MOVIMENTO E EXISTÊNCIA DESDE O UNO EM PLOTINO – CONTRIBUIÇÕES PITAGÓRICAS

Edrisi Fernandes

(Doutor em Filosofia; pesquisador do Grupo Archai-UnB e do Grupo de Estudos em Metafísica  e Tradição-UFRN) Publicado como FERNANDES, E. . Movimento e existência desde o Uno em Plotino: contribuições pitagóricas. Perspectiva Filosofica (UFPE), 2, 2010: 61-76

RESUMO

Vincular Plotino aos Pitagóricos não é novidade; acredita-se numa “conexão” que passa por ideias associadas ao Uno, à figura de Apolo, à simbologia do Sol, à música, ao modo de viver. Plotino foi celibatário, vegetariano, moderado no comer e no beber, desapegado de posses individuais e um advogado dos valores da amizade e da comunalidade. Revisitamos algumas sugestões oferecidas por Aleksey Fedorovich Lósev no livro Cosmos Antigo e Ciência Contemporânea (1927), a partir das quais procedemos a uma investigação de possíveis linhas de associação – passando por uma conformação ao “ensinamento indireto” de Platão – entre o pensamento de Plotino e o dos pitagóricos no que concerne ao papel dos números na explicação do movimento que cria e sustém a existência.

Palavras-chave: Pitagorismo, Neoplatonismo, Aritmologia, Platão, Plotino.

 

INTRODUÇÃO

Muito antes da Era da Informática, e precedendo em muitos anos o surgimento da ideia de Gottfried Wilhelm Leibniz, aperfeiçoada por George Boole e levada a uma maior dimensão prática por Claude Shannon, de que toda a informação que existe pode ser codificada mediante um código binário de base numérica, os pitagóricos apregoavam que a realidade como um todo “é número”[1], e pelo menos alguns pitagóricos teriam afirmado, segundo Aristóteles, que mesmo os corpos [físicos] ([physikà] s?mata) são feitos de números (refutação em Met. 1083b11; afirmação em Met. 1090a32).

Em uma passagem de seu livro Cosmos Antigo e Ciência Contemporânea (1927), o filósofo russo Aleksey Fedorovich Lósev (1893-1988) escreveu:

Como é sabido, o neopitagorismo desenvolveu-se em duas direções distintas: a primeira (aquela de Timeu de Lokrós, Ôkello e do pseudo-Archytas) não fez avançar o conceito de número; a segunda (na qual estão Alexandre Polyhistor, Moderato, Nicômaco, Numênio e alguns outros) procedeu a partir da filosofia do número. O estudo dessa segunda direção no neopitagorismo é especialmente importante para o entendimento do ensinamento de Plotino (e, digamos, neoplatônico) sobre a matéria (LÓSEV, 1993, 464).

 Nessa passagem, Lósev vincula diretamente o entendimento de Plotino sobre a matéria à filosofia neopitagórica do número. Ao longo do livro inteiro, contudo, percebe-se que Lósev procura entender o conceito de “número” como “relação articulada de magnitudes e de frações de magnitudes” (REALE, 2001, 203), e busca mostrar o desdobramento das magnitudes a partir da unidade ao modo socrático-platônico, ou seja, como relação dialética. Lósev, ademais, explica Platão através da dialética de Plotino (e dos neoplatonistas), e mostra esta como um desenvolvimento natural das relações pitagóricas de alteridade e complementaridade.

No seu livro Ensaios de Simbolismo e Mitologia Antiga (1930) Lósev escreveu o seguinte:

O neoplatonismo descortinou-me novos panoramas do platonismo em geral, e especificamente de Platão. O sistema dialético bem construído, padrões rigorosos e severos de mentalidade filosófica, uma terminologia exata e precisa e, finalmente, um estilo filosófico uniforme – meio poético, meio retórico – dissimilar do platônico, tudo isso me mostrou o platonismo em toda sua grandeza. Entendi então que, metodologicamente, a investigação do neoplatonismo deve preceder qualquer tentativa de estudar o próprio platonismo. Um conjunto de obstáculos separados que pode bloquear completamente qualquer progresso ulterior nos estudos platônicos é removido completamente com a ajuda de Plotino. Como, por exemplo, pode-se interrelacionar as categorias do Sofista com aquelas do Parmênides? Baseando-se em material puramente Platônico esse problema é praticamente insolúvel. Mas a investigação da tradição Platônica ulterior, i. e., da época da dialética completamente desenvolvida, demostra que as categorias do Sofista são simplesmente “gêneros” do mundo noético (En., VI. 2), em contraste com as categorias do mundo sensível (VI. 3). Olhemos para um problema bastante difícil, igualmente insolúvel no domínio puramente Platônico – a interrelação entre Ideia e coisa. A dialética de Plotino e Proclo também resolve este problema elegantemente. (…). Tornou-se claro para mim que Platão foi apenas o começo, quase o mero germe do platonismo, e discutir qualquer germe só é possível tendo em mente um organismo adulto. A atitude neoplatônica acerca da teoria da Ideias instantaneamente leva ao entendimento da Ideia platônica como um símbolo luminoso e do processo de Autodesdobramento do Uno Primordial até o estado daquele símbolo (LÓSEV, 1930, 696-7)[2].

 A afirmação de Lósev de que “a investigação do neoplatonismo deve preceder qualquer tentativa de estudar o próprio platonismo” deve ser lida com tolerância. Ela sugere o valor do conhecimento das transformações da tradição platônica para tornar mais inteligíveis, para o homem atual, alguns conceitos cujo significado e valor mais intrínseco podemos deixar de vislumbrar se não levarmos em conta o lastro e a herança dessa tradição. Mas é sábio sugerir, complementarmente, que a investigação do pitagorismo deve preceder qualquer tentativa de estudar o platonismo.

Associar Plotino aos Pitagóricos não é novidade; acredita-se numa “conexão” que passa por ideias associadas ao Uno, à figura de Apolo, à simbologia do Sol, à música, ao modo de viver. Plotino foi celibatário, vegetariano, moderado no comer e no beber, rigoroso em suas purificações, avesso aos banhos públicos, estudioso da fisiognomonia, desapegado de posses individuais e um advogado dos valores da amizade e da comunalidade. Abdicou de ter escravos e admitia mulheres entre seus discípulos. Calou sobre seu mestre Amônio Sakas e adotou alguns jogos fonéticos dos pitagóricos.

Lósev, tradutor das Enéades para o russo e comentador de Plotino em diversas obras, bem como editor (junto com Valentin Ferdinandovich Asmus)[3] e revisor da tradução da obra de Platão por Vasily Nikoláevich Kárpov[4], buscou demonstrar (em Cosmos Antigo e Ciência Contemporânea) como o pensamento pitagórico acerca da dýnamis fundamenta o entendimento dialético de Platão e Plotino acerca da existenciação. Ademais, empenhou-se em superar (em Dialética do Número em Plotino[5], 1928) a lacuna entre o ensinamento pitagórico acerca do(s) princípio(s) numérico(s) do cosmos e idéias contemporâneas sobre a possibilidade de descrever a realidade através de funções distributivas probabilísticas, mostrando que Plotino concluiu que a variedade do mundo é uma revelação numérica da integralidade e unidade originária.

Revisaremos sucintamente a contribuição da filosofia pitagórica do número[6] – e de sua releitura platônica – para a dialética plotiniana e o entendimento da relação entre o Uno, suas hipóstases e a matéria, partindo principalmente de algumas sugestões de Aleksey Lósev em Cosmos Antigo e Ciência Contemporânea, de Jakob Klein em O Pensamento Matemático Grego e a Origem da Álgebra e de Svetla Slaveva-Griffin em Plotino sobre o Número.

 

A CONTRIBUIÇÃO DA FILOSOFIA PITAGÓRICA DO NÚMERO PARA A CONCEPÇÃO PLOTINIANA DO MOVIMENTO EXISTENCIANTE

Conforme Lósev, a dialética pitagórica-platônica que estava à disposição de Plotino para delinear sua metafísica apoiava-se nas seguintes complementaridades:

 

Uno nada
ser não-ser
um muitos, infinito(s), ilimitado(s), contínuo, multiplicidade
repouso mutabilidade; movimento contínuo
definido indefinido, em fluxo
diferenciado indiferenciado, amorfo

 Ainda para LÓSEV (1993, 78-80), tais complementaridades remetem às divindades órficas Phánês e Nýx, precursoras de toda especulação sobre péras e apeíron, da tensão pitagórica entre o Um (o Uno; a mônada) e a díada indeterminada e da articulação posterior entre o ideal (eidik?n) e o material (hylik?n), entre o poiêtik?n representado pelo inteligível e o pathêtik?n representado pelo sensível, e que está na base de toda a dialética e de todo o idealismo. Lósev sugeriu que a dádiva mais preciosa do pitagorismo para a dialética foi o entendimento de que se algo existe isso simultaneamente existe como o contrário ou complemento de uma outra coisa[7]; o intelecto mesmo só pode existir como intelecção de uma diferença em relação ao inteligível. Para Lósev, a dialética é a “alma” da filosofia clássica, e apesar de permanecer como fundamento de toda a filosofia, ela se originou das profundezas dos mitos órfico-pitagóricos e evoluiu como racionalização numérica e hierárquica da realidade.

A partir de uma indistinção originária [Chaos ou Aiôn][8] dá-se uma operação de discernimento [por autofertilização, Aiôn gera Krónos e Rhea] da diferença entre o existente, determinado ou limitado, percebido em sua individualidade (unidade), e o inexistente/indeterminado/ilimitado. Depois, o pensamento dialético avança até a hierarquização entre a mônada (o Um/Uno) como princípio da identidade (permanência) e a díada como princípio da alteridade/mudança [surgida da alternância da regência entre Rhea e Krónos, que se torna Chronos]. Da união entre a mônada e a díada [Krónos e Rhea] surge, então, a pluralidade de unidades individuais, matrizes de toda a pluralidade subsequente – da união do tempo [Chronos] com a necessidade [Anánkê] surge o princípio da luz [Phánês], que se une ao princípio da treva [Nýx] formando os elementos do céu e da terra. A aproximação entre deuses e números, e depois entre os números de Pitágoras e as Ideias (Formas) de Platão, resulta da própria dialética do mito: ao invés de serem entidades puramente abstratas e livres do mito, os números pitagóricos e as Ideias platônicas são formações mítico-dialéticas que cresceram a partir do contexto mitológico e religioso, absorvendo-o e transformando-o, de modo que podemos dizer dos números de Pitágoras o mesmo que LÓSEV (1930, 487-9) disse das “Ideias” de Platão: “são deuses – não os deuses de uma mitologia naïve, é claro, mas aqueles traduzidos na linguagem da universalidade abstrata”.

A indistinção originária pode ser pensada de uma maneira ontológica ou meontológica. Entre os pitagóricos, conforme Peter GORMAN (1989, 134), “o Uno também era chamado de Hyperíôn, que, literalmente, significa ‘Aquele que transpõe’, julgando-se o Uno como transcendente a todo e qualquer número[9]. Plotino cita de modo enigmático esta etimologia em V.5.13.19”. Ainda conforme Gorman (p. 158), na aritmética pitagórica o Um não é, em hipótese alguma, visto como um número como os demais. Mesmo fora de toda conotação mística, segundo Renée PIETTRE (1993, 139) “a unidade – a mônada – não tinha para os gregos e mesmo sentido que para nós”; o número 1 era ao mesmo tempo o indicativo de uma integralidade e elemento de uma coleção (como uma das potências de 10).

Alinhados com a tradição pitagórica, os neoplatonistas, não consideraram o Uno como idêntico ao um numérico e indiviso (LÓSEV, 1993, 382). Como apontou LÓSEV (1993, 387), Proclo, por exemplo, explicitou a diferença entre a absoluta inefabilidade do Uno em relação à Sua expressão como o começo do desdobramento dialético: o Uno pertence à superexistência e unifica a multiplicidade ao permanecer sempre idêntico a Si mesmo (El. Theol., Prop. 5); como disse Dodds, a unidade absoluta garante ao Uno um caráter totalmente transcendente, “no sentido de não ser afetado pela pluralidade”, conciliado com um caráter totalmente imanente, “no sentido de que toda pluralidade participa d’Ele, ou é determinada por Ele” (PROCLUS, 1963, 191). A linguagem do mito é capaz de assegurar a conciliaridade ou coincidência de opostos, e a Teologia Aritmética[10] atribuída a Jâmblico descreve a mônada pitagórica tanto como número inteligível quanto como caos ou matéria. A obra de Jâmblico assimilou muita coisa da obra homônima de Nicômaco de Gerasa, e como apontou Félix BUFFIÈRE (1973, 185), segundo o sumário da Teologia Aritmética[11] de Nicômaco preservado na Biblioteca de Fócio “Proteu é um dos sobrenomes da mônada (a mônada é o primeiro número, e Proteu significa primeiro). Ora, a mônada é considerada tanto como a matéria (ela merece ainda os nomes de Cháos ou Hadês) quanto como o demiurgo, e também é chamada de Prometeu”.

A transformação dos mitos órfico-pitagóricos em racionalização aritmética ordenada da realidade atravessa as brumas do pitagorismo e reaparece nas preleções não-escritas do Platão idoso, em que se desenvolve uma matemática metafísica. Segundo os Pitagóricos e o Platão dos testemunhos indiretos, o Uno agiu sobre a díada para dar origem à série numérica. Essa ação era entendida como uma relação semelhante àquela que existe entre a forma e matéria desordenada: o Uno constituía o princípio formal e masculino, a origem do limite e da forma, e a díada o princípio material e feminino, a possibilidade da transformação e evolução. Conforme um fragmento de Filolau, o cosmos é constituído harmonicamente de contrários, o limite (peràs) e o ilimitado (ápeiron)[12].O princípio diádico surge do Uno, como indica um de seus nomes, arsenothélys[13] (“masculino-feminino”). Outro de seus nomes, hýsplêx (hýsplêgx, “mecanismo de partida”), indica sua função como principiador do movimento[14]. Os pitagóricos associaram a Mônada (monas) ou Uno ao verbo ménein, “ficar; permanecer”. A díada, por sua vez, foi associada com a deusa Rhea, cujo nome lembra o verbo rhein, “fluir” (GORMAN, 1989, 159 e 162).

Em seus testemunhos indiretos, Platão aparece como que apoiando sua doutrina das Ideias (Formas) em uma filosofia matemática pitagórica, de forma a explicar a unidade e a variedade do mundo, a Ideia universal do Um (Uno) e a pluralidade dos entes, e como o Uno-Bem é a causa principal de tudo. Nesse platonismo pitagorizante, o Um e a díada indeterminada são princípios ou causas complementares; o Um, a não ser através de composição com a díada, não é propriamente o Bem[15], não passando de mera abstração[16]. Ao identificar com o Um a ideia do Bem[17] Platão postulou que o Um, ao combinar-se com a díada, causa uma pluralidade de formas. Cada combinação de um e dois são “números”, se bem que com a peculiaridade de serem incomensuráveis entre si, e assim cada ideia não é um número matemático (mathêmatikós arithmós), mas um “número” ideal (eidêtikós arithmós)[18], singular[19] e não-comparável[20] (i. e., não qualificável para operações de adição, subtração etc., se bem que articulável segundo a norma antecedente-consequente)[21]. Conforme o testemunho de Aristóteles[22], esse Platão pitagorizante também teria postulado que os números ideais são dez. Cada número ideal é uma espécie de “átomo” numérico[23] que, combinando-se à díada indeterminada, origina a pluralidade das formas dos entes. O Uno-Bem, combinado à díada, é a causa direta de todos os números ideais, e através destes é a causa indireta de toda a pluralidade dos entes.

A “aritmética das Ideias” ou dialética aritmética de Platão não é explicitada nos seus escritos conhecidos atualmente, mas foi “reconstituída” pelo filósofo Jacob Klein (1899-1978) em moldes bastante assemelhados àqueles de Lósev[24]:

Enquanto os números com os quais o aritmético lida, os arithmoi mathêmatikoi ou monadikoi[25], são capazes de serem contados, isto é, somados, de modo a que, por exemplo, oito mônadas e dez mônadas totalizam precisamente dezoito mônadas quando juntas, as associações de eîdê, os “arithmoi eidêtikoi”, não podem entrar em qualquer “comunidade” uns com os outros[26]. Suas “mônadas” são todas de tipo diferente e podem ser postas “juntas” apenas “parcialmente”, a saber, apenas quando acontece de pertencerem a uma única e mesma combinação, enquanto na medida em que elas são “inteiramente separadas” umas das outras (pánthêi diôrisménai; Sofista, 253d9) elas são “incapazes de serem postas juntas, não-comparáveis[27]” (asýmblêtoi). A noção de uma estrutura “aritmética” do mundo das Ideias permite agora uma solução do problema da methexis ontológica (Cf. Parmênides, 133a).  As mônadas que constituem um “número eidético”, isto é, uma associação de ideias, nada mais são que um a conjunção de eîdê que se co-pertencem (…) porque pertencem a um único e mesmo eidos de uma ordem superior, a saber, uma “classe”, um génos. Mas todas poderão “participar” nesse génos (como p. ex. “ser humano”, “cavalo”, “cachorro” etc. pertencem ao genos “animal”) sem o “repartir” entre os muitos eîdê (finitamente) e sem perder sua unidade indivisível apenas se o próprio génos exibe o modo de ser de um arithmós. Apenas a estrutura do arithmós, com seu caráter especial de koinòn [comunalidade], é capaz de garantir os traços essenciais da comunidade dos eîdê demandada pela dialética; a indivisibilidade das “mônadas” individuais que forma a associação dos arithmoi, a limitação dessa associação de mônadas enquanto expressa na junção de muitas mônadas numa associação, isto é, em uma ideia, e também a intocável integridade dessa ideia superior. O que cada eîdê singular tem “em comum” é dos outros apenas em sua comunidade e se encontra “ao lado” (pará) e “fora” (ektós) deles (cf. Filebo, 18c-d). A unidade e determinação da associação de arithmoi está aqui enraizada no conteúdo da ideia (idéa), aquele conteúdo que o lógos alcança em sua atividade característica de descobrir “analiticamente” os fundamentos. Não se precisa nesse mundo de um tipo especial de número de natureza particular[28], já que ele está entre os números dianoéticos [os arithmoi monadikoi], para fornecer um fundamento para essa unidade. De fato, é impossível que qualquer tipo de número correspondente a esses do mundo dianoético deva existir aqui, já que cada número eidético é, em virtude de seu caráter eidético, de tipo único, assim como cada uma de suas “mônadas” tem não apenas unidade, mas também singularidade. Pois cada ideia se caracteriza por ser sempre a mesma e ser simplesmente singular em contraste com as muitas e ilimitadas mônadas homogêneas do mundo dos números matemáticos, que podem ser arranjadas quantas vezes se queira em números definidos. As mônadas matemáticas “puras” são, é certo, diferenciadas dos objetos singulares dos sentidos por existirem exteriormente à mudança e ao tempo, mas elas não são diferentes no seguinte sentido – que elas ocorrem em pluralidades e não são do mesmo tipo[29], enquanto cada eidos é, em contraste, irreproduzível e verdadeiramente um[30]. Consequentemente, com relata Aristóteles (p. ex., Metafísica, 987b14 e ss.; 1090b35 e s.), existem três tipos de arithmoi: (1) o arithmòs eidêtikós – ideia-número, (2) o arithmòs aisthêtos – número sensível, e “entre” (metaxý) esses, (3) o arithmòs mathêmatikós ou monadikós – número matemático ou monádico, que compartilha com o primeiro sua “pureza” e “imutabilidade” e com o segundo sua multiplicidade e reproducibilidade. Aqui os números “sensíveis” representam nada mais que as coisas em si que ocorre de estarem sujeitas à aísthêsis. Os números matemáticos formam um domínio independente de objetos de estudo que a diánoia alcança ao perceber que sua própria atividade alcança sua plenitude em “avaliar e contar” (logízesthai kaì arithmeîn). O Número eidético, finalmente, indica o modo de ser do noêtón enquanto talele define ontologicamente o eidos como um ser que tem múltiplas relações com outros eîdê de acordo com sua natureza particular e que, contudo, é absolutamente indivisível em si. A teoria platônica dos arithmoi eidêtikoi é conhecida por nós nesses termos apenas a partir da polêmica de Aristóteles contra aquele (cf., acima de tudo, Metafísica, M6-9) (KLEIN, 1992, 89-91).

 A teoria platônica dos arithmoi eidêtikoi conforme reconstituída por Klein a partir da polêmica de Aristóteles contra Platão teve uma evolução paralela na tradição neoplatonista que também apelas às doutrinas não-escritas deste. O tratado plotiniano “Sobre o número” (Enéades, VI.6 [34]), que busca explicar a origem da multiplicidade e da totalidade a partir do número, pode ser considerado como uma tentativa de explicitar e esclarecer o pensamento de Pitágoras em articulação com o entendimento de Platão, esclarecendo e corrigindo as imprecisões de Aristóteles e, acreditamos, confrontando uma famosa passagem aristotélica (Metafísica, A6, 987b), aquela que diz que

[Platão afirmou que] os sensíveis existem ao lado [parà] das Ideias [idéai] e delas recebem seus nomes. Com efeito, a pluralidade das coisas sensíveis que têm o mesmo nome das Formas [eîdê] existe por “participação” nas Formas [méthexin… to?s eidesin]. No que se refere à “participação”, a única inovação de Platão foi o nome. De fato, os pitagóricos dizem que os seres subsistem por “imitação” [mimêsei/mímêsin] dos números; Platão, ao invés, diz “por participação” [dè méthexei][31], mudando apenas o nome. De todo modo, tanto uns [= os pitagóricos] quanto o outro [Platão] descuidaram igualmente de indicar o que significa “participação” [méthexin] e “imitação” [mimêsin] das Formas [tõn eidõn] (ARISTÓTELES, 2002, pp. 34 [grego] e 35 [português])[32].

 Plotino busca mostrar de que modo a teoria platônica dos arithmoi eidêtikoi [que Jacob KLEIN (1992, 92) reconhece ser comparável à teoria pitagórica das “raízes (pythménes)” numéricas] relaciona-se ao entendimento da transição do repouso (stásis) para o movimento (kínêsis) e da dinâmica entre o ser e o devir. “Para Plotino, assim como para os pitagóricos, o Um é, estaticamente, a unidade pela qual todo número é inteligível, e, dinamicamente, é a unidade donde e aonde toda multiplicidade se move” (O’BRIEN, 1964, 19)[33]. Plotino está inserido numa tradição que entende o número como um “universal” existente nas coisas (por semelhança com a estabilidade do Um) e, além disso, anterior e posterior a elas (por relação com a alteridade da díada), devendo ser recordada a respeito uma locução de Moderato de Gades (floruit 80-90 d.C.), preservada por Porfírio (Vida de Pitágoras, 49-50): “[Os pitagóricos] denominaram ‘um’ (hen) ao conceito significativo (lógos) da unidade, da identidade e da igualdade, e à causa do acordo conjunto e da simpatia do universo e da conservação daquilo que mantém imutavelmente a identidade. (…) Mas ao conceito significativo da alteridade, da desigualdade e de tudo que é divisível, e que admite diversas formas, chamaram de biforme e díada”[34]. A unidade quantitativa depende, assim, dos conceitos de unidade (indivisível)[35], identidade e igualdade, que no entendimento platônico vinculam-se às Ideias.

A linguagem bastante enigmática do tratado plotiniano “Sobre o número”[36] – necessariamente estudado junto com o tratado “Os objetos inteligíveis não existem fora do Intelecto” (Enéades, V.5 [32]) (GARCÍA BAZÁN, 2005, 35-42; SLAVEVA-GRIFFIN, 2009[37], 10) – esconde uma tentativa de elucidação do mistério do desdobramento das três primeiras hipóteses do Parmênides – do Um que é propriamente um[38] (137c-142a) para o Um-múltiplo (144e-151e)[39] e o Um-e-múltiplo[40] (155e-157b) – e de sua relação com os cinco gêneros do Sofista[41] (ser, repouso, movimento, mesmidade, alteridade). Para fazer isso, Plotino desenvolve uma hierarquia dos números tendo o Uno (primeira hipóstase) como causa de todos os números, ao modo pitagórico, precedendo o “número essencial” (ousi?dês arithmós; En. VI.6.9.33-37)[42], ideal ou abstrato,  aquele que “existe no Ser, é coligado ao Ser e anterior aos seres, e no qual os seres tem fundamento (básin), fonte (pêg?n), raiz (rhízan) e princípio (arch?n)”.

O “número essencial” é aquele que “sobrepensado nas Ideias (epitheôroúmenos toîs eidesi) e co-gerador (syngenn?n) delas” (En., VI.6.9.36-37), e que ademais fornece ser aos outros números (V.5.4.18), funcionando como potência (dýnamis)[43] que regula a disposição do mundo inteligível como um número “limitado”[44], se bem que múltiplo, de Ideias/Formas. Ao nível do Noûs (“Intelecto”; segunda hipóstase), o “número essencial” atua como atividade (enérgeia) do ser[45]. A imagem (eidolon)[46] quantitativamente expressável do “número essencial” é o “número monádico” (monadikós [arithmós]; VI.6.9.35)[47]; a Alma (terceira hipóstase) é capaz de expressar o “número essencial” e não-quantitativo como “números monádicos”.

Para Plotino, o “número essencial” tem quatro instâncias (SLAVEVA-GRIFFIN, 2009, 15, 87-8 e 109), correspondentes à tétrade Ser/Intelecto/Vivente completo/seres (VI.6.7-8):

– Ao Ser em repouso corresponde o “número unificado [com o Ser]” (arithmòs hênôménos; V.6.9.26-29 e 39)[48];

– Ao Noûs e ao movimento[49] corresponde o “número automovente” (arithmòs en heaut?i kinoúmenos; VI.6.9, 30–31);

– Ao Vivente completo (pantelès Z?ion)[50] [“o Vivente essencial (tò ousi?dês Z?ion)” ou “Vivente em si (tò Z?ion autò)”[51], a Alma (do mundo)] e à mesmidade corresponde o “número abarcador” (arithmòs periéchôn; VI.6.9.30–32);

– Aos seres (ónta) e à alteridade corresponde o “número desdobrado” (exelêligménos arithmós; VI.6.9, 30), extensivo até o limite da realidade material[52].

As quatro modalidades de atividade do “número essencial” (ousi?dês arithmós) – repouso, mesmidade, movimento e alteridade – são representações da série geométrica ponto/ linha/ círculo (= superfície)/ esfera (= sólido) (SLAVEVA-GRIFFIN, 2009, 125-30) num plano exterior ao espaço-tempo, cabendo recordar uma afirmação de Kevin CORRIGAN (2005, 153) a respeito de uma passagem um tanto obscura das Enéades (III.8.8.30-48): “As entidades geométricas nessa passagem devem ser tomadas como realidades inteligíveis, até mesmo o contorno e a superfície (que são incluídas no mundo inteligível como figuras inextensas em VI.6[34].17.21-29; cf. VI.2[43].21.44-50)”. Conforme CORRIGAN (2005, 155), a densidade do texto é o reflexo de uma tradição antiga e bem conhecida para a audiência de Plotino, segundo a qual “a analogia do círculo expressava não apenas derivação desde um princípio anterior, mas a estrutura de qualquer atividade que se desdobra enquanto permanece unificada”, na qual tudo vem do Uno e está fora do Uno que, no entanto, é a profundidade íntima de tudo que existe.

Para Plotino, “o número real é a atividade primária da substância, que ordena o desdobramento do universo desde sua fonte absoluta até uma multiplicidade finita” (SLAVEVA-GRIFFIN, 2009, 144-5). Apesar de discordar de Plotino em diversos pontos, Proclo não contradiz aquele ao afirmar na Teologia Platônica (IV.29.84.3-17; 85.17-20 e 86.8-10) que

 O número inteligível (hò noêtòs… arithmós) (…) tem propriedades que não são compreensíveis pelo raciocínio humano e que podem ser agrupadas em duas capacidades (dynámeis) primárias, aquela de gerar tudo e aquela de recolher todos os produtos de volta à unidade (…). Por um lado ele “desenrola” (anelíssei) a multiplicidade inteligível (tò noêtòn pl?thos) e traz à frente (prokaleitai) seu conteúdo oculto (krýphion) e unitário como distinção e geração produtiva (diákrisin kaì gónimon apogénnêsin), e por outro lado ele reúne a multiplicidade inteligível na unidade (hênosin) e na indivisível comunalidade (amériston koinônían). (…) Desse modo indicado, podemos considerar todos os ordenamentos dos entes (t?n óntôn diakósmous) como constituídos a partir do número divino (tòn theîon arithmòn hyphainoménous), que é absolutamente anterior (presbýtaton), intelectivo (noeròn) e transcendente (exêirêménon) em relação a todos os gêneros divisíveis. (…) [O número divino] faz subsistir primeiramente os números intelectivos (noeroùs), que constituem a Forma (eidêtikous óntas), são universais (katholikoùs) e presidem (proistaménous) toda a geração (genn?seôs) e produção (poi?seôs) (PROCLO, 2005, 572-5)

Tem-se, então, um movimento existenciante que começa no Uno e termina na multiplicidade dos seres, apresentado por Plotino (e depois por Proclo) em terminologia matemática que difere daquela que nos chegou através da Metafísica de Aristóteles, quiçá “para enfatizar que Aristóteles entende corretamente o[s] número[s] quantitativo[s][53] mas entende mal os números verdadeiros [alêthinoi][54] de Platão” (SLAVEVA-GRIFFIN, 2009, 93).

 CONCLUSÃO

A dimensão inteligível está organizada nas Enéades segundo uma hierarquia de níveis, correspondente ao movimento de processão (ou afastamento) desde o Uno, e que também é um processo de geração, passando pelas hipóstases do Ser, do Noûs e do “Vivente em si” até alcançar os seres. O número tem origem a partir do Ser e no nível deste, que produz os entes finitos segundo uma espécie de “processão” dos números, que são suas regras geracionais, “condição de possibilidade e causa exemplar da processão da phýsis” (LADRIÈRE, 2001, 223)[55].

A dialética aritmética pitagórica-platônica-plotiniana é ao mesmo tempo descendente e ascendente, apresentando-se tanto como explicação ontológica do vir-a-ser da realidade desde o Uno até a multiplicidade (quantidade) e a magnitude (VI.6.1.4-8, e vice-versa, VI.6.1.11-14) quanto como técnica ou método para reflexão ou elevação [ascensão contemplativa (theôrêtikê anagôgê) em Plotino] até o Uno. A perspectiva ascendente permite ir da multiplicidade à unicidade mediante uma superação reversa das diferenças e contradições (em Pitágoras e Platão) ou das hipóstases (em Plotino), e ao mesmo tempo sua conciliação na Unidade originária. A síntese das perspectivas descendente e ascendente permite, segundo LÓSEV[56], valorizar a mitologia como complemento dialético da ontologia; a existência no mundo é redimida através de um processo de conversão – como o Ser vem do Uno, o retorno ao Uno é fonte de sentido -, sendo a filosofia simultaneamente meio e fim.

A razão pela qual do Uno vem alguma coisa é expressa por Plotino através da linguagem do amor, e até mesmo as passagens onde se fala de uma “audácia” ou “ousadia” destemida (tólma) que é capaz de promover a existenciação da multiplicidade e da matéria através da diferenciação das hipóstases podem ser entendidas como metáforas dos arroubos amorosos e procriativos do Noûs e de Psych?, começando tudo por um ato auto-erótico do Uno (VI.6.1). Se não se pode pensar a procriação sem o movimento, porque não se poderia pensar o movimento como enredo de uma grande trama procriativa cósmica?

 REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES, Metafísica, ed. G. Reale, vol. II (texto grego com tradução ao lado), trad. M. Perine. São Paulo: Loyola, 2002.

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SLAVEVA-GRIFFIN, S. Plotinus on Number. N. Iorque: Oxford University Press, 2009.



[1] Cf. G. Cornelli, Em busca do pitagorismo: o pitagorismo como categoria historiográfica. Tese de doutoramento em Filosofia, USP, 2010, pp. 176-7.

[2] Segue a citação: “Comecei a perceber o platonismo clássico em sua inteireza não antes de 1924, logo depois de ter examinado toda a literatura neoplatônica principal, ter traduzido de meu próprio punho quase o corpus inteiro dos tratados [neoplatônicos] de lógica e ter escrito um livro de 500 páginas intitulado Cosmos Antigo e Ciência Contemporânea. Husserl ajudou-me a desenvolver um entendimento fenomenológico de Platão, e Plotino e Proclo [a desenvolver] um entendimento dialético e simbólico (…). Expandi de modo bastante independente o método de Husserl para incluir o simbolismo e a mitologia, sob influência do neoplatonismo, é claro, que seguiu tornando-se mais e mais claro para mim” (LÓSEV, 1930, 697-8). Adiante na mesma obra Lósev reconhece a proximidade de suas ideias, nesse “novo entendimento do platonismo”, às ideias de Pável A. Florensky, Paul G. Natorp (em 1920-1) – sem que tenha havido troca de influências entre os três -, e ainda às ideias de Pável P. Blonsky (autor de uma Filosofiya Plotina/Filosofia de Plotino, 1918) – “apesar de sua mentalidade filosófica totalmente diferente”.

[3] Lósev, A. F., Asmus, V. F. Platon: Sochineniya, (??????. ?????????), 3 v. (vol. 3 c/ 2 livros). Moscou: Mysl’, 1968-1972; 2ª ed. ampliada 1990.

[4] Que acompanha de perto a versão latina de Stahlbaum.

[5] Dialéktika Chisla u Plotina. Disponível em <http://www.bibliophika.ru/book.php?book=3295>.

[6] Outras sugestões de Lósev nessa obra e em outras indicam que, apesar de o estudo neopitagórico que “procede a partir da filosofia do número” ser “especialmente importante para o entendimento do ensinamento de Plotino”, o estudo neopitagórico que enfatizou aspectos menos numéricos do pensamento, como a reflexão sobre a matéria por parte de Ékfanto e de Ôkello, também pode ter influenciado o pensamento de Plotino.

 

[7] Cf. o Sofista, 255e-257a.

[8] Baseamo-nos aqui, um tanto frouxamente, em LÓSEV, 1993, 78-80.

[9] Os pitagóricos (aos menos os posteriores) parecem não ter desconhecido o conceito de zero, mas não o concebiam como nada absoluto. Plotino o chama de mêdèn (III.8.10.28 e ss.), uma possibilidade do pensamento “sem ente, sem substância, sem vida”, da qual nada se pode predicar.

[10] Theologoumena Arithmetica

[11] Ou Discursos Aritméticos sobre os Deuses.

[12] Fr. 44a9 Diels-Kranz: “F[ilolau], pitagórico, disse [serem princípios] o limite e o ilimitado” (Aécio, I.3, 10 [Dox. 283]; cf. Proclo, in Tim. I.76, 27 Diehl: “Segundo Filolau, as partes mais divinas governam as mais imperfeitas, e se forma um cosmos, constituído harmonicamente de contrários, o elemento limitante e o ilimitado” [B 1.2]).

[13] De arsen + thêlê. Nome aplicado a Phánês pelos órficos.

[14] Cf. John Davidson, A Treasury of Mystic Terms: The Principles of Mysticism, vol. 1: The universe of spirituality. N. Delhi: Science of the Soul Research Centre, 2003. No De Genio Socratis de Plutarco (Moralia, 588-89), o hýsplêx é usado como modelo dos impulsos humanos.

[15] Ou: Beleza, proporção e verdade (kállei kaì symmetría kaì alêtheía), consideradas como um (Filebo, 65a).

[16] “O Um como autoconsciência além da divisão de noêtón e nóêsis e como absolute bem além das relações finites foi aristotélico, e não platônico, o Deus aristotélico como o ponto de unidade anterior à divisão, onde o indivíduo tinha contato com o fundamento de sua liberdade. O mundo unificado temporal que tinha se tornado um mundo eterno tinha agora o status de uma imagem derivativa” [J. A. Doull, “Neoplatonism and the Origin of the Older Modern Philosophy”. Em: J. J. Cleary (ed.), The Perennial Tradition of Neoplatonism. Leuven: Leuven University Press, 1997, pp. 486-516; p. 487].

[17] Aristóteles, Metaf., 1091a-b.

[18] Metaf., 1086a5 e ss.

[19] Metaf., 987b.

[20] Metaf., 1080a.

[21] Metaf., 1080b12.

[22] Metaf., 1073a10, 1084a12 e ss.; Fís., III, 206b32 e ss.

[23] Metaf., 986a16-17.

[24] LÓSEV (1993, 87), por sua vez, reconhece seu débito em relação a Cantor ao entender os arithmoi eidêtikoi como Gestaltqualitäten.

[25] Metaf., 1083b3; b8-17.

[26] I. e., não são comparáveis.

[27] I. e, não se pode contá-las como replicações da mesma unidade (henás) ou mônada (monas).

[28] Baseado em unidades genéricas.

[29]Metaf., 1002b15 e ss.: [Os objetos matemáticos] não diferem em absoluto em serem muitos do mesmo tipo – t?i dè póll’átta homoeid? eînai outhèn diaphérei” (N. de Klein).

[30]Metaf., 987b15 e ss.: Os objetos matemáticos diferem de objetos dos sentidos por serem permanentes e imutáveis, e dos eidê, por outro lado, por serem muitos e similares, enquanto um eidos é cada um único em si mesmo/tà mathêmatikà… diaphéronta t?n mèn aisthêt?n t?i aîdia kaì akínêta eînai, t?n d’eid?n t?i tà mèn póll’átta hómoia eînai tò dè eîdos autò hèn ékaston mónon” (N. de Klein).

[31] Uma participação que é também, a bem da verdade segundo o Fédon, 100d, “presença (parousía) ou comunhão (koinônía)”.

[32] Aristóteles fala que Platão teria descuidado de “indicar o que significa participação das Formas” mas apresenta 26 argumentos (no cômputo de G. Reale) para rebater a “teoria das Formas/Ideias” (Metaf., A9, 990b-993a) e para criticar Platão e os platônicos (crítica retomada na Metaf., 1078b9-1080a8) a partir do entendimento que tem dessa teoria.

[33] Citando Leon Brunschvicq, Le Rôle du Pythagorisme dans l’Evolution des Idées. Paris: Hermann, 1937, p. 5.

[34] Seguimos a tradução de GARCÍA BAZÁN, 2005, 30. Nos parágrafos seguintes, deixaremos de lado a discussão plotiniana sobre a derivação das Ideias (e dos números) a partir do Uno e da díada (cf. Enéades, V.1.5.14, V.1.6.1, V.4.2.7).

[35] Ou de negação da multiplicidade (En., V.5.6.26-30)

[36] Segundo Lósev, o mais difícil dos tratados das Enéades.

[37] Que fez largo uso de ideias adiantadas por Lósev (cf. SLAVEVA-GRIFFIN, 2009, 11 n. 35), embora nem sempre as aponte, quiçá por não perceber o (velado) débito de Dmitri V. Nikulin (a quem cita exaustivamente) em relação a Lósev.

[38] Não é um todo nem tem partes.

[39] Cf. Parmênides, 143c-d

[40] É uma unidade de múltiplas coisas [cada uma delas sendo também “uma e muitas (hen kaì pollá)” ao mesmo tempo (áma) – Filebo, 14c; cf. Fédon, 96e-97a (ámphô)].

[41] Sobre o problema dos cinco conceitos fundamentais no Sofista e sua interpretação por Plotino (importantíssima para Lósev) cf. Karl-Heinz Volkmann-Schluck, Plotin als Interpret der Ontologie Platons (1941), 2ª ed. Frankfurt-sobre-o-Meno: Klosterman. 1957.

[42] Cf. especialmente SLAVEVA-GRIFFIN, 2009, 89.

[43] Pensamos que o raciocínio de SLAVEVA-GRIFFIN a esse respeito não é tão diferente daquele de Lósev, apesar do que ela afirma (2009, 86 n. 92).

[44] Os números ao nível do Ser são finitos porquanto “nada pode ser adicionado ao número inteligível”, mas são infinitos pela perspectiva de que “nada existe acima deles que poderia limitá-los, e eles se autodeterminam (…) por um movimento interior a si mesmos. (…) O número infinito é como o Primeiro Número, o que quer dizer que o Um contém, e realiza, o modelo de todos os números possíveis; ele designa todas as propriedades, relações ou proporções  que podem existir entre números” (E. Bréhier, Notice. Em: Plotin, Ennéades, VI, 2ª parte [VI.6-9], 2ª ed. Paris: Les Belles Lettres,  1954, pp. 15-16).

[45] O “número essencial” proporciona duração à intelecção divina.

[46] Cf. “face; vulto” (prósopôn) e “estátua intelectiva” (agalmá ti noerón) em En., VI.6.6.40-41 – um raciocínio que aponta que qualquer “objeto noético”, inclusive o número, “ergue-se por si mesmo e se manifesta por si mesmo, ou melhor, existe em si mesmo” (ex autoû estêkòs kaì prophanèn èn aut?i, mâllon dè òn èn aut?i)  (LÓSEV, 1993, 341).

[47] Aliás, “número do quanto [= quantitativo]” (arithmòs… hò to? poso?; to? poso? arithmo?; En., V.5.4.18 e ss.), número numerante (VI.6.15.37-40) ou “número total, número anterior a todos os viventes, e mesmo ao Vivente completo” (arithmòn… sýmpanta, …, hò arithmòs prò z?iou pantòs kaì to? pantelo?s Z?iou; VI.6.15.7-10). Slaveva-Griffin prefere empregar a terminologia monadikós arithmós em alusão à Metaf. 1083b8-17 (e 1092b23-24). Cf. ainda Proclo, In Remp., II.16.3-22.19.

[48] Cf. En., V.5.4.18.

[49] Um “movimento sem movimentação”, anterior ao desdobramento no espaço-tempo (q. v. SLAVEVA-GRIFFIN, 2009, 103-6). Na Teologia Platônica, Proclo discorda que o número exista no Noûs, como quer Plotino (En., V.6.15.13-18, p. ex.).

[50] Timeu, 31b1; Enéades, V.6.15.6-10; Proclo, Teologia Platônica, V.16, 55.18.

[51] Autoz?ion na Teologia Platônica, V.16, 55.20.

[52] Cf. SLAVEVA-GRIFFIN, 2009, 40-1 n. 86.

[53] Ou seja, os “números monádicos”.

[54] Ou seja, os “números eidéticos” de Platão ou “número essencial” de Plotino. No Comentário à Metafísica de Siriano, “número eidético” significa número inteligível e “número matemático” significa “número monádico (quantitativo)”.

[55] Cf. Konstantin V. Zenkin, “On the religious foundations of A. F. Losev’s philosophy of music”. Studies in East European Thought, 56, 2004: 161–172, p. 165.

[56] Cf. sua Dialética do Mito (1930), já traduzida para o espanhol, inglês e alemão (Dialectica del Mito, trad. M. Kuzmina. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia/T. M. Editores e Impresores, 1998; The Dialectics of Myth, trad. V. Marchenkov. Londres: Routledge, 2003; Die Dialektik des Mythos, trad. E. Kirsten. Hamburgo: Felix Meiner,  1994).

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