AS ADVERTÊNCIAS DO MITO DA CAVERNA – PARTE II
1 – JUSTIFICATIVA
Na primeira parte deste trabalho, depois de apresentar a alegoria de Platão, discutir as dificuldades envolvidas no processo de saída da caverna para a luz do dia e constatar que os regimes democráticos modernos não mudaram as condições culturais essenciais da população – que continuam a ser as mesmas dos habitantes da caverna de Platão -, deparamos com o fato irrecusável de a nossa faculdade de pensar depender, invariavelmente, de referencial ou paradigma interpretativo. Esse paradigma, ao mesmo tempo em que viabiliza a cognição, também modela e determina o tipo da interpretação, de sorte que a mudança de paradigma por si só não garante a superação de todas as cavernas e pode simplesmente representar a passagem de uma caverna para outra, tal como agora nos surpreendemos aprisionados na caverna da civilização ocidental. Sobre como enfrentar esse problema, naquela primeira parte nos limitamos a dizer que a solução proposta por Platão consistia em aprender a pensar dialeticamente; para ele, ser capaz de vislumbrar a totalidade e orientar o raciocínio por ela.
Embora seja verdade, e tenhamos mencionado que Platão se valia da dédaca sagrada de Pitágoras como referencial interpretativo, e, ainda, que o próximo capítulo deste projeto tem como propósito discutir a versão científica do modelo interpretativo – que contempla a totalidade -, Platão praticamente não menciona esse referencial em seus escritos e nem mesmo confessa textualmente em sua obra que se valia do modelo de Pitágoras. As razões desse procedimento têm recebido crescente atenção de estudiosos e pesquisadores da obra platônica e insinuam-se como indicações fundamentais, tanto para o desvelamento do referencial que instrumentalizava Platão, como para a correta interpretação do seu pensamento[1].
O que tem sido constatado é que Platão somente discorria sobre o núcleo central de sua doutrina em ocasiões reservadas para plateias cuidadosamente selecionadas e de modo exclusivamente oral, tendo, na Carta VII, se recusado expressamente a escrever a respeito. Não obstante, em algumas ocasiões ele fornece indicações cifradas sobre esse núcleo doutrinário, em torno do qual gravita o que tem recebido modernamente a designação de doutrinas não escritas de Platão. Uma delas é o texto que antecede a apresentação da alegoria da caverna, quando Gláucon pede a Platão que fale do bem em si – um convite que o mestre recusa, em virtude de dificuldades que não esclarece, mas compensa, ao falar do filho do bem, o Sol. Olhar mais atento percebe que se trata de mais uma recusa de escrever sobre assuntos que Platão decidira tratar apenas na oralidade. Trata-se, porém, de texto preparatório fundamental para completo entendimento da alegoria da caverna. De certa maneira Platão atende ao pedido de Gláucon, todavia o faz de forma velada, valendo-se de símbolos e metáforas. Ao afirmar que não podia falar sobre o bem em si na ocasião, tal como fazem os ilusionistas, ele desvia a atenção do leitor para o Sol. Entretanto, para olhos iniciados, ele traça um quadro referencial que, ao posicionar precisamente o bem em si, abre lacuna conceitual, que requisitará o paradigma pitagórico de que se utilizava, como tentaremos demonstrar.
Analisar o texto introdutório constitui, portanto, o objetivo principal desta segunda parte do estudo, na expectativa de facultar ao leitor atento acesso aos pressupostos de que Platão se valeu para produzir sua admirável obra. Compreenda-se que, ao revelar aspectos centrais da doutrina não escrita, não se estará cometendo algum sacrilégio ou indiscrição, mas prestando esclarecimentos que Platão mesmo gostaria de ter prestado, e que não pôde fazer principalmente em razão da presença de lacunas conceituais que impediam explanação dotada de mesmo grau de consistência das demais proposições. Nos trabalhos da sessão de estudos platônicos do site, o leitor encontrará análise mais detida dessas razões, bem como indicações das conquistas conceituais modernas, que permitiram superar aquelas limitações.
2 – A RECUSA E O DESVIO DO PAI PARA O FILHO
O diálogo da República transcorre em Pireu, localidade rural nas cercanias de Atenas, na casa de Céfalo, próspero fabricante de escudos, por convite do filho Polemarco, que reunira um grupo de amigos para ouvir Platão. Depois de extensa discussão sobre justiça, para a qual não encontra suporte lógico convincente no plano individual, Platão passa a examinar o plano coletivo, a fim de ali encontrar razões suficientes para justificar a prevalência da justiça, daí o dialogo encaminhar-se para o projeto de uma cidade ideal, onde os homens pudessem viver em paz e segurança. O texto que nos interessa se desenvolve no final do capítulo VI, quando o personagem Gláucon cobra do personagem Sócrates explicações sobre o bem em si. A recusa de Sócrates revela-se significativa, com os seguintes termos:
“Mas, meus caros, vamos deixar por agora a questão de saber o que é o bem em si; parece-me grandioso de mais para, com o impulso que presentemente levamos, poder atingir, por agora, o meu pensamento acerca dele. O que eu quero é expor-vos o que me parece ser o filho do bem e muito semelhante a ele, se tal vos apraz; caso contrário, deixemos isso.” (A REPÚBLICA, 506e)
Cumpre notar que a justificativa para a recusa é precária, mas a recusa é peremptória, de sorte a valorizar a alternativa-desvio de contemplar o filho do bem. Na sequência Gláucon concorda, registrando a dívida: “… outra vez pagarás a explicação que nos deves acerca do pai”, ao que Sócrates responde: “- Tomara que eu pudesse pagar e vós recebê-la, e não como agora, dar-vos só os juros. Recebei, portanto, este juro e este filho do bem em si”.
Observe-se que a dificuldade não era apenas a de Sócrates conseguir formulação adequada da explicação do bem em si, mas também de os ouvintes serem capazes de entendê-lo: tomara que eu pudesse pagar e vós (tivésseis condições de) recebê-la. De qualquer modo, além de ficar claro que havia conhecimento sobre o qual ele não queria falar, fica suficientemente induzido que se falará do filho, e não do pai. Por último, é Platão quem escreve, e ele poderia colocar o que quisesse na boca dos seus personagens; fica evidente, portanto, que o tema do bem em si diz respeito ao que Platão, em razão das dificuldades envolvidas, resolvera não escrever. Parece também possível inferir, com auxílio de outros textos, que ele gostaria de falar a respeito, mas encontrava dificuldade para formular a questão em termos conceituais lógicos e racionais, o que evidentemente implicaria dificuldade proporcional de entendimento aos ouvintes. Qual a solução contemporizadora? Lançar mão de metáforas para ao menos dar o sentido geral, como se verá adiante.
3 – A RAZÃO ÁUREA DE PLATÃO
Sócrates inicia a discussão invocando a teoria das ideias de Platão, segundo a qual, para correto entendimento, impõe-se distinguir nas coisas existentes componentes visíveis e componentes inteligíveis: os primeiros substanciais; os segundos, essenciais, correspondentes às ideias. Em termos aproximativos, podemos entender a proposição platônica no sentido de que todos os fenômenos objetivos existentes possuem conteúdo e forma. A ciência moderna demonstrou que, em última instância, o que entendemos por matéria constitui energia condensada e organizada de certa maneira. Isso torna evidente que todos os fenômenos são constituídos de energia convenientemente organizada, resultando ser perfeitamente adequado diferençar nos fenômenos o que é substancial – a energia – daquilo que organiza e molda o fenômeno – a inteligência organizativa. Preferimos essa designação em lugar de ideia e de forma, usadas por Platão, visto que inteligência organizativa evidencia de modo mais claro para mentes modernas que os fenômenos, por mais simples que sejam, resultam, não do ajuntamento aleatório de componentes, mas da inteligente articulação de energias, átomos e moléculas, em unidades complexas perfeitamente organizadas. Como seres dotados de capacidade intelectiva, somente temos acesso à inteligência organizativa constituinte dos fenômenos, então, parece adequado designar a essencialidade constituinte de inteligência organizativa. Para operar inteligência organizativa, nossa espécie foi provida de cérebro e de mente. Pensar significa, portanto, segundo visão atualizada da teoria das ideias de Platão, operar a inteligência organizativa, constituinte dos fenômenos e edificadora do mundo.
Sócrates mostra-se didático ao justificar a distinção dos aspectos sensíveis e inteligíveis: “aquelas são visíveis, mas não inteligíveis, ao passo que as ideias são inteligíveis, mas não visíveis”, e com isso coloca a teoria das ideias ao alcance de todos.
Posta essa base, o diálogo vai identificar os condicionantes estruturais que viabilizam, de um lado, a percepção do sensível e, de outro, a compreensão do inteligível. A tese é meridianamente clara: vemos com o concurso de olhos providos de capacidade de ver, e os objetos e as cores são visíveis porque possuem a faculdade de mostrar-se à visão. Nada disso pode ocorrer na completa escuridão, na ausência de luz, portanto a luz viabiliza que o mundo sensível seja visto. Dado que, em nosso mundo, quem fornece a luz é o Sol, conclui-se que é ele, o Sol, que nos concede a dádiva de ver e é ele também que concede aos objetos e às cores a propriedade de serem vistos.
À medida que o Sol se ausenta e a noite cai, a visão se turva, enfraquece, e a nitidez se perde até desaparecer por completo. Quando amanhece, o processo se inverte, até que, à plena luz do Sol, as coisas se tornam completamente claras. Sócrates destaca que nem o olho que vê, nem o objeto da visão captada confundem-se com o Sol, que é um terceiro elemento. É, porém, o Sol que concede ao olho o poder de ver, segundo o texto, por transbordamento, ressaltando assim o fato de esse poder ser conferido sem que o Sol saia do seu lugar. Ora, nós sabemos hoje que a própria faculdade de ver dos animais se desenvolveu em face da presença da luz, e que tudo se origina e é sustentado pelo Sol. O Sol cuspiu os planetas, o Sol mantém os planetas em órbitas estáveis, o Sol gera a energia e o calor, que sustentam a natureza em nosso planeta, e continua sendo ele o provedor da energia vital, que alimenta todos os seres vivos. Assim, afigura-se perfeitamente justificada a observação de Sócrates ao indicar que o Sol não apenas possibilita a visão, mas também gera e sustenta tanto o olho como os objetos sensíveis, cuja forma e cores são vistas e percebidas.
Nessas condições, justifica-se plenamente o status divino que a mitologia grega conferia ao Sol: a mais evidente fonte criadora de tudo o que existe na Terra. Ocorre, porém, que Platão, em face do que ensina a teoria das ideias, percebe que o Sol integra o mundo sensível e que este resulta da ação da inteligência organizativa que pertence ao mundo inteligível, portanto o Sol não pode ser mais que um filho dileto do verdadeiro princípio criador. A esse princípio criador Platão designa de o bem em si, que em outras ocasiões identifica como a beleza em si. Com isso, o discurso de Sócrates transita do mundo visível para o mundo inteligível e vai defender que o bem em si atua sobre a mente, sobre as ideias e sobre o conhecimento, da mesma forma que o Sol atua sobre o olho, os objetos e a visão. Gerando-os, alimentando-os, sustentando-os.
No caso do mundo inteligível, não é o olho que atua, mas a mente. O que é visado nessa atuação não é um objeto e suas cores, mas as ideias ou a inteligência organizativa; e o produto da ação perceptiva não é visão, porém compreensão, entendimento, conhecimento. Similarmente, assim como no caso do mundo sensível, é a luz gerada pelo Sol que ilumina os objetos e suas cores, fornecendo ao olho a capacidade de ver e às cores capacidade de serem vistas, assim também, no caso do mundo inteligível, não é o bem em si que possibilita a compreensão e o conhecimento, mas, segundo Platão, o ser e a verdade que transbordam dele: instrumentalizando a mente e iluminando as ideias ou a inteligência organizativa constituinte do mundo inteligível.
Neste ponto de nossa análise, posicionamo-nos para a fase delicada desta cirurgia, que determinará se a pílula vermelha vai ou não fazer efeito. Avancemos, pois, com cautela; consolidemos primeiro o percurso já cumprido. Observe-se que Platão nos propõe, em síntese, uma razão áurea similar à proporção áurea – 1,618 – identificada na natureza. Essa razão áurea é estrutural à perspectiva que Platão propõe para olhar o mundo e a natureza de forma ordenada, metódica e direta, superando assim as ilusões próprias das cavernas. Essa razão áurea pode ser formulada nos seguintes termos: o Sol está para o mundo visível, como o bem em si está para o mundo inteligível. O esquema a seguir consolida a estrutura referencial a partir da qual Platão lança o olhar sobre o mundo.
Figura: modo platônico de ver o mundo
Antes de tudo convém esclarecer que se trata de olhar metafísico, que busca descortinar a constituição ontológica do mundo e que absolutamente não pode ser confundido com o olhar epistemológico moderno, o qual contrapõe o objetivo ao subjetivo, em busca da teoria do conhecimento. O visado é a constituição da realidade, não as condições viabilizadoras do pensamento. Assim, o mundo inteligível precisa ser entendido, segundo os termos platônicos, como provedor da essência, constitutiva, edificadora e sustentadora do mundo visível. Portanto, ontologicamente, o mundo inteligível antecede ao mundo visível, ainda que, temporalmente, sejam simultâneos e partícipes dos fenômenos.
Posto isso, o que ainda resulta obscuro nesse esquema interpretativo de Platão? A explicitação do mundo visível parece suficientemente realizada em face da consistência interna dos elementos destacados e da nossa experiência visual com o mundo material e sensível, que se oferece à nossa percepção. A substituição do termo ideias por inteligência organizativa – que é a única mudança que realizamos relativamente ao texto – não oferece dificuldades. Como é que se constrói um edifício? Primeiramente, engenheiros e arquitetos elaboram projeto que especifica a obra. Esse projeto indica a inteligência organizativa, segundo a qual os materiais que serão utilizados na construção deverão ser reunidos, combinados, articulados, misturados e ordenados, de tal sorte que o resultado final do esforço seja o edifício pretendido. Observe-se que a construção se realiza obedecendo às especificações constantes do projeto, e, à medida que a construção avança, a inteligência organizativa descrita no projeto vai sendo incorporada à obra. No final, o edifício constitui unidade e totalidade determinadas justamente pelas especificações do projeto, isto é, determinada pela inteligência organizativa incorporada. Eventuais aprofundamentos na questão podem ser obtidos nos já citados estudos platônicos. Nesses mesmos estudos poderá ser encontrada uma discussão mais detida do fato evidente de a mente operar a inteligência organizativa constituinte dos fenômenos. Resta então contemplar o bem em si e suas duas emanações: o ser e a verdade.
Todos temos experiências introspectivas reveladoras de que a operação da mente exige operador. Um operador inteligente, o qual podemos designar de intelecto e que em nossos momentos introspectivos identificamos com o nosso ser. Com o ser que somos no mais profundo do complexo que nos constitui. O que Platão afirma é que esse ser configura emanação do bem em si. Uma emanação, segundo ele mesmo, por transbordamento. Modernamente, estudos não ortodoxos de lógica identificaram padrão de movimento inferencial que obedece à lógica transcendental e que possui a propriedade de explicar o surgimento de uma totalidade que transcende à soma de suas partes.[1] Com isso, hoje seria mais adequado dizer que o ser emana do bem em si, por transcendência, porque essa lógica explica como algo antes não existente pode emergir em determinado plano existencial. Não há aqui qualquer mistério. Caso o leitor consiga unir dois átomos de hidrogênio a um átomo de oxigênio em condições apropriadas, terá criado uma molécula de água inexistente na comunidade das moléculas. Tal molécula terá propriedades que não estavam presentes nem no átomo de oxigênio nem nos átomos de hidrogênio, logo constitui totalidade situada para além da mera soma das partes. Assim, embora Platão não explique como ou por que essa emanação acontece, não resta dúvida de que técnica e logicamente esse movimento criativo não envolve dificuldades.
Parece irrazoável que alguém recuse a presença de um ser na raiz de seus pensamentos; então, admitir a presença dele como intelecto operador da mente, parece questão, se não pacificada, ao menos perfeitamente admissível como hipótese razoável. Da mesma forma, admitir o surgimento do ser ou de qualquer outro fenômeno por transcendência tampouco oferece as dificuldades virtualmente presentes com o uso de outra expressão, tal como transbordamento. Em Física Quântica, constata-se que elétrons negociam -recebem e devolvem – quantum de energia com o vácuo cósmico, ao mudarem de órbita no átomo. Embora esse vácuo cósmico ainda não esteja completamente esclarecido, apresenta-se como sério candidato a situar-se fora do espaço-tempo que delimita a localidade onde a ciência desde Einstein opera. Assim, usar o conceito de transcendência afigura-se não apenas possível, mas também conveniente à própria ciência, a qual, desde Newton, optou pelo conceito de imanência. Este se encontra na berlinda com a crise do conceito científico de localidade ou com o advento do conceito de não localidade em Mecânica Quântica. Pode-se concluir então que em princípio, não se vislumbram dificuldades à tese platônica de advento do ser por transcendência.
4 – O BEM EM SI E A EMANAÇÃO DA VERDADE
A questão da verdade já não é tão simples e exige explanação mais detida. As expressões o bem em si, o belo em si e a verdade, constituem conceitos interdependentes, vinculados ao culto grego da beleza e da perfeição. Talvez a expressão mais clara dessa valorização da beleza que chegou até nossos dias seja o prestigio das esculturas gregas, esmeradas em representar a perfeição do organismo humano. Elogia-se até hoje a beleza de uma mulher, dizendo se tratar de escultura grega. Nessa perspectiva, o conceito de beleza está vinculado ao conceito de medida certa, que é também medida adequada, e a beleza manifesta do mundo resulta de participações de fenômenos na beleza em si divinizada. A beleza em si ou o bem em si são postos, no esquema platônico, na posição de princípio primeiro do mundo inteligível, de acordo com a teoria das ideias e com a perspectiva metafísica adotada. Em diversos outros diálogos Platão se refere a esse princípio como o uno. Esse uno é definido como princípio da unidade, absolutamente simples e indivisível, que não chega a ser número porque antecede ao próprio número. As religiões modernas identificam uno com Deus; a Metafísica, com o princípio primeiro de natureza absoluta.
Ora, na perspectiva metafísica adotada por Platão, uno representa o ponto radical de origem, o vértice a partir do qual a realidade do mundo se edifica. Edifica-se aleatoriamente? Não! Edifica-se em cosmos, plenamente organizado e integrado em uma totalidade irredutível. O universo grego é cosmos, não caos. Para que seja cosmos e não seja caos, impõe-se que a criação seja regulada por leis universais inescapáveis e imutáveis. Tais leis emanam do uno e configuram aquilo que Platão designa de princípios primeiros que ontologicamente antecedem as próprias ideias. Em algumas ocasiões conceituais esparsas, Platão aporta lampejos a respeito desses princípios. Um deles é relatado por Aristóteles ao discutir o uno e a díada do grande e do pequeno – na sua Metafísica. Outro, quando Platão – no Parmênides – discute o um indivisível da mais extrema simplicidade, frente ao um da totalidade, sabidamente composto de partes. Um terceiro momento se apresenta no Sofista, com a proposição de cinco gêneros supremos. Contemplando esses momentos conceituais, à luz do que Platão afirma sobre as matemáticas na metáfora da segunda navegação, no Ferdon, consegue-se entender o sentido geral subjacente à tese platônica sobre a constituição do mundo inteligível e o sentido específico que o termo verdade adquire nesse contexto.
O projeto do edifício citado, ou mais especificamente a inteligência organizativa que os engenheiros e arquitetos projetaram e registraram nas plantas e descrições do edifício, precisa obedecer às leis da Geometria, da Lógica e da Matemática, as quais são, respectivamente, as ciências da forma, do movimento e da quantidade, indispensáveis para conferir estabilidade, permanência e funcionalidade ao edifício em construção. Essas três ciências, como se sabe, constituem alicerce das demais ciências físicas, e os gregos antigos, tendo consciência desse papel básico, indicavam-nas de modo geral como ciências matemáticas[2]. Daí entenderem que os próprios deuses construtores do universo tiveram que obedecer às ciências matemáticas para que o universo constituísse um cosmos e não um caos. É, pois, em razão de obedecer às ciências matemáticas que algo era considerado belo e bom pelos gregos. Daí também toda a obra dos deuses, na criação e na gestão do universo, ser considerada obra do bem em si ou do belo em si e constituírem sempre coisas boas. Nesse sentido, o universo e a natureza existentes constituem realidades boas e belas, porquanto sancionadas pelas matemáticas, sendo ilógico e irracional pretender fazer ou esperar que os deuses façam ou construam algo à margem dessas leis. Aliás, os estudos que realizamos a respeito indicam que tanto o relativo como o absoluto implicam naturezas determinadas e próprias aos seus termos, isto é, natureza absoluta e natureza relativa, ambas inescapáveis, de sorte que o advento do relativo a partir do absoluto somente pode dar-se de modo plenamente normatizado, como modo relativo determinado e inescapável de existir. Esse o sentido profundo do termo verdade, empregado por Platão para caracterizar as formas ou ideias – a inteligência organizativa -, que são as ocorrências objetiváveis do mundo inteligível. A verdade que ilumina o mundo inteligível revela o alicerce lógico, geométrico e matemático, presente em toda inteligência organizativa naturalmente engendrada. Por ser a mesma verdade constituinte da mente, nada mais natural que a operação da mente reconhecer a presença da verdade nas ideias e assim admiti-las como conhecimento.
Observe-se adicionalmente que a inteligência organizativa contida no projeto do edifício serve apenas para organizar o edifício em unidade estável – durante certo tempo ao menos – e constitui o conhecimento que podemos adquirir sobre o edifício objetivamente construído, mas não contempla registro da inteligência criativa, que os projetistas usaram na concepção do edifício. As plantas do edifício não indicam a inteligência criativa ou os conhecimentos que os engenheiros e arquitetos usaram para projetar o edifício. Da mesma forma, a inteligência organizativa natural que sustenta uma árvore, muito mais sofisticada que a de um edifício, de vez que preconiza a própria reprodução da árvore, não explica a inteligência criativa utilizada pela natureza ao dar existência à primeira de todas as árvores. Portanto, no esquema do mundo inteligível de Platão, sintetizado na figura, carece indicar a inteligência criativa que liga a elipse do bem em si com a elipse da inteligência organizativa. Faltam os princípios primeiros, que são geradores da existência relativa, que são geradores de todas as inteligências organizativas dos fenômenos existentes. Faltam os princípios construtores da complexidade universal.
5 – A INTELIGÊNCIA CRIATIVA
No modo platônico de ver o mundo sintetizado na figura, constata-se lacuna conceitual. Não há indicação de como o ser e a verdade, que transbordam do bem em si, criam e constituem a mente e a inteligência organizativa do mundo. Essa lacuna conceitual revela justamente a parcela doutrinária sobre a qual Platão deixou de escrever e que os estudiosos modernos estão designando de doutrinas não escritas.
Embora Platão não tenha legado à posteridade texto descritivo da inteligência criativa, e o próximo capítulo do projeto, no qual este texto se inscreve, objetive justamente descrever, ainda que em linguagem moderna, um modelo de logos normativo correspondente ao adotado tanto por Pitágoras como por Platão, cumpre antecipar as percepções derivadas do modo platônico de ver o mundo. Este, como já demonstramos, exige a presença dessa inteligência criativa como complemento necessário para fechar o modelo. Em verdade, o próprio posicionamento estrutural dela no esquema interpretativo de Platão, somado ao caráter metafísico da perspectiva e ao conceito de verdade matematicamente condicionado, praticamente coloca premissas suficientes para viabilizar a dedução lógica do modelo subjacente. Procedamos então à descrição mínima, suficiente para a ocasião.
Podemos começar com a questão da inteligência criativa em termos ajustados ao modo platônico de ver o mundo, conforme já discutido. De que forma o ser cria e institui uma existência relativa valendo-se apenas de si mesmo e da verdade? Ou então, de que forma o ser, amparado somente pela geometria, pela lógica e pela matemática, consegue criar e estabilizar uma presença qualquer no mundo relativo? A resposta é necessariamente única, uma vez que este universo somente pode admitir um modo existencial, que sendo compatível com a sua natureza, evite comprometer a sua ordem interna, para que possa continuar a ser cosmos e não se transforme em caos. Por surpreendente que pareça, essa resposta já era conhecida e fornecida por Pitágoras com a famosa dédaca sagrada, na qual os pitagóricos juravam fidelidade à ordem místico-filosófica que ministrava tais ensinamentos, representada pela singela operação: 1 + 2 + 3 + 4 = 10.
A simplicidade chega a ser desconcertante para a complicada cabeça do homem moderno. Embora mais esclarecida, a comunidade dos físicos sempre entendeu que no alicerce do universo ela deva predominar. Nessa altura, o leitor deve estar se perguntando se essa equação revela o modo, segundo o qual os fenômenos se estabelecem na existência. Se já era conhecida antes de Platão nascer, por que até hoje a ciência não a menciona e não a leva em consideração? Responder com segurança talvez seja mais difícil do que explicar o significado e o funcionamento da equação. Estamos falando de uma inteligência criativa que se manifestou quando surgiu a primeira partícula atômica no âmbito relativo, sem a qual essa partícula não teria surgido.
Observe-se que isso se deu antes de se estabelecerem as condições que possibilitaram e deflagraram o Big Bang, gerador do universo. Antes, portanto, de surgirem espaço e tempo. Acrescente-se que a nossa ciência atual opera dentro do âmbito delimitado pelo espaço e pelo tempo, e começa-se a perceber a extensão das implicações dessa concepção. Ela desafia a ciência a operar também fora do espaço e do tempo, problema que, aliás, os físicos quânticos já vêm enfrentando nas últimas décadas, talvez até sem dar-se completamente conta disso. Além do mais, a inteligência criativa tem sido usada pelas religiões como fundamento das teses criacionistas. O Verbo, que era no princípio, de que nos fala João no primeiro versículo do seu evangelho, é apenas outro nome dado à inteligência criativa “que se faz carne e habita entre nós” e “segundo o qual tudo se fez”. Parece relevante, por um terceiro lado, levar em conta que a universalização desse conhecimento torna virtualmente impossível a exploração do homem pelo homem, em razão da lucidez e do entendimento propiciado. Portanto, não há dúvida de que interesses poderosos – e egoístas – se fazem presentes na questão.
Apesar de tudo, quer nos parecer que a dificuldade maior resultava de carências conceituais que impediam a formalização metódica e racional de um saber de origem mitológica, o qual convencia, mas era amparado essencialmente na intuição. Pitágoras provavelmente foi o autor da equação, mas certamente não o da concepção. Esta, ele recolheu nos templos do Egito, em meio a conhecimento milenar com registro expresso da questão datado de 1760 a.C., cuja origem efetiva ninguém conhece.[3] No Egito tal conhecimento se traduzia em ciência, e as obras faraônicas testemunham isso, mas a tradução para a cultura grega implicou conversão para “matemáticas” que não dispunham de elementos conceituais suficientes para tradução precisa dos conceitos importados. A solução foi utilizar números, ressaltando que não se tratava de meros números quantitativos, mas de números ideais que não admitiam ser somados ou operados uns com os outros. Cada número da dédaca inaugurava série quantitativa e qualitativa distinta das demais, que apenas combinavam-se complementando-se na composição dos fenômenos realizados.
Posto assim, convenhamos, fica tudo muito obscuro e indefinido. Chega a ser emocionante o esforço de Aristóteles ao tentar, sem sucesso, entender o núcleo da doutrina de Platão. Todas as 363 páginas da sua Metafísica giram em torno da teoria das ideias, ora contestando, ora buscando alternativas, mas sempre buscando compreender algo que talvez lhe tenha sido intencionalmente sonegado, deixando nas entrelinhas um fio de esperança de encontrar razões que validassem a teoria. Aristóteles não consegue entender o significado dos números ideais e tampouco sancionar a teoria das ideias. Nem mesmo os neoplatônicos, estudiosos da questão, lograram iluminar convenientemente o mistério, que só agora se resolve.
Resolve-se como? Do modo mais simples possível, em razão das conquistas conceituais da modernidade. Os números da dédaca sagrada indicam instâncias constituintes da existência relativa, que se diferenciam entre si em razão de contemplarem amplitudes existenciais diferenciadas. Pitágoras focaliza a existência procurando identificar o que a normatiza. Identifica e estabelece dois princípios básicos: o ilimitado e o limitante. Ao ilimitado, Platão vai chamar-lhe de uno e defini-lo como simplicidade máxima indivisível. A religião vai chamá-lo de Deus, e a Metafísica, de princípio absoluto necessário. O limitante define o locus da existência relativa, o qual Pitágoras especifica com a equação 1 + 2 + 3 + 4 = 10. Platão vai chamá-lo ora de princípios primeiros, ora de díade do grande e do pequeno, e na Carta VII vai indicá-lo com os ordinais 1º, 2º, 3º, 4º, e 5º. A religião vai designar o limitante de Verbo, que era no princípio. O Logos Normativo, que adotamos como paradigma, geometriza esses princípios e define o locus do ilimitado como âmbito adimensional e o locus do limitante como âmbito da existência relativa, dimensionalmente organizado. Os números 1, 2, 3 e 4 da dédaca correspondem respectivamente à primeira, segunda, terceira e quarta dimensão da realidade; o número 10 corresponde à totalidade da realidade, seja ela partícula atômica, átomo, molécula, organismo, planeta, galáxia ou o próprio Universo.
O logos normativo esclarece que a realidade relativa se edifica a partir da primeira dimensão, mediante a transcendência do ser a partir do uno, que é a origem necessária. Esse uno é ilimitado, portanto, absoluto, de sorte que lhe atribuir instância adimensional como locus resulta perfeitamente adequado, visto que apenas uma instância adimensional comporta atributos absolutos. O ser que emerge no âmbito relativo por transcendência diferencia-se do adimensional apenas por estar em movimento, ao contrário do uno ilimitado, que é necessariamente imóvel em razão do seu caráter absoluto. Esse ser que transcende traz consigo a carga de potencialidades própria do absoluto, mas, ao mover-se, é determinado pela amplitude de uma dimensão que lhe faculta o movimento e lhe estabelece o primeiro limite. Dado, porém, que esse ser está imbuído de impulso absoluto para o movimento existencial, ele vence a resistência oferecida pelo limite da amplitude unidimensional e desdobra a segunda dimensão, com âmbito infinitamente maior. Disponibilizada a amplitude de duas dimensões, abre-se espaço para o outro e para a diferença. Com a diferença se estabelece a simetria, e o impulso absoluto para a existência se revela impulso para a complexidade. Da mesma forma são desdobradas tanto a terceira e a quarta dimensões como a instância de totalidade, sempre em busca de amplitude superior, que viabilize maior complexidade. A totalidade surge como momento de repouso evolutivo e como estágio de completude fenomênica capaz de propiciar ao fenômeno assento estável na existência relativa, onde desfrutará de certa permanência. A cada totalidade corresponde uma inteligência organizativa própria, então, constata-se que as cinco instâncias dimensionais descritas pelo logos normativo explicam todo o percurso ontológico cumprido pelo ser na geração dos fenômenos existentes.
Não cabe aqui entrar em detalhes sobre o modelo do logos normativo, pois será visto no capítulo seguinte. Agora parece suficiente mostrar que o modelo da dédaca sagrada é consistente como modelo que pretende explicar de que forma fenômenos se estabelecem na existência. Essa compreensão se torna possível porque dispomos de uma geometria dimensional, que se situa para além das geometrias não euclidianas e também de uma ciência multilógica, situada para além da monológica clássica aristotélica. Além disso, o modelo evidencia a necessidade de uma matemática capaz de contemplar múltiplos graus de infinidade, já que um universo concebido em dimensões preconiza horizontes infinitos diferenciados na segunda, terceira e quarta dimensão. Situação radicalmente distinta daquela que emoldurava as “matemáticas” na Grécia clássica e que obrigou Pitágoras e Platão a lançarem mão do conceito de números ideais. Euclides, que formalizou a geometria plana, viveu depois de Platão e, mesmo hoje, a métrica da amplitude dimensional, a ciência do movimento lógico e também a matemática de múltiplos infinitos ainda não passam de proposições carentes de formalização completa, embora se apresentem como exigências irrecusáveis. Portanto, ficam plenamente justificados tanto a recusa de Platão escrever sobre certas coisas como o fato de o significado profundo da dédaca sagrada ter permanecido velado por vinte e cinco séculos.
Esclarecido que o ser gera a inteligência organizativa como consequência natural, isto é, conforme possibilidades geométricas, lógicas e matemáticas, que são estruturais ao âmbito relativo, pela ação do impulso para a complexidade, que o constitui, e, segundo uma inteligência criativa capitalizadora das amplitudes crescentes que o desdobramento dimensional faculta, adquirimos pleno domínio sobre a nossa mente, que não apenas é constituída da mesma forma, como também opera conforme os padrões de movimento específicos de cada instância dimensional. Essa é a razão pela qual somos capazes de acessar os conteúdos respectivos e de entender a inteligência criativa correspondente a cada instância. Tanto a nossa mente no ato de pensar quanto a instância visada em seu ato de ser operam no mesmo padrão de movimento; a sintonia se estabelece e o conhecimento se viabiliza. A esse padrão de movimento chamamos lógica, por isso são cinco as lógicas fundamentais: cada uma corresponde a um padrão de movimento e a um modo de existir, implicando que, no conjunto, o logos normativo defina a inteligência criativa e a lógica geral da existência.
6 – CONCLUSÃO: À LUZ DA VERDADE
Em face do exposto parece possível tirar algumas conclusões. Primeiro, a compreensão detalhada do modo platônico de ver o mundo demonstra que a faculdade de a mente operar e compreender a inteligência constitutiva do universo representa, de longe, a maior dádiva que a natureza pode conceder à espécie viva, nesta ou em qualquer galáxia. A espécie humana foi privilegiada ao receber esse dom, e o homem traduz a conclusão de uma fase evolutiva da obra universal promovida pelo ser. Na espécie humana o ser ultima e disponibiliza o hadware de que necessita para poder operar ativa e conscientemente no Universo. No homem atualiza-se a potencialidade de pensar do ser.
Em segundo lugar, apenas na hipótese de o Universo todo ser constituído por uma mesma inteligência criativa suportada por leis imutáveis, justifica-se que seres inteligentes localizados em um planeta qualquer sejam capazes de compreender o Universo, dentro do qual não passam de uma ocorrência entre outras. Dessa segunda conclusão derivam outras, das quais destaca-se apenas o fato de que não parece razoável esperar que o ser tenha apostado todas as suas fichas na espécie humana, sendo muito mais provável que a geração de vida dotada de mente pelo ser, faça-se em todos os contextos em que a geometria, a lógica e a matemática o facultarem.
Por último, verifica-se que o esquema de Platão distingue três modos básicos de ver o mundo que predominam em cada ser humano, segundo a evolução do seu discernimento. Cada um deles implicando uma postura mental diante da vida. Todos os seres humanos cumprem ontogênese, aperfeiçoam tanto o organismo como adestram a mente para pensamentos crescentemente complexos. Nesse processo cada homem desenvolve personalidade humana particular, que é forjada em face das experiências que vai tendo pela vida. Essa experiência ocorre no âmbito do espaço e do tempo – devir -, que compõem a realidade mutável apresentada pelos sentidos orgânicos de percepção de que dispõem. Tal relação dialética com as circunstâncias apenas encontra momentos fortuitos de estabilidade. Com o tempo, o homem começa a perceber que existem coisas estáveis no Universo e se abre em busca de leis permanentes e imutáveis que possam lhe fornecer contexto cultural estável e livre das mudanças constantes do devir.
Como a personalidade humana foi instruída na dinâmica mutável do espaço-tempo, tem apenas destreza no uso das leis correspondentes e, à medida que procura leis permanentes, abre espaço para o pronunciamento do ser constitutivo, que até então dormitara no seu interior e conhece e pode operar leis permanentes. Com o despertar do eu interior e em face da excelência do saber que propicia, algumas personalidades humanas se retraem intencionalmente e cedem espaço para que o ser assuma as operações da mente, com evidentes modificações de comportamento na vida e na sociedade. Certamente podemos concluir que perceber e compreender o mundo inteligível, de que nos fala Platão, requer um ser desperto.
Ao olhar o comportamento dos homens na sociedade, não é difícil perceber os que vislumbram apenas o mundo sensível. Eles limitam-se a discutir e pensar as circunstâncias humanas no fluxo do tempo. Acreditam que o Universo esteja contido no espaço e que a vida se resuma ao percurso entre nascimento e morte, no qual predomina o egoísmo e o confronto dialético com suas circunstâncias. Esses homens enfrentam problema sério no esforço para desenvolver conhecimento, porque, como vimos, o que é visível não pode ser pensado. O objeto da mente é o inteligível e não o visível, do mesmo modo que o objeto dos olhos é o visível e não o inteligível, daí resultar uma mente desafiada a realizar tarefa para a qual não tem habilitação. Então, enfrenta dificuldades semelhantes a de um ouvido tentando ver, de um olho tentando cheirar ou de o tato tentando compreender. Dado que a mente desses homens não encontra o que lhe é próprio, isto é, a inteligência constitutiva do mundo inteligível, tampouco realiza compreensão amparada na identificação da verdade. Dessa forma, permanece uma mente adormecida para a verdade que apenas se limita a repetir o que foi desenvolvido por outros e lhe pareceu razoável. Esse homem poderá até ser um cientista capaz de ampliar o conhecimento já estabelecido, mas apenas acidentalmente será capaz de criar algo.
Há, por outro lado, homens que reconhecem tanto a inteligência constitutiva do mundo como a habilitação da mente para operá-la. Estes podem ser divididos em dois grupos. Uns, que podemos designar de cientistas verdadeiros, dedicam-se a estudar a inteligência organizativa que molda e sustenta os fenômenos, tornando-se aptos a ampliar o conhecimento e o domínio humano da natureza. Eles não se atêm à aparência das coisas e sabem que o olhar apenas vislumbra a aparência, sendo necessário conhecer a essência em que é possível reconhecer a verdade. O outro tipo de homens dedica-se a estudar a inteligência criativa que explica o processo de criação de todas as coisas, define as condições da existência e situa a espécie humana no Universo. São mentes que contam com um ser francamente desperto, o qual adota o modelo criativo como referência, assume a perspectiva da criação que lhe é própria e se engaja agora como operador consciente, no projeto cósmico de desenvolver capacidade cognitiva e de ajudar a espécie humana a realizar suas mais nobres potencialidades em termos de civilidade e de maturidade. A esses seres podemos com justiça designar de sacerdotes, tanto porque se dedicam ao aperfeiçoamento da espécie, como porque ao assumirem a perspectiva criativa, o Logos ou o Verbo, silenciam a opinante personalidade humana forjada nas lides do espaço e do tempo, e passam a manifestar a perspectiva divina do ser que os gerou.
O leitor que nos seguiu até aqui poderá consultar o seu espírito e identificar em qual das três áreas situa-se a sua zona de conforto. Uma vez identificada a posição em que se sinta confortável poderá empenhar-se em desenvolver o conhecimento e as possibilidades inerentes, de sorte a sentir-se de bem com a vida escolhida. É inútil aqui tentar enganar-se, pois não se trata de concurso, mas de processo evolutivo que exige o cumprimento de cada etapa. A boa notícia para quem se entender adormecido é que daqui a alguns anos, uma releitura poderá ensejar outro resultado. O importante, porém, é a consciência do processo e a indicação de que se livrar de todas as cavernas constitui prerrogativa de sacerdotes. Todo ser dotado de mente almeja e pode despertar, e assim viabilizar uma civilização consciente, capaz de instaurar nova fase evolutiva do Universo.
A nova fase inexoravelmente se dará, mesmo que poucos cientistas e sacerdotes tenham de prorrogar a vida humana por quinhentos anos para possibilitar que um maior número de seres despertem.
[1] Ver estudos de lógica disponível na sessão de saberes correlatos do site.
[2] Os gregos, que ainda não conheciam a ciência Lógica, entendiam a Astronomia como ciência do movimento.
[3] Consulte-se a respeito “As origens egípcias das doutrinas não escritas de Platão” disponível no site.
[1] Nossos estudos a respeito podem ser encontrados na sessão de estudos platônicos do site www.segundasfilosoficas.org
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