A CRISE POLÍTICA BRASILEIRA: OPORTUNIDADE PARA A RECONCEPÇÃO DO ESTADO

APRESENTAÇÃO

Na história da civilização humana, Platão destaca-se entre os maiores filósofos de todos os tempos, basicamente por três razões. Em primeiro lugar, por não pretender que seus discípulos acreditassem nas ideias dele ou de outros, mas, ao contrário, desenvolvessem capacidade interpretativa própria, desenvolvessem lucidez e competência cognitiva para julgar as situações e para identificar, por si mesmo, qual seja a verdade. Em segundo lugar, notabilizou-se Platão, por defender que a verdade apenas pode ser atingida pela mente capaz de pensar a totalidade, pela simples razão de não existir, no mundo, algo que não constitua uma totalidade perfeita e unitária, tendo a ideia de parte apenas sentido em relação ao todo que integra. Em terceiro lugar, por Platão perceber que, para além das aparências das coisas visíveis, existe uma instância essencial invisível – instância apenas inteligível –, que confere forma ao que é visível e sustenta-o no mundo. Na verdade, nem se tratou de percepção extraordinária. Sabemos todos que a árvore de frondosa copa apenas não é tombada pelo vento, porque, abaixo do tronco visível, estende-se vasta “copa” invisível de raízes que a sustentam firmemente em pé. Assim, também, toda mãe sabe que a febre percebida na criança é o efeito aparente de alguma doença escondida no organismo, cuja superação requer um médico habilitado a interpretar do que se trata e a indicar o tratamento devido, isto é, alguém capaz de entender o não visível. Platão demonstrou que isso acontece com tudo o que se percebe no mundo, tendo todas as coisas visíveis causas determinantes que se escondem. Com isso, ensinou-nos que mudanças na realidade aparente somente podem ser obtidas, mediante mudanças nas essencialidades não aparentes que alicerçam essa realidade.

Invocar essas três lições de Platão no início deste trabalho – que tem por foco a crise política brasileira – pretende esclarecer a base conceitual, a técnica e a orientação geral que estamos adotando no esforço de análise e de compreensão dessa crise, de tal sorte que o resultado que, eventualmente, seja alcançado, tanto quanto possível, aproxime-se da verdade e possa, assim, ser considerado e contemplado por mentes emancipadas, como honesto esforço em busca do entendimento. Tentaremos pensar o todo para bem entender o papel das partes, tentaremos encontrar as razões e as propriedades estruturais dos agentes envolvidos, de sorte a não criar falsas expectativas sobre eles, e tentaremos organizar informações suficientes para que o próprio leitor possa tirar suas conclusões, tanto quanto nós mesmos tiramos as nossas. Com isso, buscamos o crédito de um trabalho consistente.

INTRODUÇÃO

No dia 13/3/2016, em atitude cívica e ordeira, milhões de brasileiros tomaram os principais espaços públicos do País, unidos, formalmente, pelo propósito de reprovar um governo que perdeu a credibilidade e a possibilidade de governar e, ao mesmo tempo, de firmar salvaguardas políticas, para que a Operação Lava Jato de combate à corrupção, em curso, não sofra obstrução e possa avançar no processo de por fim à situação de desvios e de impunidade historicamente constatada na gestão dos recursos públicos do Brasil.

Esse foi o fato político brasileiro mais relevante dos últimos tempos, um fato que precisa ser entendido em suas essencialidades e motivações profundas, para que, segundo as lições de Platão, sejamos capazes não apenas de entender devidamente o que está acontecendo, mas também sejamos capazes de avaliar e de julgar a pertinência das alternativas de superação da crise que sejam aventadas ou que o caso concreto potencializa. Embora esse fato seja de fundamental importância, ele vincula-se, umbilicalmente, a outro movimento surgido no âmbito de instituições públicas da área da justiça – nomeadamente, na Polícia Federal, no Ministério Público e na Justiça Federal –, a partir de maior grau de autonomia que lhes foi concedido pela Constituição de 1988 e que resultou na renovação dos quadros e na entrada, em cena, de jovens promotores, delegados e juízes, tecnicamente aparelhados para o exercício de suas funções constitucionais. O processo anticorrupção denominado Operação Lava Jato materializa, em ato, nova situação operacional na administração da justiça brasileira, estendendo o alcance da justiça aos agentes do poder político que, historicamente, conseguiam operar à margem do interesse coletivo e manter-se fora do alcance efetivo da lei.

As manifestações de rua de 13/3/2016 e a Operação Lava Jato constituem a face visível de dois vetores de força que emergem como novidade no cenário político brasileiro e podem representar as duas colunas de sustentação de novo e promissor templo da cidadania brasileira, caso saibamos capitalizar as forças que esses fenômenos disponibilizam. De um lado, o que os jovens juízes, delegados e promotores estão demonstrando é que, em razão de terem-se preparado devidamente pelo estudo das experiências judiciais locais e internacionais, em razão do advento de novas tecnologias de tratamento da informação, em razão de avanços obtidos na legislação contra corrupção e crimes financeiros no mundo todo e em razão da ampliação de convênios investigativos internacionais, a rede mundial de acobertamento de crimes financeiros foi penetrada pela justiça e já não consegue mais fornecer aquele sigilo que lhe permitiu florescer por mais de século. A própria legislação brasileira anticorrupção aperfeiçoa-se e, mais dias, menos dias, será criminalizado o enriquecimento injustificado, e os computadores do Banco Central, que já possuem registro de cada suspiro brasileiro, serão, também, postos a serviço da justiça. Em tais circunstâncias, a corrupção, no Brasil e no mundo, torna-se atividade de risco crescente. Por enquanto, prestigiados senhores que eram recebidos com pompa e circunstância, nos melhores ambientes sociais, estão amargando prisões domiciliares e envergonhando filhos e netos com tornoseleiras eletrônicas, mas a tendência é que, com o tempo, vão acabar mofando nas prisões. Enfim, parece justo concluir que, ao menos, a certeza da impunidade política foi eliminada, não sendo razoável esperar que esse quadro possa ser revertido.

De outro lado, a população que foi às ruas no dia 13/3 foi a classe média brasileira que, como tal, legitimamente, representou e esmerou-se em representar, na ocasião, o verdadeiro espírito da Nação verde e amarela: uma população ordeira, pacífica, familiar, progressista, religiosa que foi às ruas levando suas crianças e seus idosos, portando alegremente seus cartazes e criticando, com bom humor e criatividade, o descalabro do governo e o arcaísmo do modelo político. Tenham sido três ou seis, os milhões de manifestantes, o fato irrecusável é que essa multidão tomou os espaços públicos de cerca de quatrocentas cidades brasileiras, sem que um só incidente pessoal ou patrimonial tenha sido registrado. Essa é a cara e a credencial da Nação brasileira, a qual não foi exigir muito mais do que o fim da safadeza e a prevalência de espírito público na gestão do Estado. Pode ser que essa classe média que consegue dar escola para os filhos, que possui plano de saúde e que não sofre privações maiores – porque trabalha e sustenta-se com as próprias pernas – não seja, ainda, a grande maioria numérica da população, mas, certamente, representa o status social que toda a população almeja para si e para seus familiares, daí, poder ser tomada como referência representativa do que somos e do que queremos ser, como Nação dotada de identidade própria e de espírito inconfundível. Somos modernos, por determinação estrutural de nossas origens, uma nação universalista e não sectária capaz, historicamente, de receber e acomodar, em paz e harmonia, imigrantes que vieram dos quatro cantos do mundo. Não somos apenas unidos por uma língua e por um território, somos unidos por um espírito amistoso e até complacente que quer o bem-estar de todos e se compadece ao ver o sofrimento que a miséria econômica, moral e intelectual impõe às camadas menos favorecidas não só do Brasil, mas de todo o mundo. Acusar a classe média brasileira de egoísta revela esquizofrenia monumental, apenas superada pela tentativa criminosa de tentar dividir-nos em brancos e pretos, homens e mulheres, pobres e ricos, sulistas e nordestinos, gaúchos e baianos. Saímos do terreiro e entramos no templo, na maior tranquilidade e sem qualquer constrangimento ou problema de consciência, e, apesar disso, arcaicos gênios ideológicos imaginam poder impor-nos fundamentalismos e, perplexos, não entendem por que a Nação repudia suas doutrinas divisionistas.

Quem esteve nas ruas, no dia 13/3, foi, portanto, a Nação brasileira: uma nação ordeira, pacífica, unida e progressista que quer o bem-estar para todos os brasileiros e exige uma política, uma ética e uma gestão do Estado compatíveis com os seus valores. Embora as palavras de ordem fossem contra o partido no poder e suas ideias sectárias, os manifestantes cuidaram de esclarecer, de forma muito clara, que tanto os políticos como os partidos políticos atuais, todos igualmente, não são mais reconhecidos como seus legítimos representantes. Este foi o grande recado das ruas, um recado que configura situação de profunda crise estrutural, na política brasileira. De fato, a população, nesse ato, não apenas retirou a legitimidade que havia conferido aos atuais políticos na última eleição, mas também, em demonstração de maturidade cognitiva, foi muito além da disputa circunstancial e denunciou o próprio modelo político, retirando a legitimidade representativa dos próprios partidos. O que está delineado, portanto, é que, não sendo possível democracia, na escala brasileira, sem representação política, restam somente dois caminhos que, mais dias, menos dias, vão ficar evidente para todos: ou essa classe política evolui e ajusta, radicalmente, o modelo político para a nova realidade ou essa mesma cidadania que foi às ruas vai construir, ao seu próprio talante, organização política que seja, efetivamente, representativa dos seus valores.

Embora a ideia de reforma política seja antiga e nunca realmente tenha saído de pauta, tendo-se os políticos brasileiros esmerado em implementar mudanças aparentes que nunca se mostraram efetivas contra as distorções e os privilégios que deveriam combater, desta feita, as condições de contorno são diferentes. A classe média tem evoluído em discernimento, conscientizou-se do próprio poder nas últimas manifestações e não parece propensa a aceitar paliativos. De outra forma, a nova situação da justiça compromete o modelo partidário de balcão de negócios e o próprio negócio lucrativo, em torno de recursos públicos, de sorte que a insistência no modelo aponta, simplesmente, para a criminalização e a extinção dos partidos.

Diante desse panorama, parece pertinente concluir que estamos assistindo ao esgotamento histórico de um modo de fazer política e de um modo de conceber o Estado e de conceber a democracia, a representação política e o próprio papel político dos cidadãos na conquista e na produção do bem comum. Ao que tudo indica, estão postas condições favoráveis e de menor resistência ao surgimento de nova concepção política que seja, racionalmente, sustentada e sintonizada com o espírito do tempo e com o espírito da Nação. Para tanto, Platão ensina-nos que, para além dos partidos e das facções, devemos pensar o todo. Tanto o todo que somos como o todo que queremos ser e, a partir dessa compreensão, remangar as mangas e por mãos à obra, convencidos de que estamos agindo certo e que eventuais sacrifícios que fizermos no presente, efetivamente, beneficiarão os nossos netos, no futuro, e não apenas alguns privilegiados, como ocorreu até agora. Chegou o tempo da verdade, e, se estamos todos convictos de que o melhor regime é o democrático, construamos uma democracia que seja verdadeira, transparente e sem zonas de penumbra que possam ser usadas por espertos em detrimento da Nação.

Para tanto, precisamos compreender, corretamente e em sua essência, os dois principais entes envolvidos nessa equação: o ser humano – ente individual que, em conjunto, constitui a Nação e, individualmente, deverá cumprir papéis públicos específicos, por delegação –, e o Estado – ente coletivo que, também, por delegação, deverá gerir o que for considerado de interesse coletivo. Se estamos falando de democracia, segundo a qual todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido – como estipula nossa Constituição –, um projeto verdadeiramente democrático deve basear-se em compreensão muito clara e precisa, tanto do ser humano individual que, unido em nação, resolve instituir um Estado para gerenciar o seu interesse comum como também do Estado criado, a quem vai competir proceder a esse gerenciamento. Tratando-se de projetar um Estado Democrático, cujo poder emana do povo, o Estado apenas tem sentido como instrumento a serviço da Nação, de sorte que a frase citada seria mais adequada se expressa nos seguintes termos: todo poder emana da Nação e, em seu benefício, deve ser exercido.

O DNA DO ESTADO CONTEMPORÂNEO

Ocorre que o Estado moderno não foi projetado como organização política de um regime democrático, ao contrário, nasceu como Estado absolutista, justificador da soberania do rei sobre a população, por delegação divina. O Estado nasce absolutista[1], como forma de superar a organização feudal atomizada, baseada no príncipe e no bispo, em razão da expansão do comércio e das exigências de acomodação do novo poder econômico que emergia à margem da nobreza tradicional. Na superação do absolutismo, atuaram, de forma decisiva, Espinoza (1632-1677), solapando o poder da Igreja com a denúncia dos milagres, e Montesquieu (1689-1755), propondo a teoria dos três poderes, que dividia e distribuía o poder do rei. Espinosa é mais efetivo, e o Estado, rapidamente, torna-se laico. As ideias de Montesquieu somente vão-se tornar efetivas a partir do Iluminismo, com o advento de ideias liberais e dos Estados Contemporâneos. No Brasil, em 1889, com a proclamação da República, sendo que a teoria dos três poderes continua em vigor, apesar de acrescida do Ministério Público, o qual toma forma efetiva a partir da Constituição Federal de 1988. De qualquer modo e evitando entrar em detalhes da história, não é difícil perceber que, tendo essa origem, a concepção de Estado de Montesquieu descuidou-se de contemplar o processo de conquista do poder e, assim, ensejou que a disputa se restringisse à aristocracia tradicional detentora, também, do poder econômico. Com o avanço do comércio e o surgimento de novas fortunas e com o avanço das ideias liberais e democráticas, os acordos de indicação e de eleição de membros para o parlamento tiveram de ser ampliados, resultando na superação das restrições contra as facções que se organizavam naturalmente e na evolução para partidos juridicamente formalizados, capazes de dar voz ao cidadão individual que não dispunha de veículo de expressão. No Brasil, a organização de partidos começa ainda no Império, com liberais e conservadores, e assume, em certa época, caráter ideológico. Partidos são criados e extintos, por vezes, proibidos, nenhum sobrevive muito tempo, e, no final, desaguamos na situação atual em que se contam mais de trinta legendas, em situação oposta a da outra grande democracia do continente que se mantém com dois partidos: democratas, desde 1790, e republicanos, desde 1837.

Essa efemeridade partidária brasileira, somada à ausência de aristocracia, com tradição de liderança social e visão de futuro, e à crescente influência do capital nos rumos políticos, ensejou o crescimento do Estado e de benesses e privilégios vinculados aos cargos, criando um círculo vicioso de atitudes públicas com pudor decrescente, comprometimento da dignidade das funções públicas e loteamento de cargos sem concurso, e, enfim, gerando essa situação degradante da atualidade, na qual os partidos políticos são considerados quadrilhas organizadas, com o propósito de assaltar o Estado e de enriquecer, à custa do erário, muito distante de instituições dotadas de espírito público. Nesse quadro, o mínimo que se pode concluir é que os partidos políticos brasileiros foram constituídos como organizações que objetivam a tomada do poder público, visando ao desfrute do poder pelo grupo e não tendo em vista um projeto qualquer focado nos interesses da Nação. O maior partido chega ao cúmulo de não desejar assumir o governo, contentando-se em gerir os ministérios de maior dotação orçamentária, em flagrante declaração dos seus propósitos escusos. Com isso, não é de se admirar que a população mais esclarecida tenha recusado a participação de todos os partidos nas últimas manifestações e tenha expressado, de forma tão clara, o seu repúdio a essa apropriação do Estado para benefício próprio.

Apesar dessa situação calamitosa, impõe-se também reconhecer que não são estrangeiras nem marcianas as pessoas que controlam os partidos e também aquelas que, por meio de partidos assim constituídos, são eleitas e exercem funções públicas. Ao contrário, são também membros integrantes da Nação brasileira e, virtualmente, pensam estar agindo certo e de acordo com as regras do jogo vigentes que, diga-se de passagem, não foram elas que estabeleceram, possuindo raízes históricas que remontam a Maquiavel: os fins justificam os meios, ensinou ele. O raciocínio deve ser, mais ou menos, o seguinte: para fazer algo pelo povo, preciso estar no poder e, se não fizer uma reserva financeira, não terei recursos para ganhar a próxima eleição, logo… Platão diria que, então, estamos diante de um impasse provocado por duas distorções. De um lado, o modelo político, com DNA absolutista, não favorece verdadeira democracia na qual o Estado realmente esteja a serviço da Nação e, de outro, a maior parte das pessoas dedicadas à política tampouco prioriza o interesse da Nação. Logo, não basta reformar o modelo político, impõe-se também reformar o próprio político. Para tanto, impõe-se compreender, a fundo e em sua essência, quem é esse ser humano que, ocasionalmente, desempenha função pública e que resulta ser também o indivíduo constituinte da Nação. Impõe-se ter compreensão exata desse ser humano tanto para determinar o que convém à Nação como para determinar quais salvaguardas devem ser tomadas para eleger pessoas verdadeiramente dotadas de espírito público, capazes de compreender que o seu interesse pessoal não é diferente do interesse coletivo da Nação e evitar que continuem a ser eleitos discípulos de Maquiavel, incapazes de compreender que, ao contrário dos fins justificarem os meios, os fins ficam, irremediavelmente, contaminados pelos meios.

A NATUREZA HUMANA

A ciência tem conferido ao próprio universo caráter evolutivo e tem definido o homem como animal racional. Isso significa que o homem, apesar da origem animal que persiste em sua estrutura, projeta-se para além do animal, em virtude de ser dotado de mente, de racionalidade e de discernimento, em graus que ultrapassam a capacidade de percepção e de entendimento própria dos demais animais. Essa situação sugere que as características propriamente humanas distinguem-se das características tipicamente animais e que fazer essa distinção afigura-se relevante para que tenhamos entendimento realista e não idealizado do que significa ser humano. O tratamento metódico dessa questão impõe-nos distinguir o que é especificamente humano e separá-lo do que é tipicamente animal, de sorte que, tendo compreensão exata do que realmente somos, possamos entender o que precisa ser feito para ser, no futuro, o que nos parecer conveniente. Sem que entendamos, de modo realista, o que somos hoje, qualquer projeto de futuro fica liminarmente comprometido, simplesmente por falta de correspondência à realidade.

Pesquisas recentes, no âmbito da teoria do conhecimento[2] e da teoria dos princípios[3], demonstram que a evolução dá-se, no sentido geral de crescente complexidade organizativa. Tais estudos também mostram que o discernimento e a razão – tidos como elementos que distinguem os humanos do restante do reino animal – resultam de inferências patrocinadas por um conjunto limitado de lógicas que, também, distribui-se em instâncias de crescente complexidade, tal como ocorre com o restante da natureza. Essas teses asseveram que o ser humano está habilitado a realizar cinco distintos tipos de inferência ou cinco distintos modos de pensar, cada um deles operando segundo uma lógica própria e, também, visando a aspectos específicos da realidade. Tais modos de pensar são identificados com as siglas S1, S2, S3, S4 e S5 e, no conjunto, configuram uma senda – S1 a S5 – de pensamentos crescentemente complexos. Essa senda baliza o percurso evolutivo do discernimento e, possivelmente, também baliza a história da evolução do pensamento ou da conquista do pensamento pela espécie humana.

A descoberta e a caracterização desses padrões de pensamento viabilizam a distinção do que seja especificamente humano e o que seja tipicamente animal, dado que os animais também possuem – como é sabido – certa capacidade perceptiva. Como se verá adiante, os cinco padrões de pensamento são nossos conhecidos porque os executamos diariamente, ainda que nunca tenhamos atentado para suas especificidades e diferenças. Com isso, a análise e o entendimento de cada um dos modos de pensar independem do domínio da teoria que os organiza em estrutura de crescente complexidade. Examinemos, então, o que nos informa essa estrutura.

S1 configura o pensamento mais simples. Configura, na verdade, um padrão de pensamento, dentro do qual são constados alguns tipos distintos de inferências. O elemento comum dessas inferências S1 é obedecerem todas aos ditames normativos da lógica transcendental. O mais elementar desses pensamentos é aquele da constatação de uma presença. Trata-se de pensamento muito comum, e, a toda hora, estamos vendo ou percebendo presenças. Por vezes, quando não esperamos, surpreendemo-nos: opa! – por distração ou desatenção, não tínhamos percebido uma presença e quase esbarramos nela. O segundo mais importante pensamento S1 é aquele da identificação. Não apenas percebemos a presença, mas também a identificamos porque temos, na memória, um nome que a designa. Quando se trata de uma pessoa amiga, alegramo-nos: – veja quem está aí, é o fulano! Um terceiro pensamento de padrão S1 é o que chamamos de intuição. A inferência de intuição pode manifestar-se como pressentimento, como desconfiança e, até, como descoberta de um novo ou do inusitado – eureca. A intuição, repentinamente, aflora à consciência, sem uma razão aparente, como que vindo do nada ou do inconsciente: simplesmente, de repente, aparece. Um último pensamento de padrão S1 que merece ser citado, aqui, é o que chamamos ato de fé. O ato de fé é praticado tanto pelo cientista como pelo religioso e configura-se em uma crença. O religioso acredita em algo que transcende ao mundo objetivo, enquanto o cientista acredita que, pesquisando, poderá realizar uma constatação ou descobrir algo novo na natureza objetiva. Em ambos os casos, o ponto de partida é um ato de fé, uma esperança, e a diferença é que apenas o cientista poderá comprovar, em vida, a sua esperança, embora o ato de fé não exija comprovação. De qualquer forma, o comum a todas as inferências S1 é tratar-se sempre de um ato de percepção simples e unitário: de repente, a percepção emerge na consciência de uma só vez, permanece nela por algum tempo e, depois, desaparece da consciência, ou porque a deixamos de lado ou porque nossa atenção voltou-se para outra coisa. Esse padrão de pensamento não é privativo do homem, estando presente também em animais. Sem constatar presenças, os animais viveriam esbarrando nas coisas. Quem possui um cão de estimação sabe que ele reconhece o dono, e não são raros os casos em que parecem pressentir e entender o que vai acontecer ou está acontecendo. De qualquer forma, embora não haja dúvida de que os animais executam inferências S1, certamente, eles não executam todas as que o homem consegue realizar e nem na mesma intensidade. Fé e criação intuitiva parecem ser privativas dos humanos. Com isso, parece que podemos concluir que o exercício do padrão S1 de inferências não é privativo dos homens e não caracteriza o humano.

S2 constitui padrão de pensamento mais complexo do que S1 e situa-se logo a seguir, na escala de complexidade crescente. S2 baseia-se na lógica da diferença e constitui inferências que comparam, distinguem, separam, ordenam, hierarquizam, classificam, agrupam, entre outros. A principal inferência S2 parece ser a distinção. Ora, para fazer distinção, é necessário, antes, identificar os objetos em consideração – operação de identificação S1 –, para, então, comparar um e outro e perceber que são distintos. Com isso, fica demonstrado que as inferências S2 são cumulativas e pressupõem inferências anteriores S1, configurando justamente capacidade de intelecção e de discernimento crescentes. S2 também constitui uma inferência simples que se realiza em movimento também simples: contemplado o um, em face do outro, constata-se, sem necessidade de cálculo ou de maiores considerações, que não se trata do mesmo, mas de outro e que, por isso, são diferentes. Também, essas inferências S2 estão ao alcance dos animais que, ao constatar uma presença, sabem precisamente se precisam correr para salvar a pele ou se, ao contrário, trata-se de oportunidade de garantir o almoço. Obviamente, também, aqui, nem todas as inferências S2 estão ao alcance dos animais que, certamente, não hierarquizam nem projetam estruturas. Apesar disso, parece que, também, aqui, podemos concluir que o exercício do padrão S2 de inferências não é privativo dos homens e não caracteriza o humano.

S3 constitui padrão de pensamento ainda mais complexo. O operador não apenas percebe a diferença entre A e B, mas também qualifica essa diferença e pode contemplar as influências recíprocas que as diferenças provocam. Tecnicamente, esse padrão de inferência contempla uma dupla diferença[4] e exige a lógica clássica de Aristóteles, que relaciona causa e efeito no âmbito do espaço e da matéria. As inferências de padrão S3 vão desde a lei de ação e reação estudada em mecânica até o pensamento sistêmico que possibilita a criação de todas as ferramentas e tecnologias que instrumentalizam as modernas sociedades industriais. Na medida em que esse padrão de pensamento contempla as relações da matéria com matéria, contempla, também, as relações dos organismos biológicos com a matéria circundante e, assim, o pensar S3 revela-se fundamental aos homens e aos animais para a preservação da integridade física. Os cinco sentidos da percepção, nesse aspecto, representam auxiliares importantes para que o animal evite as situações capazes de colocar sua integridade física em risco. S3 possibilita que o homem use e manipule a materialidade circundante, visando a aumentar a sua comodidade e o seu bem-estar, isto é, torna o homem laboral. Trabalhar meio e materiais para sua comodidade não constitui, porém, exclusividade do homem. O João de barro constrói a sua casa de alvenaria e sabe bem colocar a porta em posição contrária a da origem da chuva; o castor elabora diques; o pássaro constrói ninhos, por vezes sofisticados; a aranha tece armadilhas, enfim, existem também animais laborais. Em resumo, significa isso que a operação S3 também não constitui prerrogativa exclusiva do homem e que, portanto, não serve para distingui-lo dos demais animais, embora, também, aqui e crescentemente aqui, o homem pense e realize operações S3 de complexidade fora do alcance dos demais membros do reino.

Finalmente, com o pensar S4, surgem as primeiras inferências exclusivas do humano. S4 constitui padrão de pensamento que se vale de uma lógica chamada dialética ou lógica da história. Essa lógica preside as relações de cada ente ou fenômeno com suas circunstâncias, sobre a linha do tempo. Conforme lição dos neoplatônicos, as operações dialéticas contemplam, no geral, o confronto de tese e antítese, na linha do tempo, gerando sempre uma síntese, isto é, uma resultante. É com o pensar S4 que o tempo entra na consideração da realidade existencial dos homens que, em razão de S4, percebem seu organismo crescer e envelhecer. São também as inferências S4 que patrocinam o aprendizado, revelam a presença de memória, constroem uma história e abrem, para humanos habilitados, a oportunidade de projetar e construir um futuro. A caça que animais selvagens realizam constitui exemplo de operação S4. Nos sistemas projetados segundo o pensamento S3, pode-se calcular a consequência, mas as projeções S4 não admitem cálculo, a resultante pode ser apenas estimada – dentro de certo espaço de possibilidades. Se S3 contemplou a matéria, S4 permite contemplar a matéria em movimento, de sorte a ser a combinação de S3 e S4 que permite aos animais deslocarem-se na superfície do planeta e providenciarem os meios de sobrevivência de que dependem, algo, evidentemente, comum a animais e homens.

O especificamente humano surge apenas nas instâncias superiores do pensamento S4. Podemos anotar esses pensamentos como pensamentos S4+. Eles viabilizam a compreensão de que o outro também merece sobreviver e a compreensão de que, em vez de competir com o outro pelos recursos de sobrevivência, talvez seja mais eficaz associar-me a ele de modo cooperativo e providenciar os meios de sobrevivência em conjunto. São pensamentos S4+ que patrocinam a organização social, a divisão de tarefas, a política e a organização do Estado, os sentimentos gregários, a compaixão, a benevolência e que possibilitam o surgimento da exigência de justiça, das projeções de futuro, do interesse público, da separação entre público e privado, entre outros. Com o pensamento S4+, surge o que é privativo e específico dos homens e que, legitimamente, tipificam o humano. Sabe-se que existem colmeias, colônias e matilhas, mas essa agregação animal obedece a códigos genéticos inescapáveis e não resulta de atos conscientes de livre arbítrio. Podemos, assim, estimar que atos conscientes de livre arbítrio, eventualmente, podem configurar promissoras medidas para se caracterizar a condição humana. Com isso, também vale observar que não sabemos como se dão, exatamente, as percepções dos animais inferiores que constatamos em S1, S2, S3 e S4 nem sabemos se denominar de pensamentos tais percepções animais configure a solução mais adequada, mas, independentemente disso, fica claro que o comportamento animal resulta delas, tal como o comportamento dos homens atrela-se ao seu modo de perceber o mundo.

Nesse sentido, da configuração das percepções humanas mais amplas, provedoras de modos gerais e abrangentes de ver o mundo, a citada escala hierárquica dos modos de pensar possui o mérito de elucidar os padrões de pensamento que suportam as ideologias conhecidas e, ao mesmo tempo, revelam seus limites. A religião, por exemplo, valoriza o pensamento S1, porque a lógica transcendental coloca-lhe a presença viva de um princípio necessário para fechar as contas. O fato de esse princípio ser inefável não importa, porque a fé não exige justificativa, e ser religioso não impede que o homem tenha pensamentos superiores. O problema com S1 surge quando a fé resulta absolutizada, e o indivíduo entende que os que não comungam da sua fé são seres inferiores, virtualmente descartáveis, configurando um tipo de fundamentalismo que deprecia os pensamentos superiores ou divergentes.

S2, por seu turno, privilegia as diferenças de toda ordem entre as quais se destacam as diferenças de gênero, de raça, de cor, de patrimônio, de nível educacional, entre outros. Em termos de visão geral de mundo, S2 patrocina o estruturalismo e os maniqueísmos em geral. O problema, aqui, também apresenta-se quando esse padrão S2 de pensamento resulta absolutizado, em racismo, sexismo, discriminações ou maniqueísmos de toda a ordem.

O pensamento S3 concentra-se em ação-reação, causa-consequência, relações sistêmicas, disputa, competição. As ideologias resultantes são patrimonialistas, secularistas, capitalistas, o direito do mais forte e do mais esperto, o poder econômico, o crescimento econômico como índice de felicidade, o exército e a armada como poder dissuasivo, o colonialismo, o imperialismo, em suma, todos os meios capazes de propiciar riqueza material e poder engendrados pelo egoísmo. O egoísmo justifica-se em S3, em razão do justo direito de cada um e de todos em preservar a sua integridade física orgânica e os seus meios de sobrevivência, e os problemas surgem em S3, também, pela absolutização desse egoísmo e sua extensão indevida às demais instâncias da vida.

O padrão S4 de pensamento, o pensamento dialético, por seu turno, também patrocina ideologias, das quais se destacam o socialismo, o comunismo, a democracia, as teorias do estado, os acordos internacionais, as relações internacionais, as ideias de liberdade, igualdade e fraternidade e por aí afora. Também, aqui, o problema surge com a absolutização dos conceitos S4 que tentam normatizar um vir a ser e uma dinâmica social em permanente mudança, desprovida de um ponto fixo capaz de ancorar a razão no julgamento das coisas. Mesmo um espírito S4+, dotado de plena consciência das vantagens de uma sociedade cooperativa e justa, encontra sérias dificuldades para definir o que seja justo. Consiste em dar a todos por igual? Dar para cada um, segundo as suas necessidades? Ou dar a cada um, segundo o seu merecimento? O problema de S4 reside justamente na mudança, na provisoriedade e na inconstância das coisas – o que leva a pensar que não existe verdade alguma, sendo tudo convenção –, além do seu atrelamento à materialidade contemplada por S3. Bem intencionados, criamos um Estado, na expectativa de que seja administrado por mentes, no mínimo S4+; entretanto, permitimos que a remuneração e os privilégios dos cargos eletivos sejam tão atraentes que todas as mentes S3 do país passam a cobiçar essas funções, em razão da remuneração e da oportunidade de crescimento patrimonial que elas possibilitam. Com isso, candidatam-se os mais aguerridos predadores S3 cujos pensamentos são patrocinados pelo egoísmo e passam longe de preocupações S4+. No máximo, no período pré-eleitoral, o candidato, em flagrante engodo, reveste seus discursos de valores S4+ e, dado que os partidos políticos que os recomendam à eleição também constituem organizações S3 – da mesma forma que a mídia que promove suas imagens públicas –, resta uma situação política e social inescapável, da qual a situação brasileira atual configura um exemplo perfeito e acabado.

Significa isso que o projeto humano constitui experiência da natureza fadada ao fracasso? A resposta é não necessariamente. Não necessariamente, porque o pensamento de padrão S5 baseia-se em lógica holística e tem como foco a totalidade. O pensamento de padrão S5 constitui, ainda, desafio para a maioria dos homens, sem apresentar, entretanto, dificuldade intransponível. A lógica holística patrocina um movimento integrador, unificador, que tende a reunir componentes em uma unidade. Com isso, o pensamento S5 ressalta a interdependência e a integração de todos os entes e fenômenos, no tecido da natureza universal que constitui a unidade cósmica dentro da qual existimos. O pensamento ecológico, o ecumenismo e todos os movimentos que externam preocupação com a natureza constituem exemplos do pensar S5. Costumamos olhar tais movimentos como fruto do altruísmo, de boa vontade e de idealismo, mas o pensamento S5 possui fundamentos lógicos, geométricos e matemáticos de grande consistência e não pode ser depreciado e tido como mero voluntarismo. S5 constitui um pensamento metódico que, pela primeira vez, disponibiliza um método formal para o exercício da razão. Tanto assim que está provado que não existe, no universo, um ente ou um fenômeno correspondente ao que designamos de parte. Na existência, somente cabem totalidades, e a complexidade edifica-se, integrando totalidades bem constituídas e, não, juntando partes. O leitor não encontrará nada no mundo que não constitua uma totalidade, de sorte que, só por contemplar totalidades e não partes, o olhar S5 já revela-se mais aderente à realidade e mais competente. Olhando cada fenômeno com totalidade, resulta consequente perguntar sobre a força que reúne aqueles componentes em uma unidade perfeita na forma de totalidade e, também, perguntar pela inteligência organizativa que lhe confere aquela forma e, a seguir, perguntar, também, pela inteligência criativa que gerou a primeira forma e, depois, quem sabe, perguntar o que vem a ser inteligência e o que vem a ser existir. Enfim, somente mudar de parte para todo já qualifica S5 como um pensamento superior que, nitidamente, situa-se no âmbito perceptivo privativo da condição humana, ao qual os demais animais não têm acesso. S5 contempla a totalidade, mas não esquece que, tratando-se de um pensamento cumulativo, precisa considerar a presença simultânea dos pensamentos mais simples que possibilitam e suportam a complexidade que lhe é própria. A lógica holística, além de integradora e harmonizadora, é, também, não excludente.

 CONCLUSÕES MÍNIMAS

Com este pequeno estudo da condição humana e o exame precedente sobre a origem da moderna concepção do Estado, compreende-se que a crise política brasileira deve-se tanto a problemas estruturais do modelo político vigente – dimensão coletiva que se expressa na concepção do Estado – quanto a problemas estruturais da constituição humana – dimensão individual dos seres que compõem a Nação – que são os dois componentes principais da equação que precisa ser solucionada para superar a crise. Compreende-se igualmente que a concepção política precisa ser revista, e o Estado, adequado, para, objetivamente, constituírem expressão de um projeto realmente democrático, entendido não simploriamente como poder exercido pelo povo, mas como poder exercido em benefício da Nação. Tal poder precisa ser exercido por pessoas habilitadas, que tenham superado o egoísmo individual e que tenham discernimento suficiente para compreender que o interesse individual que se justifica é apenas aquele que coincide com o interesse coletivo, não sendo, portanto, qualquer pessoa que pode desempenhar função pública. Quem não conquistou lucidez e discernimento S4+ ou S5 possui natureza inadequada para o exercício de poder público democrático, assim como a natureza da raposa não a recomenda como guardiã do galinheiro. Nada disso, porém, adianta se esse projeto democrático não tiver como meta principal a evolução cognitiva dos seres humanos que compõem a Nação, com vistas a torná-la poderosa em competência cognitiva e capacidade de discernimento. Para tanto, é indispensável que a Nação organize-se politicamente e mantenha rígido e permanente controle dessa organização e que o Estado constitua-se em poder moderador e civilizador e não em mero instrumento de controle social. Assim, impõe-se superar a trilogia básica de Montesquieu e assentar a concepção em uma trilogia de ordem superior que contemple os elementos verdadeiramente essenciais: a Nação, o Estado e a Organização Política da Nação.

Projeto Partido 1Partindo dessa trilogia superior, torna-se possível projetar e construir uma organização política destinada a fazer com que o Estado, na prática, efetivamente opere a serviço da Nação e que ele não seja tomado de assalto por uma facção da sociedade. Quem pode garantir isso é o olho atento e permanente da Nação, por meio da organização política e de regras, salvaguardas e acordos prévios com os indicados para funções públicas, de tal sorte que a própria organização política tenha elementos para corrigir, rapidamente, as distorções de percurso que se apresentem. Isso significa que a classe média terá de assumir o seu papel, pois não existe democracia sem participação. O resgate ético da política deve gerar atrativos suficientes para viabilizar essa participação.

Como o estudo da condição humana mostrou, o homem não constitui um projeto acabado, mas, sim, um projeto em construção, de sorte que, para sermos realistas, devemos considerar que existem homens plenos, mas que, também, existem indivíduos presos à animalidade, significando a predominância de um dos quatro modos de pensar – S1, S2, S3 e S4 –, e homens plenos, significando predominância de pensar – S4+ e S5. Conclui-se igualmente que essa construção configura processo individual de conquista de discernimento e de emancipação cognitiva, que demanda uma indústria de cultivo das características típicas do humano que se situa muito longe do que entendemos, hoje, por ensino, doutrinação ou domesticação. Tratando-se de projeto de emancipação cognitiva e de superação das instâncias meramente animais de discernimento, resta evidente que apenas tal processo pode viabilizar os estágios superiores de civilidade almejados pelos espíritos mais sensíveis.

A crise brasileira oportuniza, portanto, o projeto e a construção de modelo político sob medida para uma democracia veraz e inteligente, na qual o poder seja exercido em benefício da população e o Estado seja, estruturalmente, moderador e civilizador constituindo-se, virtualmente, no primeiro regime verdadeiramente democrático do planeta. A alternativa é o pesadelo pós-moderno nascente nas periferias das grandes cidades do mundo. O que vai ser?

Brasília, abril/2016.

[1] Entre os teóricos do absolutismo, destacam-se: Nicolau Maquiavel (1469-1527); Thomas Hobbes (1588-1679); Jean Bodin (1530-1596); Jacques Bousset (1627-1704); Hugo Grotius (1583-1645).

[2] RODRIGUES, R. G. A razão holística: método para o exercício da razão. Brasília: Thesaurus, 1999. 269 p.

[3] RODRIGUES, R. G. A teoria dos princípios. Brasília: Thesaurus, 2016. 319 p.

[4] SAMPAIO, Luiz Sergio Coelho de. A lógica da diferença. Rio de Janeiro, Ed. UERJ, 2001. 171 p.

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