cabeça
em busca do torrão de açúcar
A primeira vez que montei
freios postos
rédeas-lógicas firmes na mão
olhei de cima
gostei…
além do burburinho rasteiro
das pedras de tropeço
estendia-se mundo sem fim
para todos os lados
Afaguei a crina impaciente
muda cumplicidade
sussurrei :
– vamos encontrar o começo!
Razão maneou a cabeça
gesto de ironia
pensou zoar
mas decerto
lembrou do torrão de açúcar
finalmente aquiesceu
ponderando incontinente:
– temos problemas:
nós estamos aqui dentro
e o mundo fica lá fora
além do mais
não adianta seguir em frente
é superfície de esfera
acabaremos voltando
sempre ao mesmo lugar
Razão
ha implacável Razão!
Não adianta seguir em frente
tampouco ficar parado
e pra livrar-nos do impasse
o jeito foi arriscar
mudar de lógica
dar um salto de lado
Surpresa!
caímos no tempo
prá frente futuro incerto
infinito imponderável
prá traz longo passado
Logo ali Sampaio Santos Lacan
depois Heidegger Husserl Kant Schopenhauer e muitos mais
Aristóteles Platão Socrates Pitágoras Heráclito
nas brumas Hermes Trismegisto Enoc
Neanderthal Cromagnon dinossauros
vertebrados
líquens
aminoácido
depois água fervente
Mais além luta de Titans
resquícios: cinturão de asteróides
Mais atrás o Sol repugnando
cuspindo impurezas purificando
livra-se em parte
continuam orbitando
Saltando à galáxia
um grande buraco negro
cuspindo estrelas pequeninas ou não
lá bem no fundo
o eco de uma explosão:
– a ordem se impondo ao caos!
Mais além?
quem sabe?
percebo apenas
Absoluto silêncio
Compreendo então aflito
é hora de retornar
Não adianta Razão
tempo não guarda começo
também ele é infinito!
Se não resolve ficar parado
o jeito é arriscar de novo
mudar de lógica outa vez
dar outro salto ao lado
Tropeço:
caímos no espaço
esse velho conhecido
igualmente se estende infinito
para todos os lados
Desânimo…
Talvez nem exista começo!
A lógica estremece
a Razão corcoveia
eu horrorizado lhe pressinto a intenção:
– saltar prá fora do espaço
depois de já ter
saltado prá fora do tempo?
loucura total!
ou não?
antes de perguntar se teríamos coragem
lá fomos nós
de sopetão
Silêncio movimento
luzes fugidias lampejos reflexos
mundo estranho
dimensão quântica
no comando absoluta simetria
há sempre dois
há sempre outro
inapelavelmente
tudo é dual
são sempre dois iguais
atletas
velozes
Razão pondera:
– dois não pode ser começo
a não ser numa cama
tem razão…
armadilha
capturar Um
sucesso!
Cadê?
solta!
prende!
solta!
prende!
Quando prende = para
quando para = some não existe?
quando solta = movimenta
Se movimenta = existe
logo:
Heureka! – Ser é movimento!
Para!
prende!
quero ver o começo…
Frente ao movimento que cessou
olhei fixo
no ponto
em que sumiu
nada…
apenas imobilidade
Deve haver algo pondera Razão
agucei o olhar
nada
as luzes haviam sumido
o movimento cessado
sumira espaço sumira tempo sumira tudo
e eu imóvel diante do imóvel
e nada…
Atrás de mim Razão silenciara
em muda consternação
Lembrei-me do mergulho no passado
do silêncio absoluto
que havia encontrado
lá atrás no tempo
antes da grande explosão
percebi que estava diante do mesmo silêncio
agora também imobilidade e nada
silêncio total quietude
e eu postado diante dele
impotente…
só restava voltar pra casa
Quando me virei
estanquei perplexo:
diante de mim
o cone da existência se desdobrava
maravilhoso universo cintilante
organizado em dimensões
do simples para o complexo
movimentos harmônicos regidos por sinfonia
gerando vida e inteligência pelo caminho
na maior simplicidade
Integrando elementos em plena simetria
e estonteante beleza
Constato: – o Universo pulsa cadenciadamente respira
límpido transparente sem mistérios
agora vejo extasiado…
Foi então que percebi
PRESENÇA GRANDIOSA
PODEROSA
atrás de mim…
Havia algo sim!
então comprendi sem susto e sem ais
Senti-Lhe a Presença o Amor intenso
percebi Sua vontade de por a mão no meu ombro
mas eu não ficava quieto
convulsivamente chorava
desde que o senti PAI…
… transe… não se relata… sinto muito
Quando finalmente me recompus
e voltei prá casa estava feliz
sabia-me definitivamente arrebatado
pela inteligência do Arquiteto
e pela beleza da obra
Razão troteava tranqüila e sem medo
agora nas pradarias de um mundo que conhecia
e eu?
bem, eu
agora sei que mereço
a confiança depositada todos os dias
pela mãozinha da minha neta
quando a apanho no colégio
e caminhamos prá casa
Nessa horas
deixo Razão livre
Ela aproveita o ar puro sai correndo
saltitando em loucos devaneios
pelos campos do futuro…
enquanto eu
fico cá
sorrindo matreiro
por saber que apesar das aparências
denunciadas pela luz
na verdade e de fato
é aquela pequena mãozinha
que me conduz
Brasília, Out/20111
Rubi Rodrigues
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